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Brasil está longe de ser uma nação digital

País apresentou piora na capacidade de se preparar para o futuro, o que o deixou na 52ª colocação geral
Brasil está longe de ser uma nação digital
A surpresa negativa ficou por conta do fator empresarial, disse Carlos Arruda, da Fundação | Crédito: Carlos Arruda/FDC

O gosto do brasileiro por novas tecnologias é notório, mas isso não foi suficiente para levar o País a uma posição honrosa na sexta edição do Anuário de Competitividade Digital do IMD, que conta com a parceria do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral (FDC). No rol, que analisou a capacidade de 63 economias mundiais em explorar novas tecnologias digitais, o Brasil aparece na pouco prestigiada posição de número 52, uma abaixo da conquistada no ano passado.

Entre os fatores que pesaram contra o Brasil está “Prontidão para o futuro” (queda de 45º para 47º) e se mantiveram estáveis Conhecimento (51º) e Tecnologia (55º). O “Total de Gastos Públicos em Educação” (7º), “Produtividade em P&D por Publicação” (8º) e “Investimento em Telecomunicações” (12º) são destaques positivos, enquanto a “Experiência Internacional da Força de Trabalho” (62º) e “Transferência de Conhecimento” (61º) estão entre os piores resultados do País.

A percepção dos executivos sobre a “Agilidade Empresarial” foi um dos fatores determinantes para a piora da colocação geral. O ranking de competitividade digital reforça a importância de um maior envolvimento da esfera pública e privada na agenda de construção de uma nação digital.

De acordo com professor associado do núcleo de inovação e empreendedorismo da FDC, Carlos Arruda, embora a posição do Brasil não fosse inesperada, a surpresa negativa ficou por conta do fator empresarial.

“O fator que impediu que o Brasil ganhasse posições foi o empresarial. O esforço das empresas para se tornarem 4.0 não tem sido o suficiente. Ainda não estamos atuando aceleradamente nessa direção. Vimos avanços na infraestrutura, na proteção da privacidade com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), mas na dimensão da gestão empresarial não nos desenvolvemos”, explica Arruda.

Em que pese as dificuldades econômicas impostas pela pandemia nos dois últimos anos, conta a favor do Brasil os indicadores da gestão pública. A boa performance brasileira em dois novos indicadores: “Capacidade de segurança cibernética do governo” (25º) e ‘Proteção de privacidade pela lei” (29º). Ainda assim, a 47ª colocação em “Governo Digital” e 59ª em “Segurança Digital’ são resultados preocupantes.

“Todos os indicadores ligados à agenda do governo seguem avançando. A pressão veio da própria incerteza global, a pós-pandemia, a guerra na Ucrânia, a inflação global e a quebra das cadeias de suprimento. Tudo isso gera paralisia. O Brasil continua rodando, mas o olhar para o futuro, sim, é um grave problema”.

Para competir globalmente, as empresas de modo geral e, em especial, a indústria, segundo o especialista, precisam acelerar a transição digital. Um passo determinante para isso é a formação e a requalificação da mão de obra. A mão de obra jovem, se comparada às de outros mercados, como o europeu, pode ser um diferencial competitivo a favor do Brasil.

“As empresas industriais têm uma grande oportunidade, mas precisam acelerar o investimento em tecnologia para participar das cadeias globais de produção. As empresas que não forem digitais, não terão oportunidade. O Brasil perdeu posições no uso de ciência de dados e requalificação de pessoas. Historicamente perdemos cérebros e não atraímos mão de obra estrangeira. As empresas precisam incluir todos esses temas no planejamento estratégico. Do outro lado, o Brasil tem uma atitude favorável à adoção de novas tecnologias, não somos resistentes às mudanças. Existe um esforço coletivo de adoção das tecnologias no dia a dia. Isso é visível no varejo, no setor financeiro e no próprio governo, por exemplo. Outro ponto a favor é a presença crescente de mulheres nas ciências. Mas ainda assim precisamos experimentar mais, assumir mais riscos”, defende o professor”.

Entre os 63 países incluídos na pesquisa, o Brasil ficou à frente dos vizinhos latino-americanos: México (55º), Peru (57º), Argentina (59º), Colômbia (60º) e Venezuela (63º). Melhor colocado que o Brasil está apenas o Chile (41º). Entre os Brics, a China (17º) segue na liderança, apesar de recuar de seu melhor resultado, apresentado em 2021, com piora no fator “Conhecimento”. Índia (44º), Brasil (52º) e África do Sul (58º) completam a lista.

“É lastimável que os países da América Latina estejam ainda piores que o Brasil. O desenvolvimento acontece por regiões. Numa possível reindustrialização do mundo, isso se dará por hubs regionais e os países precisam apresentar boas condições em conjunto para atrair investimentos. No caso dos Brics é preocupante que só estejamos mais bem colocados que a África do Sul. Quando ampliamos a comparação para outros grandes países, como a Indonésia, por exemplo, também perdemos”.

A chegada da tecnologia 5G e a necessidade de eliminar o “abismo digital” são fatores que tendem a impulsionar o investimento em telecomunicações. Nesse sentido, o Brasil apresentou um grande salto no indicador “Investimento em telecomunicações” (de 21º em 2021 para 12º em 2022).

Além disso, a “Capitalização do Setor de Tecnologias da Informação e Comunicação” (45º) e a “Avaliação de Crédito do País” (56º) apresentaram ligeira melhora e impulsionaram a variação positiva de duas colocações do subfator “Capital”. Contudo, a percepção do empresariado sobre a disponibilidade de Capital de Risco apresentou uma deterioração se comparado com demais países.

“A adoção de tecnologia é sempre um momento crítico. Quem adota primeiro leva vantagem porque vai ser mais produtivo e competitivo, ganhando espaço. Esse é o alerta para o Brasil. É preciso trabalhar para que a tecnologia não gere mais desigualdade econômica. Os profissionais que não forem digitalmente hábeis não terão vez por mais experiência e conhecimento que acumulem”, pondera o associado do núcleo de inovação e empreendedorismo da FDC.

Investimentos na área de inovação têm caído

O Brasil ganhou três posições no Índice Global de Inovação (IGI) na comparação com 2021 e agora está no 54º lugar no ranking que abrange 132 países. A melhora da colocação, no entanto, não significa que o País esteja bem na agenda de inovação, uma vez que os investimentos na área têm caído a cada ano e a posição brasileira está sete casas abaixo da melhor marca atingida – o 47º lugar em 2011.

Os 10 países mais bem colocados no índice são: Suíça, Estados Unidos, Suécia, Reino Unido, Holanda, Coreia do Sul, Singapura, Alemanha, Finlândia e Dinamarca. A classificação é divulgada anualmente, desde 2007, pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi – Wipo, na sigla em inglês), em parceria com o Instituto Portulans e o apoio de parceiros internacionais – no caso do Brasil, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), por meio da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), é parceira na produção e divulgação do IGI desde 2017.

Desde sua criação, em 2007, o IGI tornou-se uma referência na avaliação da inovação e um pilar na formulação de políticas econômicas, levando um número cada vez maior de governos a realizar análises sistemáticas de seus resultados anuais em matéria de inovação e elaborar políticas voltadas para melhorar seu desempenho no Índice. O ranking também obteve o reconhecimento do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, que em sua resolução de 2019 sobre ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento o define como um instrumento de referência para avaliar a inovação em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O tema do IGI em 2022 é o futuro da inovação: estagnação ou recuperação da produtividade. O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, avalia que esse enfoque é extremamente relevante para o Brasil, considerando-se os desafios que o País vem enfrentando para aumentar sua produtividade – que está em declínio há 40 anos. “A publicação ajudará a orientar as ações dos setores público e privado voltadas para um crescimento impulsionado pela inovação, promovendo e apoiando políticas científicas, tecnológicas e de inovação em nosso País”, destaca Robson Andrade.

O IGI 2022 é calculado a partir da média de dois subíndices. O subíndice Insumos de inovação avalia os elementos da economia que viabilizam e facilitam o desenvolvimento de atividades inovadoras, agrupados em cinco pilares: (1) Instituições; (2) Capital humano e pesquisa; (3) Infraestrutura; (4) Sofisticação do mercado; e (5) Sofisticação empresarial. Já o subíndice Produtos de inovação capta o resultado efetivo das atividades inovadoras no interior da economia e se divide em dois pilares: (6) Produtos de conhecimento e tecnologia e (7) Produtos criativos.

Análise da posição brasileira

Na avaliação da CNI, embora o Brasil tenha caído no ranking de “insumos de inovação”, tendo piorado duas posições (de 56º, em 2021, para 58º em 2022), o País subiu seis posições no ranking de resultados de inovação (59º para 53º), o que explica a melhora no ranking geral. “Isso quer dizer que, em relação aos investimentos em inovação, o Brasil piorou. Entretanto, é como se os agentes do ecossistema brasileiro tivessem feito mais com menos e obtido melhores resultados em inovação, apesar da queda nos insumos/investimento”, compara a diretora de Inovação da CNI, Gianna Sagazio.

Segundo ela, essa melhora demonstra que, apesar das dificuldades estruturais do ecossistema de inovação no Brasil, as empresas têm se saído melhor do que o esperado. “Isso atesta as capacidades das empresas brasileiras. Se houvesse investimentos perenes em inovação, o que não acontece, o Brasil poderia ser uma potência em inovação”, alerta a diretora de Inovação da CNI.

Os resultados demonstram a resiliência do setor empresarial brasileiro. Atualmente, o Brasil tem a 35ª economia com negócios mais sofisticados do mundo, apesar de as empresas brasileiras terem que conviver com instituições muito mal posicionadas no ranking, e com infraestrutura que figura apenas em 65º lugar.

Na avaliação da CNI, a falta de uma política pública consolidada para a inovação gera insegurança e atrasos ao setor. Um dos exemplos é a edição da Medida Provisória nº 1.136, de 29 de agosto de 2022, que limita o uso de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fonte de financiamento à inovação do País. A MP fixa que o FNDCT poderá aplicar somente R$ 5,555 bilhões em 2022, ou seja, cerca de R$3,5 bilhões a menos do inicialmente previsto.

A CNI alerta para os danos que a medida provisória, se aprovada pelo Congresso Nacional, causará para a ciência, tecnologia e inovação do País. A partir do ano que vem, a medida estabelece uma porcentagem de aplicação que chegará em 100% dos recursos apenas em 2027. Em 2023, por exemplo o limite será de somente 58% da receita anual prevista. Sendo 68% em 2024, 78% em 2025 e 88% em 2026.

Outra preocupação para a indústria é que, apesar de a Lei Complementar nº 177/2021 proibir o contingenciamento de valores do fundo, os recursos vêm sendo constantemente bloqueados pelo poder público. Para o orçamento de 2022, o governo já havia travado R$ 2,5 bilhões dos R$ 4,5 bilhões de recursos não reembolsáveis do FNDCT.

América Latina e Caribe

Os dados divulgados ontem mostram que o Brasil ocupa a 2ª posição entre os países da América Latina no IGI, ficando atrás do Chile (50ª colocado). No ano passado, o Brasil era o quarto entre ao latino-americanos, mas agora passou o México (58º) e Costa Rica (68º) – veja no infográfico a comparação entre Brasil e os países mais bem colocados da América do Sul e América Central.

De acordo com o coeditor do IGI e diretor da Saïd Business School, da Universidade de Oxford, Soumitra Dutta, Brasil, Peru e Jamaica apresentaram desempenho superior ao esperado para o seu nível de desenvolvimento econômico. “Em termos relativos, líderes regionais, como Chile e Brasil, na América Latina, e África do Sul e Botsuana, na África Subsaariana, apresentaram melhoras em seu desempenho em inovação”, pontuou.

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