Comerciantes de BH entram em evolução mandatória à transformação digital

O isolamento social provocado pela pandemia de Covid-19 fez com que as empresas revisitassem os processos e acelerassem a transformação digital. Em três anos de convivência com a doença, vários negócios da capital mineira, assim como em todo o País, precisaram incorporar tecnologia para continuar existindo. Desafio árduo e contínuo, na medida em que as inovações também aceleraram e não param de surgir no mercado.
Para a administradora de empresas Anna Christina Leite Rocha, desafio nunca foi uma palavra limitadora. Pelo contrário, ela apostou no mercado de roupas de segunda mão em um espaço ocioso dentro de sua casa, no bairro Santo Antônio, região Centro-Sul de BH. O negócio Tudo Novo de Novo, que começou em 2011, época em que o famoso bazar tinha fama de lugar onde se comercializava coisas velhas, sujas e de mau cheiro, ganhou durante a pandemia também as redes sociais.
“Antes tinha somente a intenção de desapegar de muita coisa que comprei por conta do nascimento da minha filha. Eu fiquei meio que desbravando, criando um formato que fosse um pouco mais agradável. Fui criando um conceito de um brechó infantil, como se fosse uma loja com tudo limpo, novinho, arrumado, e com marcas boas”.
A pandemia veio quando o negócio ia de “de vento em popa”. De início, as portas precisaram ser fechadas, o atendimento presencial precisou ser suspenso até que viesse o momento de flexibilização do comércio da capital mineira.
A Covid-19, porém, provou que, diante de um cenário que parecia não ter solução, a crise gerou a oportunidade de virar tendência. Com o baixo poder de compra das famílias e uma inflação elevada de itens de vestuário, a alternativa dos mineiros foi recorrer aos brechós.
“No Brasil, a crise colocou o brechó como uma coisa moderna hoje. Então, coloquei o meu foco maior em trabalhar pelo Instagram e também pelo WhatsApp. Com a procura, a gente foi fazendo rodízio para atender. A gente selecionava as peças, tirava foto e mandava para o cliente, e aí a pessoa escolhia o produto. Passamos a oferecer o Pix, que ajudou demais nesta época para agilizar o processo. Assim que o dinheiro caía de forma instantânea, o motoboy passava, retirava o produto e entregava em domicílio”, diz.
Relacionamento se confirma como pilar para vender mais
Na 28 Hamburgueria, restaurante no Alto Caiçara, região Noroeste da cidade, foi tamanho o empenho de relacionamento com os clientes para impulsionar as vendas. Resultado disso é que hoje a loja possui 1,6 mil clientes cadastrados em sua lista de transmissão. Atualmente, a marca comemora uma variação entre 10% e 15% a mais em vendas, quando comparado ao período pré-pandemia.
Mas nada foi fácil para o empresário Douglas Rates de Carvalho. Ele relembra que reformulou todo o negócio, pois 80% do atendimento da sua hamburgueria era proveniente da loja física e 15% do serviço delivery.
“Imaginávamos que, ao fecharmos a loja, seria por no máximo dois meses. Com o passar do tempo, as perspectivas pioraram e o custo operacional, com aluguel, impostos e folha de pagamento, só aumentou. Resolvemos então fechar a loja”. Douglas, no entanto, apostou no conceito de dark kitchen, ou restaurante fantasma, que significa o atendimento a clientes exclusivamente por entrega.
“Lembro que fizemos o caminho oposto da maioria naquela época. Logo nos cadastramos em um aplicativo de comida e foquei a maioria das vendas ali. Por já ter trabalhado no passado com aplicativos de entregas e não ter tido uma boa experiência pelo nosso trato com a qualidade da comida e a pontualidade, resolvemos fazer campanhas promocionais diretamente no Instagram e no Facebook, com atendimentos via WhatsApp Business“, conta o proprietário.

O especialista em inovação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Marcos Ribeiro explica que o fechamento dos estabelecimentos naquela época provocou uma evolução mandatória à tecnologia pelos seus negócios. “Eu me recordo daquela frase de ’50 anos em 5′, e, nesse contexto de transformação, muitos negócios avançaram 5 anos nesse tempo crítico de pandemia”, avalia.
“Foi preciso entrar nos canais digitais para testar novas oportunidades para vender, de relacionar e também de suportar os clientes. Tudo foi um aprendizado e tudo foi muito novo, o que obrigou uma adoção muito veloz. Mas foi um aprendizado muito rico, que não se esvazia ao ter encerrado aquela fase crítica da pandemia, assim como a volta da atividade presencial. A gente vê com muita clareza que os negócios aprenderam a viver nesse ambiente e usufruindo do benefício desse ambiente de forma muito interessante”, sustenta o docente.
Não prevendo nenhum retorno para o seu funcionamento físico, o Paracone, por mais de três décadas, foi um point tradicionalíssimo nas noites da Capital. A loja até que tentou sobreviver durante a pandemia, mas, em setembro de 2022, sob pressão da inflação com preço “nas alturas”, vários entraves forçaram o fechamento de vez das portas do estabelecimento no bairro Santa Efigênia, na região Leste da Capital.
Ao assumir as operações da marca no mesmo mês de setembro, o empresário Matheus Daniel ressalta que a aposta durante a pandemia foi de digitalizar as operações. Com a boa performance, hoje, o Paracone é 100% digital. “O Paracone não teve outra escolha na época. A alternativa foi manter as suas atividades por serviços de entrega (delivery), o que tem garantido resultados por meio de um público fiel”, revela.
A marca, portanto, investiu na transformação digital do seu site, que virou de informativo ao modelo e-commerce, com catálogo atualizado de receitas, e serviço delivery adaptado à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), para oferecer segurança à experiência do cliente.

“Tudo parte da dor e não da tecnologia”
Não tem tanto tempo desde que foi criado em Belo Horizonte, mas o programa Varejo Inteligente Conecta tem sido um importante acelerador de processos de transformação digital no mercado. A iniciativa é fruto de uma parceria entre a Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas em Minas (Sebrae Minas). Já o objetivo é fomentar o desenvolvimento e a transformação digital de negócios por meio do conhecimento.
Devido ao fato de muitos negócios terem sido impactados pelo cenário pandêmico, o programa oferece uma imersão total no universo digital para se empreender com as ferramentas completas. São workshops, capacitações, consultorias e oficinas. Segundo a CDL-BH, todas as ações têm como propósito direcionar os empresários a definirem a jornada empreendedora por meio da inovação consciente e madura.
Dados da Receita Federal, levantados durante a pandemia, mostram um cenário alarmante. Naquela época, os comércios varejistas de vestuário e produtos alimentícios foram os nichos que mais fecharam as portas entre as PMEs em Minas Gerais, 33,7% e 33%, respectivamente.
“Infelizmente essa conta chegou para muitos pequenos empresários. A busca é sempre avaliar a possibilidade para a transformação digital do negócio. Digo a possibilidade pois é preciso olhar todo o sistema, o processo, o custo crucial de energia que implica fortemente no bolso do pequeno empreendedor. Tudo parte da dor e não da tecnologia”, avalia o especialista da UFMG.
Ele enfatiza que, para o diagnóstico, é preciso avaliar problemas específicos. Uma situação é em casos de quem tem infraestrutura e para quem não tem infraestrutura, ou que não requer um grande equipamento. Cada avaliação é específica. Segundo Ribeiro, há formas mais fáceis de avaliação. “Com uma análise correta para ter resultados necessários, reduzindo custos e aumentando o retorno financeiro, sem precisar de muitos investimentos ou quase nenhum, buscar ajuda é o primeiro passo”, conclui.
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