Movimento Minas 2032

Cultura da violência sexual infantil desafia sociedade e governo no País

Confira a entrevista com a cientista social Ana Nery Lima, especialista do GT Agenda 2030
Cultura da violência sexual infantil desafia sociedade e governo no País
Crédito: Arquivo Pessoal / Ana Neri

Qual é o contexto da violência sexual e abuso infantil no Brasil?

O cenário da violência sexual e abuso contra crianças e adolescentes no Brasil, infelizmente, é alarmante. Em 2023, o País registrou recorde de casos, com aumento de mais de 70% em relação a 2022, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma média de 320 crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil por dia e esse número pode ser ainda maior, já que apenas 7% dos casos são denunciados, sendo 75% das vítimas meninas, em sua maioria, negras. Quase 80% dos casos de abuso acontecem no ambiente familiar, revelam as estatísticas da OMS. No formato on-line, essas violências também se manifestam. Imagens de abuso e exploração infantil na internet bateram recorde em 2023, sendo a maior série da história desde que tem sido coletada em 2006, segundo a Safernet. Foram 71.86 queixas em 2023, ou seja, um aumento de 77% em relação a 2022.

Quais são suas principais causas?

As situações mais recorrentes são a falta de entendimento sobre os diversos tipos de abuso e violência, a vulnerabilidade socioeconômica e a desigualdade social, as discriminações em decorrência de marcadores sociais como raça, gênero, etnia e outros, os impactos relacionados aos desastres e mudanças climáticas. Porém, podemos incluir como um contexto maior a falta de políticas públicas mais efetivas, sobretudo, voltadas para prevenção e conscientização da sociedade. E também políticas intersetoriais que alcancem todas as crianças e adolescentes em todos os lugares porque o Brasil tem dimensões imensas. E é preciso atuar de diversas formas.

Nesse sentido, por que é tão difícil promover a segurança das crianças em relação à violência sexual no Brasil?

Por um lado, existe um baixo índice de denúncias devido a fatores culturais. Isso acontece porque a violência está naturalizada. As vítimas, em geral, são culpabilizadas, sobretudo quando são meninas, e isso dificulta que os agressores sejam punidos.

Por que isso acontece?

Existe um tabu que impede que a sociedade fale sobre o assunto. E mesmo quando existe uma estrutura de serviços e leis boas, podem faltar voz e vez de fala dentro de casa. Outra possibilidade, em alguns casos, é que quando a vítima consegue procurar ajuda, existe despreparo ou insuficiência do sistema. Nem sempre é nítido para as pessoas os próprios conceitos sobre o tema de abuso, violência e exploração sexual. Mesmo para aqueles que lidam, que prestam serviços. Além disso, o Brasil é um País de dimensões continentais e há diferenças regionais e sociais. Com uma pobre às margens de estradas perdidas no mapa e na ignorância. Fazer a estrutura que já existe chegar a essas pessoas de modo universal é o grande desafio.

O Relatório Luz, em várias edições, mostrou o agravamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. O que as edições do trabalho encontraram de desafios para alcançar a meta? E quais foram os resultados em relação à meta no último relatório?

A meta 5.2 do ODS 5 (Brasil) – Eliminar todas as formas de violência de gênero nas esferas pública e privada, destacando a violência sexual, o tráfico de pessoas e os homicídios, nas suas intersecções com raça, etnia, idade, deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, territorialidade, cultura, religião e nacionalidade, em especial para as mulheres do campo, da floresta, das águas e das periferias urbanas – segue em retrocesso desde a primeira edição do Relatório Luz. Olhando por um aspecto mais amplo, de violências de gênero, o cenário é grave, sobretudo quando olhamos para o recorte etário e racial, em que meninas negras são as mais afetadas. Além da reversão dos retrocessos institucionais, os principais desafios são as desigualdades étnico-raciais e econômicas; o não cumprimento da legislação existente para além do aspecto penal; e a incapacidade de evitar a revitimização e a impunidade asseguradas pelo racismo patriarcal heteronormativo.Em 2022, houve um número recorde de registros de estupros: 74.930 casos notificados em delegacias, dos quais 56.820 (75,8%) tiveram como vítimas crianças com menos de 14 anos ou pessoas sem condição de manifestar consentimento – 61,4% das vítimas tinham entre 0 e 13 anos, com 68,3% dos casos acontecendo dentro da casa da criança/adolescente. Entretanto, apesar da violência sexual que explodiu no País contra crianças e adolescentes, a ausência de dados estratificados segue dificultando uma análise aprofundada sobre a situação deste grupo, onde a pornografia infantil também se destaca. Segundo o Anuário de Segurança Pública, desses 74.930 estupros – o maior número da história-, 61,4% das vítimas tinham, no máximo, 13 anos.

Já o ODS 16, na meta 16.2 (Brasil) – Proteger todas as crianças e adolescentes do abuso, exploração, tráfico, tortura e todas as outras formas de violência – no último Relatório Luz, completou quatro anos em retrocesso porque os registros de violência contra crianças e adolescentes cresceram.

Como desafios, temos corte de orçamento e falta de dados. Segundo o relatório, a própria ausência de informações que configura retrocesso da meta. A legislação obriga o Estado a proceder registro, sistematização, acompanhamento e avaliação regulares sobre o indicador. Mesmo com tal cenário alarmante, ainda em 2022, o orçamento para políticas públicas e programas de promoção, proteção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes continuou a ser reduzido, e no Projeto de Lei Orçamentária Anual 2023 enviado pelo Executivo ao Congresso, foram previstos só R$ 15 milhões para a rubrica relativa ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS), ou seja, menos de 1,5% do gasto em 2022.

Qual o papel do poder público, empresários, sociedade e Terceiro Setor? Esses papéis estão sendo cumpridos de modo eficaz?

A Constituição diz que a responsabilidade de garantir os direitos de crianças e adolescentes é compartilhada entre Estado, famílias e sociedade. E isso é de grande importância, pois compreende-se que todos os setores da sociedade e todas as pessoas são responsáveis.

O Estado precisa garantir que as políticas alcancem esse público e que a prevenção seja a maior aliada no combate à exploração e abuso, com orçamento e escopo técnico e aparato legal suficiente para essa garantia.

No que se refere ao setor privado, é importante que desenvolva ou apóie projetos voltados à causa e que atuam de forma a coibir tais situações em seus espaços, não corroborando com questões que coloquem crianças e adolescentes em risco. É importante que tenham em suas políticas internas cláusulas onde se comprometam com a questão também.

O Terceiro Setor apoia a efetividade das políticas com ações, programas e projetos de prevenção. A importância da sua atuação é de grande valia. Organizações como a Plan International Brasil desenvolvem programas e projetos voltados para o combate às violências contra crianças, adolescentes e jovens, bem como atua em rede para fortalecer mecanismos de prevenção. Atua também apoiando o sistema de garantia de direito fazendo incidência política junto ao poder público e sociedade. Projetos do Terceiro Setor atuam com o público direto, mas também com a comunidade para fortalecer e democratizar o acesso, o conhecimento e as formas de prevenção ao abuso e exploração de crianças e adolescentes e todas as formas de violências.

Já a sociedade civil deve imprescindivelmente estar informada, consciente e comprometida na mudança cultural e quebra de tabus. Visto que a violência acontece dentro de casa, as famílias precisam cuidar do diálogo e da construção de pontes de afeto para ajuda. E quem não está diretamente ligado às situações pode atuar de forma colaborativa em qualquer um dos três setores e, ainda, de forma voluntária.

DOA MG – NAVE

O Núcleo Assistencial Veleiro da Esperança (Nave) é uma Organização da Sociedade Civil (OSC) sem fins lucrativos e tem como finalidade o trabalho integral com meninas e mulheres em situação de violência intrafamiliar e/ou social, em especial em situação de abuso sexual.

O trabalho da instituição vai desde o acolhimento emergencial à promoção de assistência, de autonomia e emancipação social por meio de projetos interdisciplinares. São 19 ações divididas em dois grandes programas – Saúde e Meninas de Vestido – que atendem 250 pessoas/mês diretamente e 600 indiretas. Em 39 anos, mais de 88 mil pessoas foram impactadas.

Sediado em Sabará, atende demanda dos Creas e Cras do município, de Belo Horizonte, Betim, Contagem, Caeté e Nova União.

Para saber mais:
Instagram @nave.veleirodaesperanca
(31) 99934-1717
Doações:
Pix 20.970.240/0001-26
Bazar Solidário – rua Diana, 299 – bairro Ana Lúcia – Sabará

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