Acesso ao crédito ainda limita empreendedoras em Minas Gerais
Apesar de representarem uma parcela crescente dos pequenos negócios em Minas Gerais, as mulheres ainda enfrentam obstáculos significativos quando buscam crédito para empreender, desde juros mais altos até negativas sem explicação. Estudos do Sebrae Minas e dados do Banco Central mostram que a dificuldade de acesso ao financiamento é generalizada, alimentada por fatores estruturais como desigualdade salarial, barreiras culturais e histórico de crédito limitado. Mesmo assim, casos como os da Delícias do Trigo e da Fusilli revelam que, quando encontram orientação e garantias, as empreendedoras conseguem romper essas barreiras e transformar seus projetos em negócios sustentáveis.
Seja empreendendo por necessidade ou por oportunidade, raro é o empreendedor que não precisa de crédito para começar o negócio, e consegui-lo nem sempre é fácil. No caso das mulheres, a dificuldade para conseguir um financiamento é ainda pior. Não bastasse a informalidade, que praticamente exclui boa parte delas do acesso ao sistema financeiro, aquelas que chegam às mesas dos gerentes enfrentam barreiras que se traduzem em juros mais altos ou simples negativas sem qualquer justificativa.
Minas Gerais tem 967 mil negócios sob liderança feminina
Segundo o estudo Relacionamento Bancário das MPEs Mineiras 2025, realizado pelo Sebrae Minas, entre as empreendedoras mineiras que afirmaram ter buscado crédito, 36% enfrentaram alguma dificuldade e 45% não conseguiram o total de recursos.
Em Minas Gerais, mais de 40% dos pequenos negócios são liderados por mulheres, conforme aponta levantamento realizado pelo Sebrae Minas com base em dados da Receita Federal. Do total de 2,4 milhões de pequenos negócios ativos no Estado, cerca de 967 mil contam com uma mulher no comando.
Na análise por segmento econômico, o setor de Serviços lidera com mais de 580 mil empresas comandadas por mulheres, seguido pelo Comércio, que reúne cerca de 274 mil empreendimentos sob liderança feminina. Juntos, os dois setores respondem por 80% das donas de negócios no Estado.
Outra pesquisa realizada pelo Sebrae Minas, Mulheres Empreendedoras 2025, revela que 41%das mulheres apontam o acesso ao financiamento como um dos principais desafios enfrentados ao iniciar um negócio. Outro dado que chama atenção é que 92%das empreendedoras financiam seus empreendimentos com recursos próprios, e apenas 40% tentaram obter crédito, sendo que 29% enfrentaram dificuldades como excesso de garantias e falta de informação sobre linhas de financiamento.
Dados do Banco Central divulgados no ano passado mostram que as mulheres pagam mais juros que os homens ao solicitarem financiamento para o próprio negócio. A taxa média de juros foi de 36,8% ao ano; já para o público feminino foi de 40,6%. Entre as causas, especialistas apontam especialmente:
- Desigualdade salarial e de renda: mulheres continuam ganhando menos, mesmo em funções semelhantes, o que impacta sua renda disponível e capacidade de pagamento, levando as instituições financeiras a considerá-las de maior risco.
- Barreiras históricas e culturais: ao longo do tempo, a gestão financeira foi vista como um papel masculino. Em muitas mulheres, essa herança cultural gera insegurança e ansiedade em relação a finanças complexas. Isso pode inclusive afetar o viés de funcionários e algoritmos responsáveis pela análise de pedidos.
- Histórico de crédito enviesado: a falta de acesso ao crédito no passado para as mulheres criou um círculo vicioso. Com menos histórico de operações financeiras, o sistema de crédito as percebe como mais arriscadas, o que leva a taxas de juros mais altas e menor aprovação.
Por isso, de acordo com a analista do Sebrae Minas, Débora de Souza, é necessário não só desburocratizar o financiamento para as mulheres, mas também promover um letramento sobre o uso do crédito para abrir e levar adiante um negócio.

“Precisamos simplificar processos burocráticos e ampliar o acesso ao crédito, especialmente por meio de iniciativas como o Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe), iniciativa do Sebrae que oferece uma linha especial para mulheres. Acessar crédito é importante, mas não é suficiente. É essencial orientar como buscar as melhores linhas, entender custos, prazos e condições, e como aplicar esses recursos de forma estratégica no negócio”, explica Débora de Souza.
Com apoio do Sebrae, Delícias do Trigo cresce e amplia equipe no Sul de Minas
Para a fundadora da padaria Delícias do Trigo, Jéssica Aparecida de Souza, o financiamento era fundamental para expandir o negócio da família. O empreendimento fica em São Bento Abade, no Sul de Minas. Foi ao buscar ajuda em um banco que tinha agência na cidade que ela ouviu falar pela primeira vez do Fundo do Sebrae.

“Eu só queria transformar o meu sonho em realidade e fui orientada a fazer o Fampe, mas eu não sabia nem o que era. Foi quando o Sebrae fez uma visita à padaria que aprendi sobre as vantagens do programa e sobre o que eu precisava melhorar na gestão. Além do financiamento, essa orientação é fundamental para as mulheres empreendedoras”, destaca Jéssica Aparecida de Souza.
O talento e amor pelas quitandas herdados da avó e da mãe se multiplicaram em um negócio que agregou valor, traçou estratégias e segue vencendo a desigualdade de gênero para continuar crescendo. A Delícias do Trigo passou de três para sete funcionárias e planeja contratar mais no próximo ano.
“A desigualdade de gênero é muito grande. Quando procuramos um banco na cidade, fomos tratadas com pouco caso pelo gerente. Era perceptível a má vontade. Fomos desqualificadas por sermos mulheres. No outro banco, foi mais fácil, por ser uma gerente mulher. Isso faz muita diferença, porque todo mundo, homem ou mulher, precisa ter os sonhos acolhidos”, avalia.
Da negativa ao crédito: a trajetória da farmacêutica por trás da Fusilli
Em Belo Horizonte, a farmacêutica Marina Ulhôa sentiu na pele a “negativa prévia” de diferentes instituições financeiras. Cofundadora e diretora técnica da Fusilli, salão e cosméticos especializados em cabelos cacheados, ela se preparou para empreender junto com o companheiro, e o negócio foi iniciado com recursos próprios.
“Foi com a venda de um imóvel que começamos a empreender, mas para expandir precisávamos de crédito. Por sermos pequenos e termos uma mulher à frente, nem buscamos os grandes bancos, mas mesmo em cooperativas de crédito e bancos virtuais não foi fácil. Claro que ninguém vai falar, mas é perceptível que ser mulher dificulta as coisas. Quando eu estava acompanhada pelo Felipe, meu companheiro, o atendimento era diferente”, relembra Marina Ulhôa.

Foi via Fampe que ela conseguiu o primeiro financiamento que permitiu a expansão do salão. Agora, para lançar a marca própria de cosméticos, ela recorreu pela segunda vez ao Sebrae. Com mais de 25 instituições financeiras conveniadas, o Fundo não empresta dinheiro diretamente, mas oferece a garantia necessária para que os empreendedores tenham acesso a linhas de crédito com mais facilidade.
“Hoje, eu busco ajudar outras mulheres com a minha experiência. Eu empreendi por oportunidade e tinha uma estrutura de conhecimentos e rede de apoio. Para as mulheres que empreendem por necessidade, é ainda mais difícil. Além de dinheiro, as mulheres precisam de mais letramento sobre o mundo financeiro para lidar com a burocracia e fazer a melhor gestão. E é preciso compreensão. Uma negativa injusta não mata só um negócio, mas um sonho”, completa a farmacêutica.
Superar esse cenário exige mais que boa vontade das instituições financeiras. Passa por ampliar programas de garantia, fortalecer o letramento financeiro e criar ambientes onde mulheres tenham acesso igualitário a crédito e informação. À medida que esses instrumentos avançam, cresce também a chance de que mais empreendedoras mineiras transformem o potencial dos seus negócios em resultados concretos, mantendo vivo o ciclo de geração de renda e inovação que já move o Estado.
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