Alimentação fora do lar deve ter leve recuperação em 2021

Ao passo que a vacinação avança e a vida nas cidades vai voltando ao ritmo normal, o setor de alimentação fora do lar ensaia uma leve recuperação. Apesar da volta de boa parte dos escritórios para o regime presencial e do comércio em pleno funcionamento, o medo das aglomerações e, principalmente, a inflação somada ao desemprego, afastam o público dos bares e restaurantes.
A segunda edição deste ano do estudo “Consumer Insights” da Kantar, líder em dados, insights e consultoria, aponta que, com o avanço da vacinação, mais consumidores passaram a consumir fora de casa a partir de abril. A frequência, porém, ainda é menor, e por isso ainda não houve retomada dos volumes.
Considerando o segundo trimestre deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado, o consumo fora do lar foi opção majoritariamente dos jovens entre 18 e 29 anos, de classes AB e C, que priorizaram a vida social, principalmente aos finais de semana.
Essa faixa etária foi a única que contribuiu positivamente para o cenário fora do lar (+0,8%) e suas principais escolhas foram os bares, que representaram 4,2% deste crescimento, e fast food (2,7%). Enquanto isso, os maiores de 50 anos se resguardaram, com uma retração em valor de 26,3% no mesmo período.
De acordo com o gerente de Soluções da Kantar, Renan Morais, a prevalência das pessoas entre 18 e 29 anos era esperada por elas terem uma vida social, via de regra, mais agitada e por muitos trabalharem e estudarem ou trabalharem em dois turnos, o que obrigaria a pelo menos uma refeição ser feito fora de casa.
A ausência dos mais velhos também impactou diretamente nos resultados, pois, em média, eles são responsáveis por tíquetes médios mais altos do que os mais jovens.
“Nesse caos que se estabeleceu com a chegada da pandemia, o comerciante teve que se reinventar, muitas vezes, com novos métodos de entrega e o consumidor teve que encontrar também esses novos modos de consumir. O consumo vinha sendo retomado de uma forma muito tímida. A frequência voltando mês a mês. Mas o desemprego e a inflação muito altos são fatores de grande impacto sobre o consumo. As pessoas estão calibrando a ida aos estabelecimentos tanto pelo receio da contaminação, como pelos gastos”, explica Morais.
Quanto mais as pessoas se aproximam da base da pirâmide social, mais difícil fica a situação. A prorrogação do auxílio emergencial – com valor reduzido e para menos gente – não trouxe um impacto positivo no consumo. 17% dos lares brasileiros contam com ao menos uma pessoa que perdeu o trabalho após o início da pandemia, segundo o estudo LinkQ Covid da Kantar. Dentro desse universo, 80% são lares da classe CDE.
“Na Europa, com a vacinação, em períodos mais recentes, houve uma retomada muito expressiva, mas, no Brasil, além de um ritmo muito lento na vacinação, temos a questão macroeconômica: moeda sensível, desemprego, auxílio governamental menor ou inexistente, inflação, entre outros pontos. Vai ser uma retomada muito mais lenta do que lá fora. Houve um aumento exponencial do delivery nesse período, mas nem todo mundo vai continuar consumindo assim. Teremos, pelo menos, entre um e dois anos de muito trabalho para alcançar a recuperação plena”, avalia o gerente de Soluções da Kantar.
Retomada local
Famosa por seus sabores e conhecida como a “capital dos bares”, Belo Horizonte também vem recuperando a alegria dos salões de bares e restaurantes abertos, mas o ritmo ainda está muito abaixo do necessário e desejado. A flexibilização no funcionamento de bares e restaurantes, iniciada em meados de junho, já surte efeitos. Pesquisa feita pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel-MG), em agosto, mostra que 33% deles operaram no prejuízo em julho. O índice caiu em relação a junho, quando estava em 57%, evidenciando uma recuperação em curso.
Ainda segundo a pesquisa, 50% dos donos de bares e restaurantes entrevistados no Estado continuam com pagamentos em atraso, índice melhor que a média nacional, de 54%.
“Este cenário é fruto do processo de retomada da economia, possibilitado graças ao avanço da vacinação no Estado. O caminho para ampla recuperação do setor, porém, ainda será longo. Estudos apontam, inclusive, que o segmento precisará de dois a cinco anos para conseguir pagar suas dívidas, e mais de duas décadas para refazer o patrimônio desfeito para que os negócios sobrevivessem durante a pandemia”, pontua o presidente da Abrasel-MG, Matheus Daniel.
Dados do mais novo estudo realizado pela Associação Nacional de Restaurantes (ANR), em parceria com a consultoria Galunion, especializada no mercado food service, e com o Instituto Foodservice Brasil (IFB) amparam a avaliação. Eles mostram que 62% das empresas entre restaurantes, bares, cafés e lanchonetes ainda não recuperaram as vendas em relação à pré-pandemia, na comparação de julho de 2021 com julho de 2019. 13% já conseguem faturar nos mesmos níveis e outros 25% afirmaram que superaram a receita no mesmo período.
O nível de endividamento das empresas do setor segue alto no País. 55% dos bares, restaurantes, cafés e lanchonetes se declaram endividados. Desse total, 78% devem para bancos, 57% estão com impostos em atraso, 24% têm dívidas com fornecedores e 14% afirmam ter pendências trabalhistas. Do total de endividados, 48% afirmaram que devem levar mais de dois anos para pagar seus débitos e 63% disseram que vão aderir a planos de parcelamento, como o Refis e outros anunciados pelos governos (federal, estadual ou municipal).
Em Minas Gerais, o percentual de endividamento é o mesmo: 55%. Sobre o pagamento dessas dívidas, entre os mineiros, 14% acreditam que ela se dará em seis meses; 16%, entre seis meses e um ano; 19%, entre um e dois anos; 31% entre dois e três anos; e 21% acreditam que vai demorar mais de três anos.
Opção por delivery vira mar de oportunidades
As medidas de afastamento social impostas como arma de combate à Covid-19 desde março do ano passado modificaram seriamente a relação entre consumidores e varejistas. Historicamente com baixa margem de lucro, o setor de alimentação fora do lar se viu duramente atingido em um dos seus pilares, que é juntar gente para comer e se divertir.
A entrega em domicílio se tornou, de imediato, a principal saída e única maneira encontrada por muitas empresas para sobreviver à pandemia, principalmente após os mais de 100 dias de fechamento de março a julho de 2020. Levantamento da Statista aponta que houve um aumento na recorrência dos pedidos de delivery na casa dos 975%, tornando o Brasil o líder disparado na América Latina, no ano passado.
Segundo dados da nova pesquisa da série Covid-19, realizada pela Associação Nacional de Restaurantes (ANR), em parceria com a consultoria Galunion, especializada no mercado food service, e com o Instituto Foodservice Brasil (IFB), em média, a receita hoje em delivery já representa 39% do total do faturamento das empresas. O número era de 24% antes da pandemia. Sobre a manutenção do delivery com o retorno do funcionamento das lojas, 85% das operações afirmaram que sim.
O recorte regional do estudo mostra que Minas Gerais apresenta números parecidos com a média nacional. Antes da pandemia, o delivey representava 20% do faturamento do segmento no Estado e agora alcança 33%. Sobre manter a operação de entrega em domicílio, 82% dos empresários ouvidos em Minas confirmaram essa opção.
E é diante desse cenário que as dark kitchens seguem expandindo. O formato busca reduzir custos e otimizar o faturamento dos restaurantes com foco totalmente no delivery, otimizando a operação ao dispensar a necessidade de fachada, estrutura de salão, além de aluguéis enxutos e equipe bastante limitada.
Apostando nesse modelo, a carioca Casa Graviola acaba de desembarcar na Capital. De acordo com o sócio-fundador da Casa Graviola, Abner Lopes, especializados em alimentação saudável, eles refizeram o plano de negócios, lançaram um novo formato de franquia, mais enxuto, e miram nas capitais para crescer.
“Já tínhamos o nosso delivery, que era responsável por cerca de 11% do faturamento. Entendemos que o nosso cardápio não era todo propício às entregas, então escolhemos alguns itens e acabamos criando um novo negócio, a Graviola Burgers e Pizzas, no estilo dark kitchen, 100% delivery. Percebemos que para continuar faturando e crescendo era importante atender as necessidades do consumidor e também apoiar nossos franqueados. Uma operação tradicional pede investimento médio de R$ 550 mil, enquanto a dark kitchen custa R$ 85mil”, explica Lopes.
A aposta parece correta. O mercado de alimentação saudável, que já era tendência antes da pandemia, ganhou terreno nesse modelo. Segundo a Euromonitor Internacional, no ano passado, as vendas desses produtos atingiram R$ 100 bilhões em território nacional.
Em meio a tantas mudanças, o empresário também planeja o lançamento do modelo quiosque – ideal para shopping centers e outros pontos de muito movimento como aeroportos e grandes conjuntos comerciais – para o próximo mês, com investimento médio estimado em R$ 260 mil, e sua primeira operação internacional para dezembro, em Lisboa.
“Acreditamos em uma retomada do setor lenta, afinal o Brasil enfrenta uma crise econômica severa. Lançar novos modelos faz parte de uma estratégia para atender às diferentes necessidades dos consumidores e também dos empreendedores. Queremos abrir nossa primeira unidade completa em Belo Horizonte no primeiro semestre de 2022. A cidade é conhecida como uma praça teste e nós estudamos muito o mercado de BH para oferecer o melhor serviço para uma demanda ainda desassistida”, completa o fundador da Casa Graviola.
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