Consumo negro movimenta R$ 1,9 trilhão por ano no País
O consumo negro no Brasil vem se consolidando como um dos vetores mais promissores da economia nacional. Uma nova pesquisa do Instituto Akatu e do Instituto DataRaça, divulgada durante o Fórum Brasil Diverso 2025, em São Paulo, mostra que a população negra movimenta cerca de R$ 1,9 trilhão por ano em bens e serviços e que as marcas coerentes, inclusivas e autênticas conquistam vantagem competitiva e reputacional.
O estudo, intitulado “O Consumo Invisível da Maioria: percepções, gatilhos e barreiras de consumo da população negra no Brasil”, é a mais abrangente pesquisa já realizada sobre o tema no País. O levantamento mapeia comportamentos de compra, percepções e barreiras enfrentadas por consumidores negros e aponta os setores com maior potencial de crescimento e de fortalecimento de imagem.
Entre os dados mais relevantes, o estudo mostra que um em cada três consumidores negros sofreu discriminação ao tentar acessar produtos ou serviços no último ano. Ainda assim, esse público se mostra ativo e criterioso, disposto a premiar empresas que adotam práticas inclusivas e punir marcas associadas ao racismo. A análise indica que a inclusão racial deixou de ser apenas uma pauta social para se tornar um fator econômico estratégico.
Inclusão
A pesquisa reforça que a inclusão racial é hoje um fator de competitividade e reputação corporativa. Segundo o diretor-geral do Instituto Akatu, Lucio Vicente, os resultados mostram que as marcas que reconhecem e valorizam a população negra conquistam maior disposição de compra, recomendação e lealdade. “Onde a população negra se sente representada, há maior engajamento e fidelização. A inclusão passou a ser uma estratégia de prosperidade compartilhada”, afirma.
Para o presidente do Instituto DataRaça e fundador do Fórum Brasil Diverso, Maurício Pestana, o comportamento desse público está redesenhando o cenário de consumo e reputação no País. “O público negro premia coerência e pune incoerência. Quando a marca pratica o que comunica, na forma de atender, contratar ou se representar, ela conquista legitimidade e valor. O consumo se tornou um instrumento de transformação, e as empresas que entendem isso saem na frente em reputação, inovação e resultado”, observa.
O estudo indica que inclusão e desempenho econômico caminham juntos. Empresas que tratam a diversidade como eixo de negócio colhem ganhos em credibilidade e reconhecimento de marca, enquanto as que permanecem neutras tendem a perder relevância.
Poder de influência
O levantamento mostra um consumidor negro ativo, crítico e cada vez mais consciente do próprio poder de influência. Segundo a pesquisa, 37% afirmam já ter premiado marcas que respeitam a população negra, comprando ou recomendando produtos, enquanto 25% declararam ter punido empresas racistas, deixando de consumir ou fazendo críticas públicas.
O comportamento é ainda mais expressivo entre jovens de 18 a 34 anos e mulheres negras, considerados os grupos mais engajados e atentos às práticas de inclusão. Entre elas, 43% recompensaram empresas comprometidas com a equidade racial e 30% afirmaram ter boicotado marcas racistas.
Esses dados apontam que o consumo deixou de ser apenas uma escolha econômica e passou a representar valores e pertencimento. Jovens e mulheres se destacam como principais vetores de transformação, com influência direta em redes de consumo e opinião – um efeito que amplia o impacto da inclusão na reputação corporativa.
Novas pressões
A geração Z desponta como o principal vetor de pressão reputacional sobre as marcas. Entre os jovens de 18 a 24 anos, 74% afirmam perceber discriminação em experiências de compra ou acesso a serviços, mas 46% já premiaram empresas consideradas inclusivas.
Esse público, digital, plural e conectado, associa consumo a propósito e coerência. Para os pesquisadores, os valores dessa geração indicam que o futuro do consumo será guiado por autenticidade e representatividade, o que exige das empresas posicionamento real e políticas consistentes de diversidade.
O estudo também mapeou diferenças regionais relevantes. O Nordeste lidera o engajamento digital e o ativismo de consumo, com 67% dos respondentes usando redes sociais como principal fonte de informação sobre inclusão racial. O Sudeste se destaca pela confiança no YouTube (73%), enquanto o Centro-Oeste apresenta maior uso do WhatsApp (50%) como espaço de discussão sobre marcas e inclusão. Já o Sul é a região onde há maior percepção de barreiras raciais no consumo, e o Nordeste concentra os índices mais altos de otimismo sobre o poder transformador das marcas.
Diversidade se torna imperativo econômico
A pesquisa “O Consumo Invisível da Maioria” mostrou, ainda, onde estão as principais oportunidades de crescimento e reputação para as marcas no País. E-commerce, higiene e beleza, moda e bancos são os setores mais bem avaliados em inclusão racial, todos acima de 70% em representatividade e atendimento. Já bebidas, medicamentos e indústria alimentícia aparecem abaixo da média nacional e têm espaço relevante para reposicionamento.
O varejo físico, especialmente supermercados e shoppings, concentra os maiores índices de discriminação, mas também é apontado como o ambiente com maior potencial de avanço com treinamentos, protocolos de acolhimento e métricas de experiência inclusiva.
A representatividade real segue como fator decisivo. A presença de pessoas negras em campanhas é o principal motivo de percepção positiva. O uso superficial da cultura negra e a ausência de ações consistentes estão entre os erros mais citados. Para 64% dos consumidores, retratos positivos aumentam a confiança; para 69%, a falta de profissionais negros em liderança reduz a autenticidade das marcas
O estudo também destaca o potencial das classes A e B negras, grupo disposto a pagar mais por produtos e serviços alinhados a respeito e representatividade. O segmento premium ainda é pouco explorado e abre espaço para setores como moda, beleza, gastronomia, hotelaria e lifestyle.
Dois indicadores inéditos reforçam o cenário: o Índice de Barreiras à Inclusão Racial (59,5 pontos) e o Índice de Etnocentrismo Racial (36,5), ambos úteis para orientar políticas de diversidade. A confiança nas empresas é maior do que no poder público, mas ainda limitada. ONGs e instituições religiosas lideram em credibilidade, enquanto redes sociais e influenciadores se destacam como canais de referência, sobretudo entre mulheres e jovens.
A pesquisa aponta que consumidores negros diferenciam claramente o papel das marcas e dos governos. Cabe às empresas garantir representatividade e respeito nas relações de consumo, enquanto cabe ao Estado enfrentar desigualdades estruturais. O estudo destaca ainda a relevância de ONGs e coletivos, citados por 68% dos entrevistados como essenciais para promoção da equidade.
Apesar dos avanços, o racismo estrutural segue presente. Um em cada três consumidores negros relatou discriminação no último ano, principalmente em lojas de varejo, supermercados e shoppings. O estudo conclui que consumo passou a expressar pertencimento e identidade, e que diversidade deixou de ser apenas pauta ética para se tornar imperativo econômico. Marcas coerentes e consistentes tendem a conquistar fidelidade, reputação e crescimento sustentável.
As conclusões da pesquisa reforçam que o comportamento de consumo da população negra já molda decisões de investimento e posicionamento no setor privado. Empresas que adotam políticas permanentes de diversidade tendem a capturar esse mercado em expansão, enquanto ações pontuais ou simbólicas perdem eficácia diante de um público mais atento à coerência das marcas.
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