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Desembargadora esclarece dúvidas comuns às mulheres vítimas de violência no trabalho

Desembargadora esclarece dúvidas comuns às mulheres vítimas de violência no trabalho
Crédito: Leo Andrade

Em entrevista ao DIÁRIO DO COMÉRCIO, a desembargadora Rosemary de Oliveira Pires Afonso, 2ª vice-presidente, ouvidora, Diretora da Escola Judicial e coordenadora do Comitê de Ética e Integridade do TRT da Terceira Região, responde sobre questões comuns que surgem às mulheres vítimas de violência no trabalho e fora dele.

1) Toda violência contra a mulher é crime?

O Brasil ostenta o vergonhoso quinto lugar no ranking mundial da violência contra a mulher. Esse quadro aponta para a necessária rigidez na edição de leis, as quais tipifiquem os vários tipos de violência contra a mulher, aumentem a penalidade e impeçam a impunidade dos infratores.

Nossa cultura ainda se conforma e trata como um tipo de dado da natureza essa violência, aceitando a prática, expressa ou velada, da misoginia, da discriminação e do patriarcalismo, causando a coisificação da mulher e permitindo muitos tipos de violência que não são previstos na legislação penal e, portanto, infelizmente, não se caracterizam como crime, ficando sem a justa e exemplar punição.

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2)O que é a violência contra a mulher no trabalho perante a lei?

Adaptando-se à definição geral dada pela Organização Internacional do Trabalho, a violência no local de trabalho se conceitua como “qualquer ação, incidente ou comportamento que se afasta da conduta razoável em que uma pessoa (no caso, a mulher) é agredida, ameaçada, prejudicada, ferida no decurso de, ou como um resultado direto do seu trabalho”. 

3) Que legislação rege, onde ela ajuda e quais pontos precisa melhorar?

Os principais diplomas legais são os que criminalizam a violência contra a mulher: a Lei Maria da Penha, a Lei contra o Feminicídio e a Lei contra a violência psicológica da mulher. 

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) define que a violência doméstica contra a mulher é crime e aponta as formas de evitar, enfrentar e punir a agressão. Também indica a responsabilidade que cada órgão público tem para ajudar a mulher que está sofrendo a violência. 

Já a Lei nº 13.104/15, conhecida como Lei do Feminicídio, introduziu o feminicídio como uma categoria qualificada no rol de crimes contra a vida (art. 121, § 2º, VI, do CP), aumentando a pena aplicável aos homicídios em geral; e o inseriu na seção dos crimes hediondos (alterando a Lei nº 8.072/90).

Recentemente, foi sancionada a Lei 14.188/21, que criou o tipo penal de violência psicológica, inserindo o artigo 147-B, do Código Penal, dispondo: “Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”. 

Além dessa legislação penal, podem ser citados ainda os dispositivos previstos na CLT, que autorizam o pedido motivado de encerramento contratual pela empregada em decorrência de alegada e comprovada ofensa à sua honra e integridade física, o descumprimento contratual e legal de seus direitos trabalhistas e o risco à sua saúde e vida. 

A mulher vítima de violência, no trabalho ou fora dele, também pode pleitear indenização por danos materiais e morais, tanto na Justiça do Trabalho (se essa violência ocorreu em virtude de seu vínculo empregatício, no ambiente de trabalho ou mesmo fora dele, por seu empregador, seus prepostos ou terceiros que agiram por uma relação que possuam com o empregador), como na Justiça Estadual (se essa violência ocorreu nas relações sociais fora do ambiente do trabalho ou nas relações interpessoais de natureza privada). Igualmente, as servidoras públicas também podem denunciar práticas violentas que estejam sofrendo no curso da execução de suas atividades funcionais, cabendo ao gestor público a imediata atuação cautelar e corretiva, visando a cessação dessa violência constatada e a punição do agressor. 

4) Quais são os canais de prevenção e denúncia de violência contra a mulher no trabalho? O que é caso de justiça e o que é passível de conciliação? Como devem se comportar empresas e funcionárias nestes casos?

Os canais de denúncia podem ser registros junto à autoridade policial, nas Ouvidorias existentes em todos os órgãos públicos (um tipo de SAC ou ombudsman no âmbito das instituições públicas), junto ao seu sindicato profissional, ao seu chefe imediato ou mediato ou outro canal existente na empresa (como uma comissão de compliance ou RH), ao seu médico em alguma consulta realizada em posto de saúde ou rede particular, nas promotorias, defensorias públicas, ou ainda pela via judicial direta. 

Não é possível conciliar casos que possam caracterizar crime à revelia da autoridade judiciária. Dessa forma, qualquer denúncia de natureza penal, independentemente de onde ou quem seja o alegado agressor, deve ser encaminhada à ciência da autoridade policial, a qual seguirá os trâmites para a apuração e possível abertura de processo judicial criminal. 

 5) Como se deve conduzir o combate às condutas violentas e assediadoras contra as mulheres?

Uma das formas de combate às condutas violentas e assediadoras é estabelecer políticas preventivas e corporativas, com a instauração de procedimentos de segurança e transparência, e que garantam à demandante que a sua denúncia não irá lhe causar uma represália ou perseguição, o que exige a possibilidade de anonimato, caso em que a divulgação e o processamento também exigirá rigor para a abertura de apuração, a fim de que também não estimule denúncias falsas e de caráter vingativo ou torpe, em prejuízo de toda ordem a pessoas inocentes assim envolvidas.

A criação de um eficaz canal de denúncias, com critérios bem estabelecidos e regramento específico, pode trazer tranquilidade capaz de encorajar a mulher a romper o silêncio, bem como servir de instrumento pedagógico contra as práticas violentas e assediadoras de toda ordem. 

Extremamente importante é a implementação, em instituições públicas e privadas, de uma rede de apoio às mulheres, disponibilizando a elas profissionais especializados, a fim de garantir a saúde física e mental, acolhendo-as para a superação física e psicológica sofrida em resgate à sua integridade física, sua autoestima e recuperação de poder social.

Da mesma forma, faz-se necessário o estabelecimento de políticas internas para a disseminação de conhecimento e treinamentos corporativos e de gestão, capazes de fortalecer as políticas de igualdade entre homens e mulheres, servindo como tratamento preventivo e de orientação para evitar ou eliminar as práticas abusivas e tóxicas no ambiente laboral.

6) Existe uma observação de aumento de processos de violência contra a mulher no trabalho?

 Apesar do inegável aumento do conjunto normativo e de práticas institucionais em favor das mulheres,  como as delegacias especializadas, a criação de Ouvidorias para as mulheres, centros públicos de acolhimento às mulheres, a busca de uma política pública de quotas de participação das mulheres em setores públicos (na política, em grupos corporativos), a atenção na colocação e adaptação funcional das trabalhadoras e servidoras que sejam mães de crianças de pouca idade ou portadoras de necessidades especiais, os casos de violência contra as mulheres apresentaram aumento estatístico, não se podendo afirmar, com segurança, que tal quadro revela um crescimento efetivo dos casos ou se é fruto do aumento das denúncias levadas a registro nos órgãos competentes. 

 De todo modo, as estatísticas constatam que as mulheres sofrem mais assédio moral que os homens no ambiente laboral: segundo os dados obtidos, 76% das trabalhadoras relatam já terem sido vítimas de violência e assédio no trabalho. 

Denúncias de assédio moral, preterição de promoções, discriminações salariais, de vantagens funcionais e de rescisão são frequentes, mas não é fácil a empregada demonstrar em juízo. É interessante constatar que as mulheres também costumam ser assediadoras vorazes de outras mulheres (assédio vertical ou horizontal, conforme a relação hierárquica) e nem todas estimulam e reconhecem as conquistas obtidas por outra colega.

Serviço

Para transformar 

  • Lei – PL que vai multar empresas que praticarem salários diferente 

Projeto de Lei que pretende combater a diferença salarial entre mulheres e homens no Brasil, PLC 130/2011, estabelece multa para as empresas que praticarem essa grave violação dos direitos. Acompanhe tramitação no Senado Federal.

  • Programa A Vez Delas – CDL – A plataforma de cadastro no banco de empregos para as empresas interessadas estará disponível no site.

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