Couro de peixe é valioso na indústria da moda

Produtos confeccionados a partir de couro de peixe, de avestruz e de répteis abastecem um nicho de mercado bastante exigente.
“Nicho envolve a questão de moda, que vai e vem. Moda sempre volta”, comenta o pesquisador Manuel Antônio Chagas Jacinto. Segundo ele, no caso de peles convencionais, esse fluxo é perene e mais dinâmico porque, de um ano para o outro, as feiras internacionais ditam as tendências.
No caso das peças feitas a partir de couros de bovinos, caprinos, ovinos e até suínos, os fabricantes adequam, sugerem acabamentos e cores diferentes, inovam nas estampas.
“Já as peles de nicho, nas quais o couro de peixe se insere, vão e voltam com mais ou menos força dependendo do ano. Elas são produzidas sempre, tipo underground, e depois a procura dá um boom, em seguida volta ao estado anterior, mas nunca acaba”, garante.
Nina Braga é diretora do Instituto E, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) que atua na criação e gestão de uma rede voltada ao desenvolvimento humano sustentável.
Segundo ela, a organização desenvolve projetos como o e-fabrics, que identifica matérias-primas sustentáveis que possam ser utilizadas pela indústria têxtil e pela cadeia produtiva da moda, estimulando a cultura de consumo consciente.
O projeto promove estudos de impactos socioambientais no processo produtivo, a preservação da diversidade e das relações sociais com comunidades, criando produtos com design.
Entre 2000 e 2006, o projeto foi incubado pela Osklen, uma das maiores fabricantes de peças de couros não convencionais do mercado mundial. Em 2007, o e-fabrics foi lançado na São Paulo Fashion Week. O projeto levou Nina Braga a conhecer melhor o manejo sustentável do pirarucu na Amazônia, prática adotada pelo instituto Mamirauá há 20 anos.
Nina Braga tem conectado os ribeirinhos ao mercado da moda, articulando os atores que fazem parte dessa cadeia. Em janeiro ela esteve na Neonyt, uma feira voltada ao conceito de fashionsustain (moda sustentável). O evento reuniu em Berlim atores ligados ao mundo da moda, mas que operam dentro de uma abordagem voltada para o futuro, conectando tecnologia e conscientização sustentável. A Neonyt propõe a condução de um processo de mudança na indústria da moda, prevendo lucros não apenas para empresas, mas também para as pessoas e o meio ambiente.
Piracuru no foco – “O mercado de couro de peixes está se expandindo. Hermès e Armani estão produzindo. A Osklen, que é pioneira nesse processo no mundo, aposta muito nesse nicho”, afirma.
Nina Braga conta que o mercado se interessa bastante quando descobre o conceito de sustentabilidade por trás das peles.
“Quando ficam sabendo que é desmatamento zero, que aumenta a renda dos ribeirinhos, que o peixe é fonte de proteína para essas comunidades amazônicas e que a pele seria descartada, eles querem o pirarucu”, relata ela, ressaltando a tendência de crescimento do mercado desse couro.
“Se uma bolsa Chanel custa US$ 5.000, o consumidor consciente prefere pagar US$ 1.500 em uma bolsa de pirarucu que tem um conteúdo socioambiental mais rico”, avalia.
Em novembro de 2018, Gisele Bündchen desembarcou no Brasil com uma bolsa feita de couro de peixe de R$ 3,9 mil. O custo alto é explicado pela logística complicada.
Segundo a diretora do Instituto E, o material sai refrigerado de Jutaí, no Alto Solimões, para uma viagem de 26 horas em lancha rápida. Depois é transportado por cinco dias em caminhões com câmera fria.
“E ainda fazemos questão de remunerar bem os ribeirinhos”, explica.
Eduardo Filgueiras, sócio da Nova Kaeru, no Rio de Janeiro, um dos maiores curtumes especializados do País, trabalha atualmente com pirarucu e salmão. O curtimento de couros de peixe começou em 2008 e, segundo ele, até 2014 o ritmo foi lento. Em 2015, a procura aumentou nos Estados Unidos e há uma tendência de utilizar essa matéria-prima na moda country. Ele conta que na Europa o mercado é cíclico: lançam produtos em uma coleção e às vezes não utilizam na seguinte.
“Praticamente fomos nós que colocamos esses couros no mercado internacional”, afirma.
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