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Cine Brasil é um ícone cultural da Capital

Primeiro “arranha-céu” de Belo Horizonte, a edificação foi uma das primeiras inspiradas no estilo Art Déco
Cine Brasil é um ícone cultural da Capital
A revitalização do Cine Brasil foi entregue à população em 2013, ao custo de R$ 53 milhões | Crédito: Gabriel Araujo

Em plena forma aos 90 anos, o Cine Theatro Brasil Vallourec comemora a chegada da nona década de existência na Praça Sete – coração de Belo Horizonte – em grande estilo. O espaço faz parte da memória afetiva da Capital e dos moradores do interior que faziam questão de visitar o lugar entre as décadas de 1970 e 1990 para assistir os “blockbusters” da época, especialmente os filmes dos Trapalhões. O Cine Brasil carrega consigo memória, cultura e ajuda a movimentar a economia da cidade, principalmente do hipercentro.

De acordo com a gerente do Cine Theatro Brasil Vallourec, Sandra Campos, a comemoração vai além do aniversário, abre também a celebração, em 2023, dos dez anos da recuperação do espaço depois de 14 anos fechado, e a retomada de uma programação “quase” normal após a pandemia.

“O Cine Brasil é e sempre foi um ponto de encontro onde a cidade se apresenta, e é aqui que queremos reunir as pessoas. Esse lugar, em Art Déco, é um marco para a arquitetura e história de Belo Horizonte desde 1932, quando era o mais alto edifício da Capital e as pessoas vinham aqui para tirar foto da Serra do Curral. Depois, por abrigar grandes espetáculos, os sucessivos recordes nacionais de bilheteria e, hoje, por ser esse espaço multiúso que retribui à cidade toda essa afetividade, especialmente depois desses dois últimos anos terríveis em que enfrentamos a pandemia”, explica Sandra Campos.

Amanhã, 14 de julho, data exata do aniversário, a programação será totalmente gratuita, diversa e ocupará todo o dia. As atrações começam às 8 horas, com a banda da Guarda Municipal na entrada principal, na Praça Sete, e seguem até as 21 horas, com uma apresentação de Artes Cênicas no Grande Teatro.

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Economia Criativa

Para além do imensurável valor cultural e simbólico mobilizado pelas atividades do Cine Brasil, existe um valor econômico muito grande envolvido na atividade. Sustentado pelos patrocínios da  siderúrgica Vallourec e do Instituto Unimed BH, que bancam os custos fixos e de manutenção, o equipamento cultural busca outras fontes de recursos diversificando as atividades para também atender o público corporativo e social. Uma das fontes de recursos mais importantes é a cessão de espaços e infraestrutura para eventos, tudo sob uma curadoria que preza pela história e valores das instituições envolvidas.

“Hoje é impossível as produções e os espaços viverem apenas da bilheteria. Nossos projetos são realizados, via de regra, por meio das leis de incentivo e além do aluguel direto dos espaços para apresentações e exposições, também abrigamos eventos corporativos e sociais, como treinamentos, convenções e recepções. Pouca gente sabe, mas ofertamos a estrutura completa, inclusive com alimentação, já que a lanchonete é administrada por nós mesmos. Quanto aos espetáculos artísticos, tomamos alguns cuidados para não colocar em risco a nossa história e o nome dos nossos parceiros”, destaca.

A estrutura atual abriga, além do Grande Theatro Unimed BH, com capacidade para mil pessoas; dois andares de galerias que recebem programação que inclui exposições de arte, coquetéis e eventos empresariais; teatro de câmara com 200 lugares – equipado com as poltronas originais do antigo cinema; e o Terraço Brasil, com capacidade para 500 pessoas – com os dois mezaninos, tem 923 metros quadrados e está equipado para receber festas e recepções de grande porte; e lanchonete. Tudo isso é administrado por uma equipe de apenas 18 pessoas e um orçamento básico de R$ 6 milhões (R$ 4 milhões da Vallourec e R$ 2 milhões do Instituto Unimed BH).

Calcula-se que nesses quase nove anos, mais de 5 mil eventos já tenham sido realizados no local. Além dos artistas, técnicos especializados e administrativos, uma longa cadeia produtiva é mobilizada a cada evento. Isso vai do famoso e infalível pipoqueiro na porta em dia de espetáculo, aos taxistas e motoristas de aplicativo, os hotéis da região que recebem equipes e plateia que vem de outras cidades, até indústrias e profissionais autônomos como gráficas e costureiras, por exemplo. É a chamada economia criativa em ação.

De acordo com o Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, de 2019, realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), as atividades da cadeia da indústria criativa totalizaram R$ 172, 5 bilhões em 2017 e, sob a ótica do mercado de trabalho formal, contaram com 837,2 mil profissionais empregados no País.

“A recuperação do Cine Brasil, em 2013, foi um momento muito importante para a cidade. Uma pena que isso não tenha vindo acompanhado de outras ações do tipo. Agora temos a chance de retomar a verdadeira vocação do Centro que é reunir as pessoas e ser um espaço de lazer e cultura. A abertura do P7 Criativo e o sucesso da ‘Mostra Modernos Eternos’ – bem ao lado do Cine Brasil – demonstra que existe uma possibilidade de fazermos do Centro um eixo de cultura que pode ir do Palácio das Artes até a Rodoviária e ainda utilizar o Parque Municipal como corredor de arte até a Serraria Souza Pinto e integrar tudo isso com a Praça da Estação. O Centro é o lugar ideal para o florescimento da economia criativa de Belo Horizonte. Já estamos vendo várias empresas de base tecnológica migrando para a região e bairros próximos. E nesse sentido o Cine Brasil tem um papel muito importante pela sua história e por tudo que ainda pode ser”, avalia o vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e um dos idealizadores do Conselho de Desenvolvimento Econômico, Sustentável e Estratégico (Codese) de Belo Horizonte, Teodomiro Diniz.

“A pandemia foi um período de grande sofrimento para a humanidade e sentimos a dor que a doença trouxe para a comunidade. O fechamento do espaço e o cancelamento das apresentações era algo que jamais poderíamos imaginar. Tudo isso também trouxe aprendizados como a possibilidade dos eventos híbridos, que devem permanecer principalmente no atendimento ao corporativo. Também a questão da segurança. Não que não tivéssemos antes, mas a Covid-19 trouxe uma nova dimensão sobre a segurança do público e de todos que estão envolvidos em cada evento, em cada fase do trabalho. Hoje temos um olhar mais apurado para o outro”, destaca a gerente do Cine Theatro Brasil Vallourec.

A importância do Cine Brasil para a economia da cidade se mostrou já no seu projeto. Os anos de 1930 marcaram o início do processo de verticalização da cidade onde, até então, predominavam as casas térreas e sobrados ecléticos. Uma nova fase de investimentos tomou conta da Capital, inaugurando o primeiro processo de demolição e substituição de antigas edificações.

Nessa época, os cinemas tornavam-se espaços cada vez maiores, vistosos e confortáveis. Foi nesse contexto que a Empresa Cine Teatral Ltda idealizou a construção do maior cinema do País, o Cine Theatro Brasil.

Espaço abrigou grandes espetáculos e acumula sucessivos recordes nacionais de bilheteria | Crédito: Divulgação

Primeiro “arranha-céu” da Capital, a edificação foi uma das primeiras inspiradas no estilo Art Déco. Construído com concreto armado, produzido com cimento importado – grande novidade tecnológica da época, além do cinema, o prédio abrigava 14 lojas, bar e restaurante. Do quinto ao oitavo andares existiam 70 salas para aluguel e, por fim, o terraço que servia como mirante.

Todos os espaços já estavam alugados na noite de 14 de julho de 1932. A inauguração foi realizada com a exibição do filme “Deliciosa” – romance protagonizado por Janet Gaynor e Raul Roulien. O sucesso foi estrondoso, reunindo 5 mil espectadores em duas sessões.

“Atestando a importância deste empreendimento no campo dos negócios cinematográficos, as principais companhias de filmes norte-americanas, como a Paramount Films, a Fox Films, a Metro Goldwyn Meyer e a Universal Pictures enviaram à empresa telegramas de congratulações pela inauguração”, registra o livro “Cine Theatro Brasil Vallourec na Cultura e na Memória da Cidade”, editado pela companhia em 2019.

Para a idealizadora e proprietária do escritório Helena Antunes Arquitetura e Interiores, o pioneirismo e a qualidade arquitetônica do Cine Brasil e a sua importância para a economia de Belo Horizonte estão intimamente ligados. 

“A expansão da capital mineira para áreas adjacentes contribuiu muito para degradação do hipercentro e, consequentemente, uma desvalorização da região. O Plano de Reabilitação do hipercentro de Belo Horizonte, desde 2007, visa reverter a situação da região, tornando-a novamente protagonista. A revitalização de edifícios emblemáticos e o resgate de atividades são alguns dos pontos importantes para essa reabilitação. O Cine Brasil trouxe de volta atividades multiuso que nele existiam, além de preservar a história da cidade em um local tão importante. Por ser um equipamento inserido no circuito cultural da cidade e a sua localização privilegiada, reforça positivamente a referência da região e requalifica todo o entorno. Consequentemente, a requalificação do entorno cria condições favoráveis para a dinamização do Hipercentro em um efeito em cadeia”, analisa Helena Antunes.

Revitalização gerou ocupação dinâmica

Fechado em 1999 e correndo o risco de ser demolido, o espaço foi tombado como bem cultural pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) no ano seguinte. E foi só em 2006, depois de comprado pela, na época, Vallourec-Mannesmann, que voltou a ter um destino certo como centro cultural. O trabalho de revitalização foi entregue à população em 2013, ao custo de R$ 53 milhões, sendo 55% do valor através da Lei Rouanet e 45% com recursos próprios.

Quando adquirido, o edifício se encontrava muito degradado, machucado pelos anos fechados e sem manutenção e por uma série de reformas e modificações feitas anteriormente. A situação que colocava o patrimônio histórico e artístico em risco, entretanto, e surpreendentemente, em alguma medida, não abalou as estruturas arquitetônicas, o que colocava em evidência a qualidade da construção comandada pelo arquiteto Alberto Murgel e o calculista Emilio Baugart, entre 1930 e 1932.

O projeto de restauração, elaborado e coordenado pelo arquiteto Alípio Castelo Branco, seguiu as diretrizes determinadas pelos órgãos de proteção do patrimônio cultural, em âmbitos municipal e estadual. O objetivo era reconstituir os elementos arquitetônicos e decorativos originais e prover adaptações respeitosas que pudessem atender à segurança do público e qualificações técnicas exigidas pelos espetáculos contemporâneos.

Foi assim que o Grande Teatro perdeu metade dos assentos mas ganhou um foyer que serve também como rota de fuga, atendendo uma exigência dos bombeiros; surgiu o Teatro de Câmara equipado com as cadeiras originais do antigo cinema, foram restaurados tacos e ladrilhos hidráulicos e aqueles que não tinham recuperação foram refeitos por artesãos e fábricas especializadas, foram recuperados os vitrais e varandas. E, principalmente, foi encontrado e restaurado o maior painel em estilo marajoara da América Latina, feito pelo pintor italiano Angel Biggi, que estava encoberto por cinco camadas de tinta.

Na reabertura, no dia 8 de outubro, e nos dias seguintes, a exposição Guerra e Paz, que deu aos mineiros a chance de conhecer a mais importante obra de Cândido Portinari e saber detalhes de como ela foi feita, atraiu multidões que faziam filas que dobravam as esquinas do quarteirão fechado que abriga o Cine Brasil, se tornando um marco na história dos eventos culturais da cidade.

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