Movimento Minas 2032

Fome desafia o desenvolvimento de MG

Mais da metade dos mineiros estão em insegurança alimentar e pelo menos 8% passam fome no Estado
Fome desafia o desenvolvimento de MG
Crédito: Adobe Stock

“Lá em casa, tem 3 dias que não tem nem água. Mas, hoje, a lida foi boa. Deu para trazer a janta e o almoço de amanhã. Só que vou render o fubá pra esticar mais um bocado. Tem semana que não chega nada”. É o que relata Antônia de Jesus, 34 anos, moradora da zona rural de São João das Missões, região Norte de Minas, depois de ganhar meio pacote de fubá em troca da limpeza de um comércio local.

A entrevista foi concedida ao DIÁRIO DO COMÉRCIO, por intermédio de um lojista que emprestou o telefone. Analfabeta, desempregada e sem marido, tem a responsabilidade de alimentar também os filhos, quatro crianças entre 2 e 6 anos. Na casa dela não há energia elétrica, água encanada e nem esgoto.

Antônia é uma entre as cerca de 1,7 milhão de pessoas que passam fome em Minas Gerais. O valor representa 8,2% do total da população e está no 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (Vigisan), pesquisa feita pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), entre novembro de 2021 e abril de 2022, e divulgado em setembro.

Ainda de acordo com os dados, mais da metade dos mineiros têm algum tipo de insegurança alimentar, somando cerca de 11,1 milhões de pessoas. Quase 30% das pessoas que vivem em Minas Gerais, quase 6 milhões de pessoas, convivem com a preocupação da falta de alimentos em um futuro próximo e 3,4 milhões, 16% da população, não têm acesso a quantidades suficientes de comida.

“Aqui ´nós´ é tudo pobre e não tem muito pra onde correr”, contextualiza com sabedoria Antônia, que não estudou, mas entende a realidade que vive. De certa forma, ela tem razão. A situação local é complicada na cidade de 12 mil habitantes. Situada a 247 km de Montes Claros e quase 700 Km de Belo Horizonte, é margeada pelo rio Itacarambi. Tem parte da população residente no distrito da Sede, no distrito de Rancharia, 32 aldeias e a terra indígena Xacriabá. É de lá o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado de Minas Gerais, 0,529, considerado baixo, segundo dados do último Censo.

“A gente ajuda como pode e até quando der, porque também estamos passando”, pondera Luiz do Carmo, dono de uma pequena mercearia na cidade. Ele e outros cinco donos de pequenos bares e restaurantes oferecem 30 marmitas uma vez por semana na praça da cidade.

Desenvolvimento humano – Minas Gerais tem Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,731, considerado alto e ocupa o nono lugar no ranking dos estados brasileiros. Além da cidade de Antônia, outros 72 municípios têm IDH classificado como muito baixo. Em 552, o índice está na categoria médio e 2 têm nível muito alto: Nova Lima, com índice de 0, 813, ocupa o primeiro lugar no IDH estadual, seguida da Capital, com índice de 0,810. Vale lembrar que os dados acima são do Censo 2010, do IBGE. A situação pode mostrar-se pior já que os indicadores da fome aumentaram em todo o País.

No entanto, a fome aparece mesmo nas cidades com melhor desempenho. Na Pedreira Prado Lopes, região Noroeste de Belo Horizonte, Amanda Santos e o marido estão desempregados com cinco filhos em casa. Eles afirmam que no auge da pandemia tinham mais ajuda. “Está muito difícil manter comida no prato para todo mundo todo dia. Eu deixo os meninos comerem primeiro. Se sobra, eu como”, confidencia Amanda.

A falta de alimentação impacta o futuro. De acordo com o economista e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, Mário Rodarte, sem comer direito, os filhos de Amanda e Antônia podem morrer. Ou desenvolver-se pouco, aprender menos, ter pior emprego e, no futuro, ter menos para dar para seus filhos. E o ciclo da desigualdade social se repete. Para ele, além do prejuízo humano e social, a fome deixa marcas pesadas na economia.

A fome de hoje é resultado de uma política estadual e nacional de retrocesso de direitos e acesso às condições básicas e má gestão pública que enfraqueceu a economia, diminuiu a renda dos brasileiros e mineiros, trouxe de volta a inflação, agravou as desigualdades sociais e aumentou a dívida líquida e bruta do Estado, agravada pela Covid-19”, contextualiza Rodarte.

O especialista explica que a redução de investimentos na área social promoveu uma priorização do desenvolvimento econômico em detrimento do social. “Com o argumento de aumentar investimentos para impulsionar a economia, gerar empregos e reagir à crise, ao mesmo tempo reduzir gastos, os governos convenceram a população que esse é o melhor caminho. Porém, a segurança econômica não pode promover a desproteção social. Pior, a fome é causa e consequência desse desequilíbrio. E, economicamente, todos pagaremos essa conta”.

Moradores do bairro Santa Rosa, região da Pampulha, já entenderam que a fome é um problema de todos. Eles se uniram para criar a Caixa da Partilha. Duas caixas de feira pintadas e colocadas no portão para receber as doações de quem quiser colaborar, para quem desejar passar e pegar, uma iniciativa de Beatriz Moreira.

“Começamos com alguns donativos. Os amigos, vizinhos, motoristas dos ônibus que passam aqui na porta contribuem. Quem passa retira o que precisa. A fome é urgente e responsabilidade de todos nós. É necessário partilhar-se o que tem. Se pensarmos assim, conseguiremos organizar a sociedade, os setores e o governo para fomentar ações imediatas e, outras, duradouras, como políticas públicas eficazes de combate à pobreza” defende Beatriz.

MM2032 convoca sociedade e lideranças

Atento ao contexto do avanço da fome em Minas Gerais, o Movimento Minas 2032 – Pela transformação Global, criado pelo DIÁRIO DO COMÉRCIO para fomentar ações efetivas que rumam à consolidação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), instituídos pela ONU em 2015 para a Agenda 2030, convoca toda a sociedade, empresários, governo para ampliar a atuação de combate à fome entre os mineiros.

“É inadmissível que um estado próspero como Minas Gerais tenha mais da metade da população passando por algum tipo de insegurança alimentar. Constatar que mais de 1,7 milhão de mineiros passam fome deve incitar uma ação eficaz e imediata. Por isso, o Movimento Minas 2032 aderiu ao Pacto pelos 15% com Fome, do Ação Cidadania, fundado por Betinho. Como parceiro dessa luta, o DC convoca cidadãos, empresários dos diversos setores e governos municipais e estaduais a colaborarem com a campanha no Estado. E, ainda, participar efetivamente de outras ações promovidas pelo MM2032”, explica a presidente e diretora editorial do DC, Adriana Muls.

Para Rodarte, uma coalizão contra a fome é o único caminho para o desenvolvimento efetivo de Minas Gerais. O economista aprofunda que as iniciativas isoladas são proveitosas e servem para fortalecer pontos específicos. Mas não seguram a estrutura macroeconômica. Rodarte reforça que toda iniciativa para reduzir a fome deve ser valorizada porque se trata de salvar vidas. Porém, no que se refere à eficácia do problema é preciso estabelecer marcadores sociais e comprimir os investimentos por meio de políticas públicas na assistência social, educação e saúde.

O economista completa: “Para tentar viabilizar uma retomada econômica duradoura e capaz de promover o desenvolvimento global das nações é preciso reduzir a fome a níveis baixíssimos urgentemente. A segurança alimentar favorece a estabilidade econômica porque é um primeiro passo para se escapar de uma das principais armadilhas que entravam as economias, que é a aberração da desigualdade social. Urge uma mobilização social generalizada para o retorno do (programa) Fome Zero e reforço do programa de Renda Mínima”.

Colabore

O Pacto pelos 15% com Fome é uma campanha nacional de combate à fome, realizada pelo Ação da Cidadania, criado por Herbert de Souza, o Betinho.

A ideia é que todos os brasileiros possam doar para os 15% dos brasileiros mais pobres do País. Sejam 15 centavos, 15 reais, 15 segundos, minutos ou porcentagem de vendas. Assim, é possível arrecadar recursos e promover a educação social ampliando as possibilidades de colaborações e parcerias.

A contribuição pode ser realizada através da doação específica nos canais de captação on-line, divulgação das ações nas redes sociais e voluntariado. A página https://15por15.org disponibiliza três formas de ajudar no combate à fome.

Doação – em recursos financeiros

– Divulgação – no compartilhamento direto ou indireto dos materiais

– Voluntariadocadastro de interessados em atuar como voluntários

Empresas, grupos de comunicação e publicidade, e organizações da sociedade civil que queiram fazer parte do Pacto pelos 15% com Fome, devem enviar um e-mail para [email protected].

Interessados em atuar em outras ações combate à fome em Minas Gerais enviar um e-mail para [email protected].

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