Greenwashing provoca “mancha moral”

A preocupação dos consumidores e investidores com as práticas de responsabilidade socioambiental por parte das empresas tem crescido nos últimos anos, colocando companhias e setores inteiros sob aviso. Cada vez mais há menos espaço para quem insiste em desconhecer a sigla ESG (do inglês, Environmental, Social and Governance ou Ambiental, Social e Governança, em português).
Uma prática tão deletéria quanto a ignorância proposital sobre o tema é a tentativa de enganar o público com um “discurso verde”, que não condiz com as práticas da empresa. Batizado como greenwashing (lavagem verde), a ação tenta se valer de uma comunicação falsa de ações e resultados embalada como responsabilidade corporativa.
Em junho de 2019, a Nielsen divulgou um estudo demonstrando que 42% dos consumidores brasileiros estavam mudando seus hábitos de consumo para reduzir seu impacto ambiental e 30% dos entrevistados estão atentos aos ingredientes que compõem os produtos.
Já um levantamento sobre consumo consciente feito desde 2015 pelo SPC Brasil e pelo Meu Bolso Feliz, mostrou que, em 2018, 71% dos consumidores davam preferência a produtos de marcas comprometidas com ações ambientais e sociais e 56% chegavam a desistir da compra se a empresa adotasse práticas nocivas ao meio ambiente.
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E, embora muitos apostassem que a tragédia sanitária e econômica deflagrada pela Covid-19, a partir de março de 2020, pudesse arrefecer os ânimos, estudos apontam que a pauta social e, especialmente, a ambiental tomaram ainda mais força nos últimos dois anos.
No fim do ano passado, a consultoria Walk The Talk, by La Maison criou a primeira edição do Índice GPS (Global Positiosing on Sustainability), para avaliar a percepção dos brasileiros sobre o que eles encaram como importante para ações sustentáveis por parte das empresas.
Segundo o estudo, 94% das pessoas acreditam que as empresas precisam fazer algo em prol do planeta e dos seres humanos e 47% delas também pensam que as marcas podem contribuir de forma positiva com seus recursos contra os problemas enfrentados. Ao mesmo tempo, porém, 31% dos brasileiros também acreditam que não existem corporações ativistas no País.
Uma pesquisa global realizada pela consultoria KPMG também revela que o consumidor brasileiro se preocupa com os aspectos socioambientais e de governança das empresas na hora de decidir por uma compra. E mais: o brasileiro é mais preocupado com o ESG que cidadãos de outros países.
Para 25% dos entrevistados em 12 países, ao menos um fator ESG é importante e 16% consideram relevante o aspecto de consciência social das marcas. É nesse grupo que os brasileiros se destacam. Entre 2019 e 2020, aumentou em 9% a presença de brasileiros entre os mais preocupados com os aspectos socioambientais das empresas. O índice é o maior entre todos os países pesquisados. Apenas na China o pErcentual também cresceu: 8%.
Papel da sociedade
A pressão, porém, ainda não se mostrou suficiente. A pesquisa “Visão do Mercado Brasileiro sobre os Aspectos ESG”, realizada pela Bravo Research, mostrou que, apesar de ser um tema em alta, empresas ainda estão compreendendo sua relevância e seu impacto. Mais de 90% dos líderes e gestores entrevistados afirmaram que as boas práticas de sustentabilidade podem trazer ganhos, no entanto, 54% ainda não possuem uma área dedicada ao ESG em suas empresas e 63% não souberam quantificar quanto pretendem investir nisso. Ainda assim, 65% afirmaram pretender criar essa área nos próximos dois anos.
Para a professora de Marketing da Fundação Dom Cabral (FDC), Luciana Faluba, apostar em um discurso capaz de enganar o público é um verdadeiro “tiro no pé” das empresas. Em que pese o estrago feito pelas fake news, o público está cada vez mais atento e buscando checar as informações.
“Fazer greenwashing é sem dúvida um grande erro. Estamos em um contexto de uma crise de confiança nas nossas instituições e elas precisam se posicionar. Quando a marca é admirada, o consumidor tem uma série de expectativas que não podem ser rompidas. O discurso tem que estar alinhado à prática. O risco dessas empresas serem ‘descobertas’ é muito grande. Falando da questão ambiental, temos um consumidor cada vez mais informado, mas não tão informado sobre determinados assuntos. A recomendação para essas empresas é começar a trabalhar o processo de educação do consumidor. É dar luz ao processo”, explica Luciana Faluba.
A preocupação com o greenwashing já chegou ao Legislativo Federal. O deputado federal David Miranda (PDT/RJ) propôs, em junho de 2021, o Projeto de Lei 2.041, que proíbe empresas com processos judiciais, administrativos ou arbitrais por desrespeito às leis ambientais de veicularem publicidade na qual promovam uma imagem positiva como ambientalmente engajadas.
Na justificativa, o parlamentar alerta para a possibilidade de vermos empresas adotando o greenwashing para “surfar” a onda ESG. “Com o projeto, objetivamos reduzir e, quem sabe, eliminar a disseminação de discursos enganosos capazes de afetar hábitos de compra e alocação de capital em desacordo com os princípios de desenvolvimento sustentável”, destaca o documento.
O estudo “Desafios do ESG para a reputação das empresas”, proposta pela Percepta Marketing e Comportamento e realizada pela Somatório Inteligência Direcionada sobre o tratamento dado pelas empresas aos temas meio ambiente, questões sociais e governança corporativa, mostra que a pauta ganha investimento e atenção nas organizações. Mas nem sempre com clara compreensão, convicção ou aprofundamento em relação aos conceitos e valores ESG.
Um dos destaques do estudo é a participação do assunto entre as postagens corporativas, 25% do total, o que demonstra o interesse das empresas em se mostrarem aderentes aos conceitos de ESG. Outro é o nível de engajamento por tema da pauta ESG. O tema Ambiental responde por 47% das reações, seguido por social (32%) e governança (21%).
Em entrevistas em profundidade realizadas com 45 executivos, 79% reportam aumento na alocação de recursos em ESG em 2021 e 71% assumem que assuntos de ESG e reputação tiveram alto impacto em suas empresas no último ano. Entre os responsáveis pelo tema, 37% fazem parte do C-Level e 43% são gerentes.
Para o sócio da Percepta, Victor Olszenski, existem, a grosso modo, três estratos de sensibilização entre as empresas para o ESG: as que estão fazendo tudo direito porque pensam na qualidade de vida sobre o planeta. Os que estão despertando, pressionados pela sociedade. E os que não entenderam e acham que tudo isso é assunto do departamento de marketing e, no máximo, se movem para cumprir a legislação.
“Existem os que fazem porque assumiram a causa como justa, os que estão pressionados e querem ‘fazer alguma coisa porque eu preciso mostrar’ e aqueles que delegam as iniciativas ao marketing. A mudança efetiva começa de dentro. A direção precisa dar exemplo. Tem um fenômeno em que as empresas, especialmente as grandes, começam a empurrar isso para trás. Eles impõem aos fornecedores as mesmas práticas. É o conceito de corresponsabilidade. O mais importante é conscientizar e orientar o empresário, o acionista e também o colaborador”, afirma Olszenski.
“O outro jeito é contar com a fiscalização ampliada. A parte boa da história é que com todo esse movimento de compliance não vai mais caber o desalinhamento. Cada escolha vai impactar juridicamente e também nos investimentos. Três fatores são determinantes nessa jornada: pressão da sociedade, grupos de referência e acesso à informação. A nova geração tem uma boa responsabilidade no avanço dessa mentalidade. Eles inundam as redes sociais com essas questões”, pontua a professora da FDC.
E o que vale para a responsabilidade ambiental, também vale para a responsabilidade social e a governança.
“Atrás do social, o que se fala menos são as ações de governança. Isso é preocupante porque a governança é que garante a transparência e verificação das ações. Depois do greenwashing, devemos ter algo como um ‘informationwashing’, no sentido de retirar a falta de transparência. Não temos muitas opções do ponto de vista empresarial para continuar tocando os nossos negócios. O lucro precisa ser transformado em algo não apenas financeiro, mas que seja compartilhado com a sociedade. Vamos passar por uma revolução semelhante ao que aconteceu em relação à qualidade e às normas ISO. Vamos trabalhar por uma sociedade que cobre por comprovações honestas e que colaborem com o coletivo. O grande trabalho das consultorias e especialistas em comunicação será levar dados e informações com uma linguagem compreensível pela população”, completa o sócio da Percepta.
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