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Do ônibus ao tribunal: conheça a história da ‘moça do bombom’ que se tornou advogada

Dos desafios nas ruas à formação em Direito, Giselle conquistou sua independência financeira vendendo bombons nos ônibus de BH
Do ônibus ao tribunal: conheça a história da ‘moça do bombom’ que se tornou advogada
Giselle Coelho | Foto: Arquivo Pessoal

A ‘moça do bombom’ vende os doces que faz nos ônibus de Belo Horizonte desde 2015. Ao longo desses 10 anos, Giselle Coelho, 32, especializou-se na área, estudou finanças para administrar o próprio negócio, criou um curso para ajudar outras pessoas a empreenderem com bombons e se formou em Direito. Hoje, ela faz estágio no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), cursa uma pós-graduação em direitos dos vulneráveis e continua vendendo bombons no transporte coletivo. O valor é o mesmo praticado há anos: “um é R$ 3, e dois é R$ 5”.

“Muita gente acha que quem trabalha de forma ambulante é um ‘pobre coitado’ que não sabe o que está fazendo. A verdade é que é importante não subestimar os pequenos comerciantes, nem os pequenos começos. Tudo o que eu conquistei foi com os bombons, que me possibilitaram realizar um dos maiores sonhos da minha vida: me formar na faculdade. Entre idas e vindas, foram mais de 10 anos nessa missão. Lá atrás, quando comecei com os doces, eu fiz um curso de bombom e pão de mel, coisas de chocolate. Lembro que paguei R$ 50 nesse curso, e é o que sustenta a minha casa até hoje”, compartilha. Ela se tornou advogada no ano passado.

Giselle Coelho
Giselle Coelho em uma das estações do Move | Foto: Arquivo Pessoal

Giselle circula em cinco cabines do Move nas estações da Avenida Pedro I, Monte Castelo e Cristiano Guimarães, e se reveza entre seis linhas de ônibus que passam por elas. O trabalho ali começa às 14h, após a jornada no TJ, e vai até as 18h, gerando uma renda média de R$ 2,5 mil por mês. Antes de começar o estágio, quando dedicava seis horas diárias à venda dos bombons, ela tirava cerca de R$ 4,5 mil mensais.

“Eu estudei muito pra fazer o que eu faço. Fiz o curso de confeitaria, li vários livros de finanças e, com o tempo, fui aprendendo a administrar o meu negócio e a ver o que funcionava mais. Na época da pandemia, quando eu não podia vender no transporte público, eu vendia no iFood. Mas ali eu não tinha a opção de vender só bombom, eu tinha que ter mais opções para os clientes: coxinha de morango, pão de mel, tortinha. Mas percebi que, quando você diversifica muito o cardápio, além de precisar de uma quantidade maior de produto, a sua linha de produção fica mais bagunçada também”, explica.

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Focando só nos bombons, ela consegue trabalhar com poucos ingredientes e precisa de um valor menor para girar o seu negócio. “Mesmo trabalhando sozinha, eu consigo fazer uma grande quantidade de produtos, e quem entende de administração e gestão de negócios sabe que fica mais lucrativo escalar. A gente que trabalha por conta própria tem que ter uma responsabilidade muito grande, ser nosso próprio chefe, determinar horário, ter metas”, ensina.

O começo de tudo

“Eu tive um começo difícil. Comecei vendendo bombons na faculdade, lá em 2012, mas fui expulsa de casa em 2014. Cheguei a morar na rua nessa época. Comecei a ter alguns problemas de saúde mental em virtude dessa situação e fui acolhida no Centro de Referência em Saúde Mental (Cersam). Depois de um tempo, minha técnica de referência me perguntou o que eu precisava para voltar a trabalhar. Ela me deu R$ 200, que eu usei para começar a fazer doces e vender nos ônibus”, lembra. Giselle foi diagnosticada com transtorno bipolar tipo 1 (o mais grave).

A vivência no Cersam também foi o que a motivou, anos depois, a escolher fazer uma pós-graduação em direitos dos vulneráveis.

“Eu faço tratamento no Cersam desde essa época e vejo todos os problemas que as pessoas com sofrimento mental enfrentam no dia a dia, muitas vezes, por falta de apoio dos familiares e abandono. Muitas vezes, o único suporte é o Cersam”, relata.

A venda de bombons no começo também não foi fácil. “As pessoas ainda não me conheciam e o mineiro é muito desconfiado, né? Principalmente ao comprar algo de comer de quem não conhece. Mas, com o tempo e trabalhando sempre nos mesmos locais e nos mesmos horários, fui ganhando a confiança do público. Todo mundo me conhece como a ‘moça do bombom’. E muitos clientes sabem que eu me formei em Direito. Hoje, alguns me chamam de ‘doutora’”, diz a advogada.

Com a conquista de sua independência financeira, Giselle abriu novos caminhos. Ela também ensina a empreender com bombons em um e-book que disponibiliza pela Hotmart, e ensina macetes de vendas que aprendeu com os estudos e com a prática.

“Por exemplo, pela escala, eu não ganho na unidade, mas eu vendo uma quantidade muito grande. E percebi isso logo que comecei, fazendo um experimento. Ao invés de vender um bombom a R$ 2, eu consegui vender muito mais oferecendo três bombons a R$ 5, que era o preço que eu cobrava na época. Isso se chama elasticidade: você reduz um percentual no valor, mas ganha na margem. Ou seja, diminui o que ganha na unidade, mas ganha mais na quantidade”, diz.

O sabor de bombom que mais sai é o de maracujá. “O povo acha que vai ajudar a ficar mais calmo”, brinca.

A importância da formalização

Um dos módulos tratados no e-book “Viver de Bombons”, de Giselle, é como se formalizar e fazer o registro no MEI, um passo importante para quem deseja se aposentar, por exemplo, e garantir os seus direitos.

Apesar de existirem mais de 2,2 mil pequenos negócios voltados para serviços de ambulantes no setor de alimentação em Belo Horizonte, acredita-se que esse número seja subnotificado. Isso porque os dados contabilizados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) são os dos trabalhadores autônomos formalizados.

No caso desse tipo de comércio, a informalidade ainda é grande, devido à baixa barreira de entrada. “É aquela ideia de: ‘vou ali testar pra ver se funciona’. E depois, pelo desconhecimento mesmo. O negócio começa a dar certo e o empreendedor vai tocando a vida”, pontua o analista do Sebrae, Victor Mota.

“É importante ter uma formalização, já que esse empreendedor pode faturar até R$ 81 mil por ano, em torno de R$ 7 mil por mês. Os benefícios disso são a possibilidade de contratar um funcionário, por exemplo, assinar a carteira e evitar um processo na Justiça do Trabalho. Há também a questão da seguridade social. No caso de a pessoa sofrer um acidente e não poder trabalhar, ela consegue ser afastada pelo INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] e receber uma renda para não passar dificuldade. E isso é um fator muito relevante para quem é autônomo nessa atividade. Afinal, ao contribuir para a Previdência Social, a pessoa está garantindo a sua aposentadoria no futuro”, explica.

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Comerciantes vendem ‘comodidade’

Os comércios localizados em pontos de passagem em BH podem até concorrer com o e-commerce em algum momento, como aqueles que vendem toucas, luvas, capa de celular, por exemplo.

“Mas esses comerciantes vendem comodidade e imediatismo também. A pessoa está ali na rua vendendo touca enquanto está frio. Na internet, o consumidor teria que esperar o produto chegar. Ou então, ele está passando pelo Centro da cidade e está com sede, por isso, vai comprar uma água por ali. Assim, esse empreendedor entrega mais valor do que na internet neste ponto, já que tem o produto na hora que o cliente precisa. Este é o diferencial”, detalha Victor Mota.

Outros diferenciais que ajudam os negócios de rua a prosperarem são a qualidade e a inovação. Há várias possibilidades neste ramo, geralmente ligadas ao comportamento do consumidor.

“Há quem venda os produtos tradicionais, como cachorro-quente e hambúrguer, e há também quem inove, venda taco mexicano, por exemplo, de acordo com o momento. Essa inovação tem também a pegada de despertar a curiosidade, o desejo. Por outro lado, o que não é muito tradicional acaba ficando datado, pega as pessoas curiosas que passam por ali e consomem, mas depois acaba. É possível tanto investir no tradicional e básico bem feito, como ter um diferencial e inovar”, conclui.


Essa reportagem é a segunda de uma série de três matérias.

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