Inclusão racial e social: o papel das empresas no desenvolvimento sustentável em Minas Gerais
Quanto uma empresa pode mudar seu entorno? Quanto os negócios podem participar da construção de uma sociedade mais justa e igualitária? A resposta para as duas perguntas é: muito. Desde setembro, quando houve o lançamento da proposta do ODS 18 – Igualdade Étnico-Racial em Minas Gerais, empresas que atuam no Estado vêm demonstrando que o compromisso com uma sociedade mais justa também parte do esforço interno de cada setor, ainda que existam muitos desafios.
Integrado à Agenda 2030, o objetivo estabelece metas para enfrentar o racismo estrutural e ampliar a representatividade de povos indígenas e afrodescendentes em instâncias de decisão e no quadro de pessoal de empresas públicas e privadas, alinhado aos ODS 5 (Igualdade de Gênero) e ODS 10 (Redução das Desigualdades). Foi diante desse cenário que Minas Gerais, onde políticas de ESG convivem com desafios históricos de desigualdade, se tornou palco de iniciativas que reúnem empresas, instituições e comunidades em rede.
A mudança de posicionamento é urgente, e dados demonstram a desigualdade presente na sociedade brasileira. Segundo o mapeamento de 2023 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a hora trabalhada de uma pessoa branca vale 67,7% mais que a de trabalhadores pretos e pardos. Enquanto brancos recebem R$ 23 por hora, negros recebem R$ 13,70. A disparidade permanece mesmo entre trabalhadores com ensino superior completo: nesse espectro, a hora média vale R$ 40,24 para pessoas brancas e R$ 28,11 para pessoas negras.
Setor privado tem se movimentado
Nesse contexto, a rede de supermercados Verdemar, que possui iniciativas voltadas para inclusão, avalia que o compromisso com o desenvolvimento sustentável depende da combinação entre gestão ambiental e equidade social. Para o superintendente de Recursos Humanos, Leandro Souza de Pinho, inclusão é uma responsabilidade empresarial. “Nosso papel é ser um agente ativo de inclusão, criando caminhos para que pessoas de diferentes origens, raças e realidades possam se desenvolver, trabalhar e crescer conosco”.
Segundo ele, o impacto social da empresa é medido pelo alcance das ações em formação profissional, retorno ao trabalho e geração de renda. “Acreditamos que uma cidade mais justa se constrói quando empresas assumem seu papel como parte viva da comunidade, promovendo inclusão, educação e oportunidades que transformam realidades de forma duradoura”.
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A operação é sustentada por parcerias com mais de 118 instituições comunitárias e públicas, mutirões de contratação em regiões de menor acesso ao emprego formal e integração de imigrantes e refugiados no mercado de trabalho por meio do programa Verdemar Sem Fronteiras, desenvolvido com o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR). A empresa também mantém projetos voltados à inclusão de pessoas com transtornos mentais, em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego e com a Prefeitura de Belo Horizonte.
A mudança presente no aço e no minério de ferro
No ambiente empresarial mineiro, algumas companhias têm avançado de forma mais visível na agenda de diversidade. Belgo Arames, Vale e Samarco são exemplos de organizações que estruturaram metas, ampliaram programas internos e começaram a alterar o perfil das lideranças.
Outro exemplo positivo no território mineiro se encontra no setor de aço, com a Belgo Arames, signatária do Pacto de Promoção da Equidade Racial. A empresa registrou avanço na presença de profissionais negros em cargos de liderança, de 23,8% em outubro de 2024 para 29,1% em outubro de 2025.
Mesmo com esse progresso, a gerente de Gente, Cultura e Engajamento, Caroline Lemos, destaca que o movimento depende de uma articulação coletiva. “Faz parte da nossa responsabilidade social participar ativamente desse movimento por equidade racial. Quando avançamos internamente, também contribuímos para um mercado de trabalho mais diverso e para uma sociedade mais justa.”
No setor da mineração, a Vale adotou metas para ampliar a presença de profissionais negros e mulheres em cargos de liderança e lançou um programa de desenvolvimento de carreira exclusivo para empregados autodeclarados pretos e pardos. A mineradora estabeleceu meta de alcançar 40% de pessoas negras na liderança sênior até 2026 e atualmente registra mais de 38%. A companhia também dobrou a representatividade feminina, de 13% para 26%, e ampliou ações afirmativas, licença parental estendida e programas de letramento e formação interna. Empresas do setor produtivo articulam participação em redes nacionais de enfrentamento ao racismo, como o Movimento pela Equidade Racial e o Pacto de Promoção da Equidade Racial.
Na Samarco, o tema da igualdade racial e de gênero ganhou força com a criação da Diretoria de Sustentabilidade, liderada por Rosane Santos, executiva negra com trajetória em governança e impacto social. Para ela, enfrentar o racismo estrutural depende da atuação direta das organizações. “Ainda que constituamos mais da metade da população, somos poucos nas organizações e em posição de liderança, apenas 8%. Isso mostra o tamanho do racismo que ainda existe no Brasil. A ausência de negros em cargos de liderança não é uma questão de competência, mas de oportunidades.”
À frente da área, Rosane Santos defende uma gestão sustentada pela escuta e pela reconstrução de confiança social. A Samarco lançou seu Programa de Diversidade, Equidade e Inclusão em 2022, focado em grupos minorizados, articulando inclusão com reparação de danos e desenvolvimento territorial.
Segundo o relatório da empresa, o quadro interno revela que dos 2.767 empregados, 55,8% se autodeclaram negros. Em cargos de liderança, 34,5% das posições são ocupadas por pessoas negras.
Caminho coletivo para o desenvolvimento sustentável
O avanço da agenda ESG em Minas Gerais mostra que a transformação social depende do encadeamento entre políticas públicas, investimentos privados, participação comunitária, metas mensuráveis e transparência. A construção de cidades mais justas exige ações permanentes como combate ao racismo institucional, ampliação de oportunidades de trabalho e renda, participação social em decisões de impacto coletivo e fortalecimento de programas que conectem empresa e território. O movimento dessas empresas indica que, apesar dos obstáculos mapeados por especialistas, há caminhos concretos para transformar metas em resultados. As experiências mostram que mudanças significativas acontecem quando decisões estratégicas se combinam com continuidade e investimento.
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