Das águas ao queijo: Serra da Canastra se prepara para ser um atrativo turístico mundial
“As vastas terras” descritas pelo naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, no século XIX, dizem pouco sobre a Serra da Canastra. Na região Sudoeste de Minas, cujo contorno lembra a figura de um baú, a Serra guarda preciosidades como a Nascente Histórica do Rio São Francisco, a Cachoeira Casca D’anta, e uma infinidade de queijarias responsáveis por produzir um produto elevado a Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2024, entre outros tesouros.
Entre vários dedinhos de prosa, mais um “pedacim” do melhor queijo do mundo e um cenário natural deslumbrante, a Serra da Canastra busca na originalidade mineira os atributos para se tornar o desejo de turistas do mundo inteiro.
São 20 municípios que formam a Instância de Governança Regional Nascentes das Gerais e Canastra (Associação Circuito Turístico Nascentes das Gerais e Canastra): Alpinópolis, Araxá, Capitólio, Carmo do Rio Claro, Cássia, Claraval, Delfinópolis, Guapé, Ibiraci, Ilicínea, Itaú de Minas, Passos, Piumhi, Pratápolis, Sacramento, São João Batista do Glória, São José da Barra, São Roque de Minas, Tapira e Vargem Bonita.
O Circuito oferece 14 diferentes rotas e cerca de 250 atrativos turísticos, 150 empreendimentos de hospedagem e 250 gastronômicos. O principal atrativo é a própria Serra, preservada e protegida especialmente pelo Parque Nacional Serra da Canastra. Criado em 1972, é cercado por seis municípios, Delfinópolis, Sacramento, Vargem Bonita, São Roque, São João Batista do Glória e Capitólio, e hoje tem quase 198 mil hectares.
De acordo com o secretário municipal de Esportes, Cultura, Lazer, Turismo, Meio Ambiente e Agricultura de São Roque de Minas, Fábio Vinícius de Souza, 75% da área coberta pelo Parque Nacional pertence ao município, mas a coleta de dados ainda é um entrave para o desenvolvimento de políticas públicas para o setor. Ainda assim, a cidade vem recebendo cada vez mais visitantes interessados em desfrutar da natureza e das delícias gastronômicas da região.
“O Parque é muito grande e nós não conseguimos ter os dados completos de todas as portarias, mas ao coletar informações junto aos equipamentos de hospedagem e alimentação é fácil perceber o aumento e a diversificação do turista que vem para São Roque e para a Canastra como um todo. O nosso objetivo é fazer um inventário turístico profundo para conhecer os nossos visitantes. Hoje temos alguns gargalos de infraestrutura, como acessos e alimentação. No quesito hospedagem, estamos bem servidos”, explica Souza.
Com 7,5 mil habitantes, São Roque de Minas, tida como a “capital da canastra”, tem no turismo a sua terceira força para o desenvolvimento socioeconômico da cidade, atrás da agricultura e da pecuária. O sucesso mundial do Queijo Canastra não só ajuda na valorização econômica da atividade ancestral como fortalece o sentimento de pertencimento e reconhecimento da importância dos pequenos produtores.
“O principal ganho é a valorização do produtor. Antes vivíamos um processo de êxodo de quem fabricava o queijo para a cidade, buscando outras fontes de renda. Agora será viável que os filhos dos meus filhos façam queijo. Isso realmente faz um bem enorme para a nossa comunidade. As pessoas conseguem ter uma qualidade de vida melhor no campo e oferecer um produto melhor. Acho que esse é um dos quesitos que trouxeram o reconhecimento internacional. Vender é o final da evolução, que é o reconhecimento”, avalia.
Histórias que renascem com o sabor da Canastra

E é entre o queijo e outras delícias que a produtora Marciana Mateus Silva se equilibra entre a cozinha e a presença na Portaria 1 do Parque Nacional da Serra da Canastra nos fins de semana e feriados para apresentar seus produtos aos turistas do mundo inteiro. Vinda de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, com o marido em busca de mais qualidade de vida, percebeu que o futuro estava na vocação da região e foi em busca de qualificação.
“Quando cheguei aqui não entendia nada sobre leite, mas vendo essa paisagem e sentindo a generosidade das pessoas me apaixonei e comecei a aprender. Logo busquei fazer cursos e hoje produzo o nosso próprio queijo e derivados, como doce de leite e iogurte. Estamos planejando abrir nossa pousada no prazo de dois anos”, afirma Marciana Mateus Silva.
Em São José do Barreiro, distrito de São Roque de Minas, Néria Vieira é daquelas produtoras que têm no queijo uma herança de família. Menina, aprendeu com a mãe a fazer a iguaria que tinha pouco valor comercial, mas que já carregava consigo a alma mineira.
Hoje ela sente orgulho da história familiar, aprendeu boas práticas, gera empregos e não é mais refém dos atravessadores para escoar a produção de 10 queijos por dia. Os mais procurados são os com mais de 25 dias de maturação.
“Aos seis anos aprendi a fazer queijo com a minha mãe. Naquela época não havia turistas. Os queijos ficavam guardados por 40, 60 dias, eram, basicamente, para o consumo de casa. Hoje é diferente, o dia inteiro tem gente aqui, pessoas de todos os lugares. Todo mundo faz seu queijo e vende para os turistas, não precisamos mais dos queijeiros (atravessadores)”, destaca Néria Vieira.
Nascentes do Paraíso propõe exclusividade na Serra da Canastra

Paz, conforto e exclusividade também fazem parte do perfil turístico da Serra da Canastra, traduzidos em hospedagens de alto padrão. A Nascentes do Paraíso, com oito chalés e mais quatro em construção, está sempre com a lotação completa e é buscada principalmente por casais.
O empreendimento surgiu da paixão do empresário Marcelo Eduardo de Souza pela paisagem da Serra da Canastra e pela certeza de que, com tempo e muita disposição, poderia restaurar uma antiga fazenda a 7 quilômetros do centro de São Roque de Minas.
“Esse é um lugar que eu amei antes de fazer a pousada, o lugar onde eu cheguei e vi o potencial. Era uma fazenda que tinha criação de gado, mas eu vi o potencial e comecei rapidamente a mexer, tirar as cercas, plantar, deixar crescer árvores e, principalmente, estabeleci uma relação de profundo amor com o lugar. Muito depois falei: ‘Agora que já está tão maravilhoso, que o paraíso que eu idealizei está presente, vou compartilhar com as pessoas’”, relembra Souza.
Produtores estruturam marca coletiva para combater pirataria

Capitaneando a Associação dos Produtores de Queijo Canastra (Aprocan), João Leite tem a missão de honrar a história da família que sempre produziu um dos queijos mais afamados da região e de organizar os produtores do laticínio reconhecido pela Unesco.
O próximo passo da Associação é a homologação da marca coletiva “Território da Canastra”, distinguindo produtos especiais feitos em 11 municípios: Tapira, Bambuí, Medeiros, São Roque, Delfinópolis, São João Batista do Glória, Capitólio, Pimenta, Piumhi, Vargem Bonita e Doresópolis.
O projeto visa identificar todos os produtos da Canastra com um selo que comprove sua origem na região. Atualmente o queijo e o café já possuem indicação geográfica e o objetivo é incluir outros produtos, como mel, azeite de abacate, azeite de oliva, charcutaria e pescado, além de serviços turísticos como pousadas, hotéis, oficinas mecânicas, bares, restaurantes e guias turísticos.
“A ideia para a marca coletiva surgiu devido à notoriedade da Canastra como marca intangível, ‘queijo Canastra’ e ‘café da Canastra’, tornando-a a terceira marca território mais valiosa e notória do Brasil, atrás apenas da Amazônia e do Pantanal. Essa notoriedade levou à pirataria de produtos usando o nome ‘Canastra’. A expectativa é que a marca coletiva impulsione a produção de produtos agroartesanais e o turismo na região, com a criação de uma plataforma digital para que turistas possam planejar suas visitas. O projeto é pioneiro no Brasil”, explica Leite.
O Sebrae tem apoiado o projeto. Uma equipe passou 10 dias no Sul do Tirol, na Itália, para aprender sobre a criação de marcas coletivas. Os municípios que já possuem identificação geográfica para queijo e café formarão uma associação intermunicipal que elaborará um projeto de lei a ser levado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Após o reconhecimento legal, será encaminhado um projeto de place brand ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) para registrar a marca coletiva “Território da Canastra”. Todos os produtos, bens e serviços produzidos na região receberão um selo de certificação de qualidade promovido pela associação.
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