Casa Salles pode virar museu do comércio

Com 140 anos recém-completados, e a veia do empreendedorismo ainda pulsante, a mais antiga loja de Belo Horizonte tinha muitos planos para 2021. Porém, o alongamento da pandemia e as consequentes e necessárias medidas de combate à doença impuseram uma série de limitações e fizeram com que a família adiasse as ações de comemoração programadas. Uma delas diz respeito à transformação do atual e tradicional ponto de venda, localizado no hipercentro da Capital, em uma espécie de museu do comércio e da cidade.
Quem revela é o atual administrador do estabelecimento, Guilherme Salles, integrante da quinta geração da família Salles. “Com a pandemia, além do fechamento, ficou impossível comemorar, diante de tantas pessoas e famílias com perdas. Por isso, decidimos adiar as comemorações e deixar esses 140 anos como um momento de luto. Mas seguimos com o projeto de transformar a loja em um centro cultural para visitação. Já retomamos o projeto e estamos esperando a economia tomar um fôlego maior para tirá-lo do papel”, diz.

Segundo ele, a ideia já conta com apoio de entidades ligadas ao comércio e da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e poderá contribuir bastante para contar a história da antiga Curral del Rei – arraial que deu origem à capital mineira. Tanto é que, ainda hoje, fiel às tradições, a Casa Salles mantém todas as instalações originais desde sua fundação, como balcões, vitrines, caixa registradora e outros objetos.
“A Casa Salles é uma loja histórica, quase um ponto turístico de Belo Horizonte. Não vamos extingui-la por completo, mas queremos, no futuro, abrir um novo ponto de venda, especializado em armas de fogo e munições em algum centro comercial de bairro da cidade. E da loja tradicional fazer um ponto turístico, contando a história do comércio de Belo Horizonte e da venda de armas e munições no Brasil”, reforça.
O desejo já vem de alguns anos, mas foi aguçado pelas perdas irreparáveis que o comércio viveu e vive diante da crise imposta pela pandemia. De acordo com o comerciante, nos momentos de total fechamento do comércio, a venda tradicional deu lugar às tecnologias. E, mesmo hoje, com o retorno do funcionamento da loja física, está difícil recuperar os níveis de comercialização.
“Tivemos o benefício de aprender a tocar o negócio on-line. Uma loja tão antiga e tradicional também precisou se reinventar, pois em alguns momentos as vendas digitais chegaram a representar 100% do faturamento. Mas mesmo depois da reabertura, recuperamos pouca coisa, cerca de 30%. E acredito que o movimento no Hipercentro ainda vai demorar para chegar aos patamares pré-crise. Se é que vai voltar”, avalia.
Com Edmar Salles e sua filha Consuelo Salles no Conselho Ético e Fiscal da empresa, hoje Guilherme Salles, filho de Consuelo, é a quinta geração de comerciantes na mesma família no comando da Casa Salles. Guilherme começou sua trajetória na empresa trabalhando como vendedor em 1996 e há três anos assumiu a função de administrador.
Casa Salles: história de empreendedorismo
O estabelecimento foi fundado em Ouro Preto (região Central do Estado) em junho de 1881 por João de Salles, foi transferido em 1904 para Belo Horizonte (MG) e permanece na capital mineira até hoje, preservando sua história e sendo referência no setor. A loja era do tipo “secos e molhados”, típicos comércios do século XIX que vendiam produtos variados, incluindo alimentos, armamentos, munições, pólvora, chumbo e negociava mulas para transporte de tropeiros. O estabelecimento tinha até um curral.
Ao longo dos anos, os produtos evoluíram e os itens oferecidos foram mudando, como por exemplo as lamparinas foram substituídas por lanternas modernas, assim como novos tipos de armas e munições, e a loja abandonou a venda de alimentos (considerados como “molhados”), mantendo viva as características tradicionais, mas adaptando-se à modernidade dos tempos atuais.
Hoje, com a alta demanda por armas de fogo e munições no País, a loja tem ampliado cada vez mais sua clientela, entre eles caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), membros das forças de segurança e civis. Segundo a atual administração, a venda melhorou muito e as armas e munições voltaram a ser os curingas da empresa, representando mais de 80% das vendas. “Foram as armas de fogo que sustentaram as vendas da Casa Salles nesse último ano”, revela Guilherme.
Por fim, o atual administrador do negócio diz que a receita de sucesso de uma empresa que presenciou diferentes momentos econômicos e políticos, grandes guerras e regras mais e menos restritivas ao comércio de armas e munições no País está no planejamento e na diversificação. “Precisamos distribuir os ovos em várias cestas. Sempre tivemos planos A, B e C em todos os momentos. Somos uma empresa de 140 anos que nunca deixou o empreendedorismo de lado. No Brasil, precisamos empreender todos os dias para vencer”, conclui.
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