Negócios

300 dias de pandemia fomentam novo normal

Para se adaptar ao cenário imposto pela Covid, adesão ao e-commerce e EAD, revalorização das ciências e do comércio local
300 dias de pandemia fomentam novo normal
Crédito: REUTERS/Ricardo Moraes

Hoje, 5 de janeiro, completamos 300 dias que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o mundo vivia uma pandemia causada por uma nova variante da família dos coronavírus. São quase 2 milhões de vidas perdidas ao redor do mundo. A doença misteriosa que atacava o aparelho respiratório havia surgido na China em dezembro de 2019 e avançava sobre a Europa de maneira devastadora. A calamidade sanitária destruía também a economia de todos os países afetados.

Do outro lado do Atlântico, o Brasil tinha algum tempo para se preparar. A ideia de que o clima quente do País pudesse, de alguma forma, impedir o avanço da doença era alentadora. Nossos governantes se agarravam à esperança de uma quarentena breve e que, se a queda era inevitável, a volta seria em grande estilo, o tão falado retorno em “V”.

A Covid-19 não é democrática porque não atinge ricos e pobres, centrais e periféricos, europeus, asiáticos, latinos e africanos da mesma forma. Mas a dor, sim, é humana e imensurável. O certo é que os sobreviventes – pessoas e negócios – da maior crise mundial dos últimos 100 anos, têm muitas histórias para contar: desmaterialização das relações e do consumo, e-commerce como solução, revalorização das ciências e do comércio local, eleições municipais e desencontro entre as políticas de combate à pandemia no Brasil, enxurrada de notícias falsas, eleições nos Estados Unidos, vacinação iniciada em vários países. Tudo passou em um piscar de olhos e ainda não acabou.

Em abril, o DIÁRIO DO COMÉRCIO produziu uma matéria especial que a capa chamava “Crise do Covid-19 muda modelo de produção”. No caderno de Negócios a manchete era: “Pós-pandemia, especialistas defendem um ‘novo normal”. Daquele especial surgiu uma série que, para nós, deveria ter quatro ou seis edições. Essa é a 27ª. Tratamos dos mais diferentes setores, de logística a usados; modelos de negócios como franquias e shopping centers; temas transversais como sustentabilidade e inovação. Jamais imaginamos que falaríamos de tantos assuntos e ainda haveria tanto a ser dito na primeira semana de 2021.

O mundo e a economia mudaram. Desejamos que a vacinação alcance logo a todos e que possamos reconstruir vidas, empresas e nações com respeito e solidariedade. E, por isso, fomos atrás de especialistas para nos ajudar a entender e preparar o melhor novo normal que pudermos para 2021!

“Impactos econômicos vão perdurar”

Refazer contas é a sina de todo economista. E, para aqueles que não desistiram, projetar 2021 é ter essa tarefa repetida exaustivamente. Em abril, o Banco Mundial cravava uma grave recessão para o mundo no próximo ano. A previsão era de uma diminuição no Produto Interno Bruto (PIB) mundial de 3%. Para a América Latina e Caribe (excetuando a Venezuela), um resultado ainda pior, -4,3%. E, para o Brasil, que já enfrentava uma grave e resistente crise econômica desde meados de 2014, a previsão era sombria: retrocesso de 5% no PIB em relação a 2019.

Paulo Vicente | Crédito: Divulgação/Fundação Dom Cabral
Paulo Vicente | Crédito: Divulgação/Fundação Dom Cabral

Já em 28 de dezembro, o Boletim Focus, do Banco Central (BC), trazia números para 2020: o ponto-médio das estimativas para a variação do PIB do País permaneceu em -4,4%, vindo de um piso de -6,54% atingido no fim de junho. Já a mediana das projeções do mercado para o crescimento da economia brasileira em 2021 voltou a subir, de 3,46% para 3,49%.

Para o professor da área de Estratégia Pública da Fundação Dom Cabral (FDC), Paulo Vicente, embora a pandemia possa ser controlada no primeiro semestre a partir da vacinação em massa, os impactos econômicos ainda vão perdurar por muito tempo. Mesmo se assumindo como um “otimista cauteloso”, ensina que a análise sobre a recuperação da economia brasileira precisa levar em consideração os cenários interno, internacional e a própria vacinação.

Internacional – As relações entre Estados Unidos e China sob o governo de Joe Biden, e uma possível volta ao multilateralismo pela potência ocidental impactam diretamente as exportações brasileiras. “Trump estava isolando mais os EUA do que a China. Acredito que Biden vai tentar fazer relações multilaterais como defesa, tentando revitalizar a Otan e o Quad (aliança entre Estados Unidos, Índia, Japão e Austrália). Não tem como ignorar a China como Obama fez. O quadro vai mudar e pressionar países como o Brasil sobre a política ambiental. No geral é mais provável que a economia volte a crescer. Internamente o quadro é mais complicado. O governo está em crise fiscal, tem que encolher o Estado, mas isso não é simples de fazer. Ele teve que se aliar ao Centrão, que gosta de gastos públicos. Com cenário externo bom e interno ruim, o Brasil anda de lado. O inverso é um cenário pouco provável. O cenário mais provável é lá fora melhorar e aqui andar de lado”, avalia Vicente.

Ao mesmo tempo, a 14ª edição do Índice de Confiança Robert Half (ICRH), publicada no início de dezembro, aponta que todas as categorias de profissionais entrevistados para a composição do estudo – empregados, desempregados e recrutadores – se mantiveram no campo do otimismo, ou seja, acima dos 50 pontos, quando consideram o cenário do mercado de trabalho nos próximos seis meses, com leve variação de 52,9 para 51,7, na comparação entre agosto e novembro. Com relação ao momento atual, pouco a pouco, a média geral demonstra um aumento da confiança: 25,2 em maio; 30,2 em agosto; e 32,5 em novembro.

De acordo com o especialista em Recrutamento da Robert Half, Alexandre Mendonça, a falta de informações seguras no início da pandemia fez com que o Índice de Confiança chegasse aos menores patamares. Ao perceber que estratégias como o home office e o e-commerce podiam dar certo, inclusive, em empresas que até então não eram digitalizadas, empresários, recrutadores e trabalhadores voltaram a se animar.

“A evolução nas contratações melhora o índice de confiança nas empresas. Em 2021 acho pouco provável um modelo 100% presencial. Vamos ter o home office mais frequente, gerando modelos híbridos. As empresas entenderam que os profissionais vão continuar as entregas com qualidade. As palavras do novo normal são: híbrido e flexibilidade”, afirma Mendonça.

Reindustrialização – O episódio de aviões carregados de insumos hospitalares literalmente sequestrados em aeroportos da Europa e dos EUA nos primeiros meses da pandemia acendeu o alerta para a necessidade de reindustrialização dos países. A política de transferência das cadeias produtivas para a Ásia, especialmente a China, se mostrou desastrosa na hora em que máscaras, luvas e respiradores se tornaram imprescindíveis e necessários em larga escala.

“Estamos perdendo a oportunidade, por enquanto, mas isso pode mudar. Os países desenvolvidos vão trazer a produção mais para perto. O México é o maior beneficiário nessa história e nosso principal concorrente. O fundamental é não bater de frente com os EUA. A tarefa do Itamaraty é essencial, conversando com todo mundo. O governo vai tentar estender as políticas compensatórias para a economia poder andar de novo. Isso vai forçá-lo a emitir dívidas. Devemos apostar na burocracia profissional. É ela que estabiliza a democracia e a manutenção das políticas de estado”, pontua o professor da FDC. (DM)

INSIGHTS

3 de setembro: Consumidor

Crédito: Diário do Comércio
Crédito: Diário do Comércio

“O que fica de mais importante é a digitalização e, com ela, a infinidade de opções à disposição do consumidor. Eu não sei se ‘empoderado’ é a palavra certa para o consumidor que surge no pós-pandemia porque esse era um caminho que já estava traçado, porém é um consumidor com mais domínio das ferramentas pela própria digitalização dele e dos negócios. As pessoas querem um atendimento que seja digital, porém humanizado. Ninguém quer ter a sensação que está conversando com uma máquina, ainda que saiba que está. Quero um atendimento com personalidade, que seja cada vez mais exclusivo, algo que faça sentido para mim. A empresa deve tentar construir uma relação que chegue ao nível emocional com o consumidor”, Augusto Puliti, sócio da área de Customer Experience da KPMG.

18 de junho: Sustentabilidade

Crédito: Diário do Comércio
Crédito: Diário do Comércio

“As empresas começaram a, de fato, se preocupar com as práticas responsáveis e a governança como estratégia de negócio. Isso deve fazer parte da estratégia da empresa, nos conselhos e na alta gestão. A Covid-19 veio para intensificar essas questões. Tem empresas que se posicionaram de forma dúbia e isso teve uma repercussão negativa. E outras que se sensibilizaram e intensificaram suas ações sociais, colhem uma boa avaliação da sociedade. Tudo isso aponta para um futuro em que não vai dar mais para fazer negócios pensando apenas no lucro. O perfil do consumidor mudou muito. Ele se preocupa com essas questões. Isso também vale para outros públicos, como os funcionários, que querem trabalhar em empresas responsáveis e, especialmente, os investidores, que escolhem criteriosamente onde por seu dinheiro”, Eliete Martins, sócia de consultoria em ESG da KPMG.

27 de agosto: Agro

Crédito: Diário do Comércio
Crédito: Diário do Comércio

“O Brasil não perde nada em agritechs para o resto do mundo. O agricultor tem se profissionalizado muito. Sou muito otimista porque temos muito a atuar no processo produtivo para aumentar o lucro com a aplicação de dados. O brasileiro é extremamente criativo e as startups se viram, se não tem 4G a gente faz redes de baixa latência. Lá fora eles estão acostumados com tecnologia. Isso nos habilita a competir internacionalmente. Não é à toa que os chineses estão comprando empresas no Brasil”, Antônio Carlos Junior, diretor-executivo da Sensix.

9 de julho: Bancos

Crédito: Diário do Comércio
Crédito: Diário do Comércio

“A questão da sustentabilidade, em suas várias dimensões, será uma variável cada vez mais importante na tomada de decisão dos bancos na concessão de crédito e na alocação dos seus investimentos. E, por fim, mas não menos importante, eu, pessoalmente, acho que as questões de educação financeira e de inclusão bancária terão papel crescente em nossa sociedade nos próximos anos. Quando vejo todo este esforço admirável que o governo vem fazendo para implementar os programas sociais, penso como teria sido muito mais simples se todas estas pessoas já estivessem bancarizadas. Esta é uma tarefa de todos nós, bancos privados, públicos e os reguladores. Todos nós e principalmente o País, temos muito a ganhar com esta agenda positiva de educação financeira e de bancarização”, Isaac Sidney, presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban).

21 de maio: Educação

Crédito: Diário do Comércio

“Não podemos permitir que um recurso seja usado nas brechas de um certo imediatismo sem levar em conta a responsabilidade social. As necessidades de alunos e professores não serão supridas pelo uso exclusivo da tecnologia. Como não temos a cultura de formar professores para trabalhar as tecnologias digitais, acabamos confundindo as coisas. Tem gente entendendo que educação a distância é filmar aula e colocar na internet. Existe metodologia própria para isso. O novo normal vai demandar que tenhamos turmas em que os estudantes mantenham uma distância segura, estejam em rodízio nas escolas, com dias e horários alternados, que os professores sejam formados para isso. Vamos precisar de mais condições físicas, pedagógicas e psicológicas. É um novo jeito de fazer. Vamos precisar pensar na educação como pilar do desenvolvimento, falando na perspectiva coletiva e do País”, Analise da Silva, professora-associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG).

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