Movimento Minas 2032

‘Implementação da agenda ESG ainda é muito lenta’, alerta presidente do BHTEC

Confira a entrevista exclusiva com o presidente do Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BHTec), Marco Crocco
‘Implementação da agenda ESG ainda é muito lenta’, alerta presidente do BHTEC
Foto: Ísis Medeiros / BHTEC

Mesmo com diversas iniciativas e vultosos investimentos na área nos últimos anos, o conceito de negócios sustentáveis ainda não é facilmente compreendido por muitas pessoas. A tarefa agora, inclusive, pode ser mais difícil, em um mundo onde a agenda ESG (Ambiental, Social e Governança, na sigla em inglês) sofre com um movimento contrário de grandes empresas ao redor do mundo, motivadas por questões políticas e ideológicas.

Para o presidente do Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BHTec), Marco Crocco, a implementação da agenda ESG nas empresas tem crescido, mas ainda acontece em um ritmo muito lento para superar os desafios dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), instituídos há cerca de dez anos (setembro de 2015) na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).

Nesta entrevista concedida ao Diário do Comércio, Grocco analisa os prejuízos de credibilidade causados pelo chamado greenwashing (prática de marketing enganosa utilizada por empresas para transmitir imagem de sustentabilidade) e a repercussão do posicionamento do presidente dos EUA, Donald Trump, contrário às normas ESG. Para ele, a regulamentação pode contribuir para o maior avanço da adoção dessas normas, inclusive por pressão dos consumidores.

Uma pesquisa da consultoria e auditoria EY com 350 representantes de grandes fundos de investimentos globais, entre eles, empresas de gestão de ativos, patrimônio, seguradoras e fundos de pensão, mostrou uma lacuna entre o discurso e a ação do mercado sobre o ESG.

Enquanto 88% dos investidores pesquisados aumentaram o uso de informações ESG e 93% estão confiantes de que as empresas atingirão suas metas de sustentabilidade, 92% temem que as iniciativas relacionadas a ESG prejudiquem o desempenho corporativo de curto prazo.

Além disso, 85% dos executivos entrevistados afirmaram que o greenwashing e declarações enganosas sobre desempenho de sustentabilidade das empresas são problemas maiores hoje do que há cinco anos. E cerca de 66% dos investidores dizem que sua instituição provavelmente diminuirá a consideração da agenda ESG na tomada de decisões.

Por outro lado, 86% dos tomadores de decisão dos fundos de investimento globais confirmaram que seu histórico de votação recente tem sido, em geral, favorável às resoluções de acionistas relacionadas a ESG. O levantamento da EY apontou que o fator mais influente na votação dos investidores é a pressão política ou social sobre questões relacionadas ao tema.

Recentemente, a Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador do mercado de capitais dos Estados Unidos, aprovou a criação da primeira bolsa de valores exclusivamente dedicada para investimentos sustentáveis, a Green Impact Exchange (GIX). A nova bolsa da maior economia do mundo renova as esperanças para o fortalecimento da agenda ESG, atualmente sob ataque do próprio presidente dos EUA, Donald Trump. A GIX deve começar a operar no próximo ano.

O Movimento Minas 2032 – Pela Transformação Global, idealizado pelo Diário do Comércio e Instituto Orior em 2017, foi reconhecido no 1º Fórum Minas Gerais de Investimentos e Negócios de Impacto, por seu papel no desenvolvimento sustentável. A iniciativa e o veículo de comunicação foram considerados fomentadores do ecossistema de negócios e produtores de conteúdos propositivos.

Em que patamar está a implementação das práticas ESG e da Agenda 2030 da ONU pelas empresas de Minas Gerais, atualmente?

De forma geral, Minas Gerais reflete o que acontece no País. A implementação dessa pauta ainda é muito lenta. Ela tem crescido, principalmente nos últimos dois, três anos, mas ainda é muito lenta para o desafio que os ODS de 2030 estabelecem, que é daqui a cinco anos. Existe cada vez mais essa preocupação, mas ainda não está completamente incorporada no dia a dia, quer seja das empresas mineiras, quer seja das empresas nacionais e no mundo como um todo.

E não é estranho que isso ocorra, porque uma implementação de práticas por convencimento não é obrigatória. Mesmo os ODS para cada país não são objetivos obrigatórios. Da mesma forma que a agenda climática, as contribuições nacionais para redução climática, se você não cumpre, não acontece nada. E se ninguém cumprir os ODS, não vai acontecer nada. Isso confronta-se um pouco com o dia a dia do mundo empresarial.

A gente pode captar exemplos aqui, ali… está crescendo essa valorização. O mercado consumidor começa a ter essa preocupação maior ainda, porque a implementação dessas práticas vai ser feita se isso tiver um resultado no bolso. E se não tiver resultado no bolso, não adianta. É um mundo capitalista, corporativo, que busca a maximização do lucro e o lucro no curto prazo. Isso só vai virar uma prática constante se, por outro lado, tiver uma consequência financeira.

Se existisse uma legislação com os ODS implementados, mais firme nesse sentido, a implementação da agenda ESG poderia estar mais acelerada e consolidada?

Se fosse obrigatório, se fosse uma legislação, o cumprimento seria maior.  Todos esses Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e a adoção de práticas ESG dentro das empresas estão crescendo; sem dúvida nenhuma que estão crescendo. O problema é a velocidade.

Porque você tem que conscientizar, não é só a empresa a fazer. A empresa estará se mobilizando se o resto da sociedade valorizar a empresa que faz, se valorizar a empresa que tem essas práticas. Se essa avaliação vier pelo lado de fora, a empresa, automaticamente, também vai achar que estes são valores importantes para serem implementados.

Ou seja, precisa da chancela do consumidor?

Exatamente. Porque é um valor reputacional; e valor reputacional tem que ser monetizado, senão não vale a pena. Então, quando você consegue monetizar esse valor reputacional, aí, sim, você tem crescimento. E tem crescido. Seria muito injusto dizer que não tem crescido a adesão à agenda ESG. E você vê esse crescimento de uma forma ou de outra, de uma forma lenta, mas você vê, tanto na micro, na pequena, na média e na grande empresa. Tem tido esse diálogo e, com muito cuidado, tem crescido.

Às vezes você pega, por exemplo, uma pauta ESG – sustentabilidade. Às vezes, a gente tem que criar um certo cuidado para não ter o que a gente chama de “greenwashing”. Você vai ter um pouquinho do “ESGwashing”, porque isso também existe. Essa é uma preocupação que tem que existir. Determinadas firmas adotam uma ou outra prática, não inteiramente, na sua organização, para dizer para fora que tem. Esse é o risco.

Além desse, “ESGwashing”, que ameaça a consolidação da agenda de negócios sustentáveis, hoje também há um movimento no mundo de recuo das grandes empresas na implantação da agenda ESG, principalmente após a eleição de Donald Trump, que é frontalmente contra essas normas, à transição energética, já que ele argumenta que as medidas ESG custam muito caro para as empresas. Como esse movimento ameaça o desenvolvimento dos negócios sustentáveis?

Só uma ponderação. O Trump acelera o movimento que já existia. Um movimento de resistência, que é derivado de várias coisas, principalmente dos “washing”. Foram flagrados vários movimentos ou iniciativas de greenwashing, foram flagrados vários movimentos de iniciativas ESGwashing e, antes do Trump, já havia o movimento, ‘olha, gente, o que tá tendo aí é o modismo, não está acontecendo nada para valer’.

Aí acenderam o farol para que estava acontecendo alguma coisa. E de fato estava. Existia o risco do washing porque isso estava crescendo. O Trump acelera de uma maneira mais forte, porque o que ele traz é: ‘nós não precisamos fazer o washing. Nós não vamos fazer (ESG), ponto. Nós somos contra’.

Porque antes tinha o washing. Tanto o greenwashing quanto o ESGwashing dizem o seguinte: ‘olha, eu não vou fazer, mas vou manter o discurso aqui de que estou fazendo, faço só um pouquinho, mas não vou aderir a essa agenda para valer’. O Trump apenas escancara.

Isso ameaça o desenvolvimento do futuro do ESG e dos negócios sustentáveis como conhecemos?

Ameaça sim. Porque a gente vive numa sociedade capitalista extremamente financeirizada. O lucro do mundo corporativo, do mundo real das empresas não financeiras, é determinado pela rentabilidade que você tem no mercado financeiro. A lógica de curto prazo no mercado financeiro contaminou a lógica empresarial.

O grande problema do desenvolvimento sustentável é que é um convencimento. Você tem que convencer as pessoas a fazerem isso. Enquanto no dia a dia real as pessoas olham que, se a empresa A, B, C ou D não me der um lucro de tanto, não me der um dividendo de tanto, eu vou vender a ação dessa empresa e vou pegar da outra empresa ali que está tendo. Essa é a lógica que estamos vivendo.

Por isso que tem muito problema, porque não é a conscientização pura e simples. A conscientização tem que vir acompanhada de uma legislação que leve a isso. Se não, a conscientização demora. É o mesmo caso na pauta de mudanças climáticas. Enquanto não houver a regulamentação, a adesão à pauta é mais difícil. Tem que ter os incentivos para adesão à pauta. E a adesão, simplesmente por vontade, é um trabalho muito grande, é enorme.

Pelo lado do consumidor que quer ter um consumo sustentável, que procura por negócios sustentáveis, como ele consegue avaliar as empresas que realmente implementam as práticas de ESG?

Como não existe um selo e uma obrigatoriedade de selo, esse é um grande fator de dificuldade para o consumidor. Porque ele vai em função da propaganda que a empresa faz.

Então a empresa vai lá no carrinho, na gôndola e fala: ‘Esse produto é feito apenas com material de reciclagem ou 100% sustentável’. Mas não tem, na prática, um selo que fale para o consumidor que, de fato, aquilo é verdade. Tem as normas dos consumidores que proíbem a mentira etc. e tal, mas é a mesma norma para qualquer outro produto.

Essa que é a grande dificuldade, jogar para o consumidor essa responsabilidade é muito difícil. É muito difícil e é um processo extremamente lento.

Deveria ter mais controle, como, por exemplo, um selo de uma agência reguladora do governo federal?

Igual o selo do cigarro, ‘o cigarro faz mal à saúde’, ponto. Está posto lá. Para medicamento não precisa? Esse aqui é a tarja preta, só com receita. Como é que a população vai saber o que é só com receita, o que não é com a receita, entendeu? O consumidor é o lado mais fraco dessa história.

Uma agência reguladora de ESG no País poderia ajudar o consumidor a buscar e valorizar empresas que realmente implementam a agenda ESG?

Não tenho opinião formada. Ainda tenho que analisar como essa legislação seria feita. Essa é uma ideia que pode ser analisada. Não tenho o domínio dos detalhes, mas falo de uma regulamentação. Qual forma de regulamentação é essa? Acho que a gente tem que pensar um pouco. Mas, filosoficamente, é uma regulamentação que precisa acontecer.

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