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Afroturismo resgata protagonismo negro em Minas Gerais

Projeto valoriza a herança africana em Ouro Preto e quer transformar a cidade em símbolo global de identidade, memória e justiça histórica
Afroturismo resgata protagonismo negro em Minas Gerais
Mais do que um segmento turístico, o afroturismo busca resgatar e valorizar o papel dos povos africanos na construção da cultura, da história e da base social do Brasil | Foto: Rede Terra/ Divulgação

O turismo diaspórico, ou afroturismo, no País, visa recontar e valorizar a contribuição dos povos africanos na construção da sociedade, da cultura e da história brasileira. O objetivo é, por meio da arquitetura, dos monumentos, das artes, da gastronomia, da economia e de todas as demais manifestações culturais, revelar uma história que sofre com silenciamento e apagamentos e potencializar a cultura afrodescendente, gerando emprego e renda.

Em Ouro Preto, na região Central, o Circuito Ou(T)ro Preto nasce de um coletivo de pesquisadores pretos da cidade. Famosa pelo patrimônio preservado do Período Colonial, a antiga Vila Rica tradicionalmente conta a história de uma “pequena Portugal”, dando pouco espaço para a história dos escravizados e seus descendentes.

Du Evangelista
Du Evangelista | Foto: Milena Gomes

O Circuito Ou(T)ro Preto, fruto de uma parceria entre a Mina du Veloso, a Associação Move Cultura e o Ministério da Cultura, quer transformar a experiência turística em prática de escuta e reconhecimento.

De acordo com o idealizador do Circuito Ou(T)ro Preto, Du Evangelista, as ações são pensadas para impactar positivamente a comunidade local em quatro frentes:

  • Social, ao promover o empoderamento da população negra;
  • Cultural, ao resgatar e valorizar a herança afro-brasileira;
  • Econômica, ao gerar novas oportunidades de trabalho e renda;
  • Ambiental, ao incentivar a conservação consciente dos espaços históricos.

Os africanos trazidos para Ouro Preto eram da região da Nigéria, do Congo, de Gana e dos Camarões, onde eram especialistas em mineração. Muitas famílias negras da cidade, ainda hoje, assinam o sobrenome “Ferreira”, justamente por causa dessa tradição.

“Ouro Preto sempre foi reconhecida pela herança portuguesa, mas ela é uma grande África. Quem movimentou a economia, construiu as casas, as igrejas, foram os povos pretos, e isso nunca foi mostrado com esse viés. Existe um movimento mundial de fortalecimento do turismo diaspórico. Aqui, temos potencial para mostrar nas artes, arquitetura, engenharias, e entendemos que Ouro Preto deveria ser, para os pretos de todo o mundo, o mesmo que Meca significa para os muçulmanos. Assim como Salvador já é, e o Rio de Janeiro está passando a ser. Dentro do projeto, vamos oferecer um curso de formação de guias e capacitação para quem já trabalha com turismo na cidade. Outra ação é a visita orientada para escolas da sede e dos distritos”, explica Evangelista.

A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece a importância de reparar os danos históricos causados pela escravidão e pelo colonialismo, que levaram à discriminação e à exclusão dos povos afrodescendentes. Nesse sentido, uma das ações mais relevantes foi a criação da primeira Década Internacional de Afrodescendentes, entre 2015 e 2024, com o objetivo de reconhecer, promover e proteger os direitos dos povos afrodescendentes em todo o mundo.

Agora, a segunda década, que vai até 2034, tem foco em justiça, desenvolvimento e reconhecimento, para garantir os direitos dos afrodescendentes e combater o racismo. Nesse contexto, o afroturismo e o resgate da história dos povos pretos no País e no mundo ganham força.

“A capacitação permite que façamos um nivelamento e fortalecimento do discurso. E também cobrar movimentos do setor público. Já temos uma agenda com o presidente da Embratur (Empresa Brasileira de Turismo, responsável pela divulgação e promoção do turismo brasileiro no exterior). E vamos participar do maior encontro de afroturismo do mundo, que vai acontecer no Rio de Janeiro, em novembro. Entendemos que esse movimento pode ser replicado em todas as cidades históricas de Minas. Estamos abertos a parcerias e já começamos a conversar com Itabira (região Central)”, pontua o idealizador do Circuito Ou(T)ro Preto.

Afroturismo, em Brumadinho, resgata história de quilombolas

Em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), o projeto Céu de Montanhas, iniciativa que reúne cerca de 40 vivências rurais, gastronômicas, artísticas e de bem-estar disponíveis na região, revela mais uma potente ação de afroturismo: o Circuito dos Quilombos.

O Catálogo Céu de Montanhas é o coração do Projeto de Turismo Rural e de Base Comunitária, parte do Programa de Fomento do Turismo Sustentável em Brumadinho. O projeto é uma iniciativa da Vale, em parceria com o Instituto Terra.

A Rota dos Quilombos tem como objetivo resgatar as tradições e dar visibilidade a essa identidade cultural centenária por meio de uma programação repleta de cultura, música, dança e gastronomia. Certificados pela Fundação Palmares, os quilombos de Brumadinho são um convite para quem deseja vivenciar uma experiência autêntica, por meio da religiosidade, dos cânticos, dos artesanatos e dos sabores únicos. O circuito é formado por quatro quilombos: Sapé, Rodrigues, Ribeirão e Marinhos.

Segundo a analista de sustentabilidade da Vale, Daniele Teixeira, os turistas podem escolher uma ou mais vivências para visitar. Os espaços comportam um número calculado de pessoas, para que todos possam aproveitar as apresentações culturais, conhecer o patrimônio – especialmente as igrejas de cada povoado – e se deliciar com as quitandas e o farto almoço oferecido em Ribeirão, sem alterar o modo de vida das comunidades.

“Esse é um trabalho muito delicado, em parceria com as comunidades, pelo qual conseguimos resgatar tradições, organizar os espaços e orientá-los para receber os turistas. O objetivo é que os moradores ganhem autonomia e se apropriem de todo o processo. No ano passado, fizemos a primeira edição do circuito com as quatro vivências, e eles tiveram muitos receios. Neste ano, fizemos a segunda, e eles praticamente organizaram tudo sozinhos. Aqui, o afroturismo tem a missão de não só gerar emprego e renda, como também promover pertencimento, resgatar a história e fortalecer a autoestima das comunidades”, afirma Daniele Teixeira.

Minas sempre reuniu uma grande população escravizada, desde o Período Colonial até a abolição. Em 1767, a Capitania contava com 126.603 escravizados, o que correspondia a 60,7% da população total. Embora o percentual tenha caído para 35,4% em 1821, o contingente cativo continuou sendo a principal força de trabalho da economia mineira. Em 1819, havia na província 168.543 escravizados, 15,2% da população escravizada do Brasil. Em 1872, essa porcentagem cresceu para 24,7%. Assim, o Estado foi, até o final do século XIX, o maior detentor de escravizados do País.

Hoje, de acordo com o Censo 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população autodeclarada negra (pretos e pardos) é majoritária, representando cerca de 55% da população total do Estado. A população parda é a maior, com 46,8%, seguida pela preta, que representa 11,8%.

Quilombolas de Brumadinho
Com artesanato, cantos, rezas e quitandas, quilombolas de Brumadinho recebem visitantes em vivência que celebra a herança afro-brasileira | Foto: Rede Terra/ Divulgação

Esse contingente de afrodescendentes e as experiências já desenvolvidas demonstram que o afroturismo pode ser um catalisador de desenvolvimento socioeconômico em diferentes regiões do Estado, resgatando histórias e valores.

Para fomentar projetos de afroturismo, o Ministério do Turismo, sob coordenação do Ministério da Igualdade Racial, e em parceria com os ministérios da Cultura (MinC), do Trabalho e Emprego (MTE) e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), instituiu, em novembro de 2024, o Programa Rotas Negras. A iniciativa tem como finalidade impulsionar o afroturismo no País, promover o desenvolvimento sustentável das comunidades negras e valorizar a história e a cultura afro-brasileira nos cenários nacional e internacional.

Entre os objetivos do Programa Rotas Negras:

  • Fomentar o desenvolvimento do afroturismo;
  • Promover roteiros turísticos que valorizem a ancestralidade africana, afro-diaspórica e afro-brasileira, em espaços urbanos e rurais que mantêm viva a cultura negra;
  • Impulsionar a geração de oportunidades de inclusão e protagonismo socioeconômico para as populações negras, priorizando a economia criativa, circular e sustentável;
  • Fortalecer os destinos turísticos afro-brasileiros do Mapa do Turismo Brasileiro.

O documento permite acessar uma análise de como as políticas públicas voltadas para o afroturismo têm sido implementadas no País, nos âmbitos federal, estadual e municipal, bem como as parcerias com a sociedade civil e iniciativas privadas.

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