Vale terá que manter pagamento de auxílio em Brumadinho, define Justiça
A Vale terá que manter o Programa de Transferência de Renda (PTR) à população atingida pelo rompimento de três barragens da Mina Córrego do Feijão em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). A determinação é do desembargador da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), André Leite Praça.
A decisão do magistrado foi dada em julgamento monocrático de agravo de instrumento interposto pela Vale S.A. contra decisão da 2ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte. Ela determina que a empresa deve manter, provisoriamente, os mesmos critérios de definição dos beneficiários do programa instituído pelo Acordo Judicial para Reparação Integral (AJRI) e os valores previstos antes da redução iniciada em março deste ano.
Além disso, a 2ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte passa a ser a encarregada de definir os critérios específicos e a melhor forma de operacionalização do novo auxílio emergencial.
O desembargador se fundamentou no artigo 3º, inciso VI, da Lei Federal nº 14.755/2023, denominada Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), na Recomendação nº 8/2025, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) para chegar à decisão.
O pedido liminar foi formulado pela Associação Brasileira dos Atingidos por Grandes Empreendimentos (ABA), pela Associação Comunitária do Bairro Cidade Satélite (Ascotélite) e pelo Instituto Esperança Maria (IEM). A questão ainda deverá ser apreciada no mérito.
Questionamento da Vale e decisão da Justiça
A Vale alega que sua obrigação de pagar R$ 4,4 bilhões foi integralmente cumprida em outubro de 2021, resultando em quitação plena. Portanto, segundo a empresa, a gestão e operacionalização do PTR competia, desde então, exclusivamente às instituições de Justiça e à Fundação Getúlio Vargas (FGV).
De acordo com a mineradora, a aplicação da Lei Federal nº 14.755/23 viola o princípio da segurança jurídica e representa uma penalização retroativa à companhia, uma vez que a PNAB foi promulgada mais de dois anos após o trânsito em julgado do acordo.
Em nota enviada à reportagem, a Vale relata já ter realizado o pagamento emergencial no valor de R$ 2,4 bilhões para aproximadamente 100 mil pessoas atingidas pelo rompimento, além dos R$ 4,4 bilhões do Programa de Transferência de Renda. “O PTR é gerido pelas Instituições de Justiça e pela Fundação Getúlio Vargas, sem qualquer ingerência da Vale”, afirma.
Já o relator do recurso, desembargador Leite Praça, destaca que a pretensão das associações autoras não é uma revisão ou reinterpretação do AJRI. A reivindicação é pela adoção de um novo marco legal, a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens, uma vez que os danos causados pelo rompimento das barragens estendem seus efeitos no tempo.
Segundo o magistrado, o fato de que a contaminação ambiental persiste, que as atividades econômicas não foram restabelecidas, as famílias seguem deslocadas de suas moradias originais e que o processo reparatório encontra-se inconcluso.
“Nesse contexto, a aplicação da Lei nº 14.755/2023 não configura retroatividade vedada pelo ordenamento jurídico, pois a norma não pretende regular fatos consumados no passado, mas sim disciplinar situações jurídicas ainda em curso, cujos efeitos danosos permanecem produzindo consequências no presente”, completa.
Na avaliação do magistrado, o auxílio emergencial representa uma resposta legislativa à permanência da situação de risco e desamparo das comunidades atingidas. Para ele, isso não pode ser confundido com qualquer tentativa de revisão de fatos anteriores.
Leite Praça ainda destaca que o acordo de reparação reconhece que novos danos poderiam surgir após sua celebração. De acordo com o magistrado, algumas cláusulas excluem do documento pactuado a restauração e recuperação socioambiental integral, além de danos desconhecidos, futuros ou supervenientes; indenizações referentes aos direitos individuais, entre outras despesas.
“A leitura sistemática dessas cláusulas conduz à inequívoca conclusão de que o Acordo Judicial de Reparação Integral não teve por objeto, nem poderia ter, a quitação ampla e definitiva de todas as obrigações reparatórias da agravante”, esclarece.
Para o magistrado, trata-se de negócio jurídico processual de objeto limitado, que contemplou obrigações específicas relacionadas a danos conhecidos à época de sua celebração.
Ele acrescenta que a abrupta interrupção da fonte de renda para milhares de famílias que ainda não puderam retomar suas atividades econômicas desencadearia uma crise humanitária de proporções incalculáveis. Esse cenário traria consequências diretas sobre a segurança alimentar, a saúde e a própria vida das pessoas atingidas.
Nota da Vale na integra:
Embora a Vale ainda não tenha sido intimada da decisão judicial em questão, vimos reafirmar nosso compromisso com a reparação integral e com as comunidades atingidas pelo rompimento das barragens em Brumadinho.
A Vale já realizou o pagamento emergencial no valor total de R$ 2,4 bilhões para aproximadamente 100 mil pessoas atingidas.
Ademais, por meio do Acordo Judicial para Reparação Integral, a Vale destinou R$ 4,4 bilhões para o Programa de Transferência de Renda (PTR), direcionado à população atingida, o qual foi a solução definitiva do pagamento emergencial. O PTR é gerido pelas Instituições de Justiça e pela Fundação Getúlio Vargas, sem qualquer ingerência da Vale.
A companhia está adimplente em relação às suas obrigações.
(Com informações do TJMG)
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