Movimento Minas 2032

A verdadeira justiça para a mulher é a promoção do respeito 

Educação antissexista, equidade de oportunidades, legislação adequada e justiça para casos extremos devem ser ações conjuntas, alertam especialistas
A verdadeira justiça para a mulher é a promoção do respeito 
Crédito: Adobe Stock

Leonora Mendonça Donoghue, 40, escolheu trabalhar no setor de desenvolvimento Internacional, que tem como foco a transformação política e social de países emergentes. Mineira de Paraopeba, ela vive na Inglaterra e atuou em uma empresa que destina recursos para ajudar países a reduzir a pobreza através de mudanças na política pública.

Ao longo de uma jornada gratificante, um conflito: “Eu gostava do meu trabalho, reconheço toda a diferença dele na vida das milhões de pessoas que recebem os recursos que ajudo a viabilizar. Porém, na corporação, vivi o sexismo e o machismo. E não posso viver na incoerência de batalhar por um mundo melhor estando subordinada à violência do machismo no ambiente de trabalho. Minha saída foi um marco na empresa e acredito que ela serviu para melhorar a vida daquelas que ficaram, porque os gestores me escutaram por meio do meu gesto”, afirma.

Graciela Campos Geisler, 42, gerente do Centro Visão, trabalha há 12 anos na empresa. Ela conta que se sente segura e tranquila porque o ambiente é de equidade. Segundo ela, existe um plano de carreira definido que estimula o crescimento da profissional em todo seu universo feminino; tanto que foi promovida poucos meses antes do parto.

“No Centro Visão não há diferença de salário ou reconhecimento entre homens e mulheres. Somos igualmente estimulados a crescer. O respeito pauta as relações entre chefes e colegas. Apesar disso, tive medo ao disputar uma promoção grávida de 6 meses com um homem. Eu poderia perder pela maternidade. Porém, isso não interferiu na avaliação e consegui a progressão na carreira. Logo depois, saí de licença maternidade para cuidar do meu bebê. Quando meu filho Pedro tinha cerca de um ano, recebi outra promoção. Saber que você trabalha em um lugar assim não tem preço”, avalia. 

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Casos como o de Leonora e Graciele ajudam a mostrar que avançamos como indivíduos e corporações. Porém, ainda falta muito. Para obter os depoimentos, foi necessário solicitar que as fontes fossem mulheres, pois os representantes máximos nos cargos eram quase em totalidade homens. Obviamente, o ponto de vista de todos deve ser contemplado. No entanto, enquanto a mulher não estiver no cerne da execução da transformação, a mudança caminhará a passos mais lentos.

Graciela Campos Geisler, gerente do Centro Visão | Crédito: Divulgação/Centro Visão

Além disso, durante as apurações, descobrimos que a justiça ainda não separa automaticamente por gênero os casos de violência no trabalho, e fazer essa pesquisa demanda a busca manual de situação por situação, o que dificulta o levantamento de informações específicas. 

Hélvia Barcelos, especialista com quatro décadas de vivência em gestão de pessoas e consultoria em compliance trabalhista da FourEthics, alerta que tudo isso reflete a necessidade de uma mudança estrutural. Para ela, enquanto a mulher não estiver no cerne da execução da transformação, a mudança caminhará a passos mais lentos.

“Hoje as empresas não têm suas imagens arranhadas por casos de violência contra a mulheres e cuidam de colocar cláusulas específicas em seus Códigos de Conduta. Não é mais aceito casos e situações absurdas como os citados na matéria. Por isso, os processos educativo, preventivo e resolutivo precisam seguir”

Para a desembargadora Rosemary de Oliveira Pires Afonso, 2ª vice-presidente, ouvidora, diretora da Escola Judicial e coordenadora do Comitê de Ética e Integridade do TRT da Terceira Região, a transformação da realidade da mulher no mercado de trabalho passa pelo avanço das leis e, especialmente, seu entendimento pela sociedade.

A desembargadora explica que, a princípio, tudo que a mulher entender como violência contra si, no trabalho ou fora dele, pode e deve ser por ela denunciado. Ela reforça que as denúncias, a criminalização da violência e as condenações indenizatórias contribuem para refrear a prática de violência contra a mulher no mercado de trabalho. Porém, alerta que a judicialização não resolve por si só o problema. 

Rosemary relata que o combate à impunidade e a execução da pena prestam-se a estabelecer uma mentalidade pedagógica, desestimulando novas práticas por outros indivíduos com pendor de violência e desrespeito ao ser humano. Contudo, a chamada reparação penal, em que o criminoso é penalizado, por si só, não restitui o trauma e sequelas provocadas no corpo e mente da mulher vítima da violência

Para Rosemary, as mulheres precisam de políticas públicas eficazes de defesa delas nos espaços trabalhistas.

“Esse tipo deturpado de cultura violenta somente pode ser efetiva e definitivamente revertida com políticas que promovam a educação, a igualdade de gênero, a fiscalização e a aplicação da legislação, bem como a criação, expansão e fortalecimento de canais de denúncias que permitam o seu processamento de forma rigorosa e eficiente. E assim, num caminhar contínuo, a sociedade será capaz de promover, internalizar e edificar a cultura da paz, respeito recíproco, liberdade, igualdade, justiça e fraternidade, para alcançar a efetiva evolução de seus membros no campo da real cidadania e da humanidade plena”, afirma. 

Desembargadora Rosemary de Oliveira Pires Afonso | Crédito: Leo Andrade

Com respeito à gestão e ao desenvolvimento, o Centro Visão, local de trabalho de Leonora, participa de duas modalidades de enfrentamento à violência contra a mulher dentro de suas lojas: o projeto ‘A Vez Delas’, uma parceria com a Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH) e da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (Sedese), que abre vagas de trabalho para mulheres vítimas de violência doméstica.

As vagas de emprego são oferecidas via Rede de Enfrentamento, plataforma virtual onde as vítimas de violência cadastram seus currículos e as empresas aderidas ao programa podem fazer a captação. 

Já o Sinal Vermelho, uma parceria da CDL/BH com as Polícias Civil e Militar de Minas Gerais, é um projeto que usa as lojas de Belo Horizonte como espaço de alerta contra a violência doméstica. A campanha propõe que mulheres que estejam sofrendo algum tipo de violência possam apresentar um sinal em forma de X na palma da mão, preferencialmente na cor vermelha, para um funcionário ou atendente de estabelecimentos comerciais a fim de solicitar secretamente ajuda.

Fernando Cardoso, diretor comercial do Centro Visão, pondera que o respeito é duplamente vantajoso.

“Temos uma gestão responsável que prima pela equidade de oportunidades. Hoje, 15 das 20 lojas da rede são lideradas por mulheres. Reconhecemos que o comando feminino e a tecnologia colaboraram com o aumento de 15% no lucro e aumento recordes de faturamento nunca vistos. A violência contra a mulher no mercado de trabalho ou fora dele é inadmissível e traz danos e prejuízos. Por isso, usamos nossas lojas também como instrumento de fomento e discussão sobre o assunto”,  defende. 

A especialista Hélvia, após conhecimento dos casos, finaliza com uma convocação social. “Combater a violência contra a mulher no mercado de trabalho é um desafio hercúleo que demanda educação antissexista, leis severas, empresas verdadeiramente comprometidas com a singularidade das pessoas e um Estado que prime por políticas públicas de equidade.  Movimento Minas 2032 é um compilado interessante disso e pode ser espaço de coalizão para esse e outros desafios. Não podemos seguir cegos à tamanha brutalidade contra as mulheres”

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