Cria Café aposta em grãos especiais do Sul de Minas

Nada melhor pra começar o dia, o ano, ou uma boa prosa do que um cafezinho. Por isso, a primeira edição de “Gastronomia” de 2025 convidou um publicitário que é tão apaixonado por cafés especiais que fez deles negócio e filosofia de vida.
Alessandro Almeida é sócio-fundador da Cria Café – Cafés especiais. Junto com a esposa Jéssica Almeida – ambos apaixonados por café -, eles começaram uma jornada extraordinária, mergulhando nos segredos dos cafés especiais e se tornaram estudantes da terra, aprendendo a linguagem sutil das plantações, a dança das estações e a alquimia que transforma grãos em poesia líquida.
O Brasil é o maior produtor mundial de café, e Minas o maior produtor brasileiro. Isso faz de algumas cidades mineiras verdadeiras potências globais. Mas isso está, ainda, muito ligado às commodities. O café especial é algo relativamente recente no Brasil. Então, como um publicitário e uma enfermeira tomaram a decisão de se aventurar por esse mundo?
A Cria Café não tem esse nome por acaso. Eu sou publicitário da indústria criativa e até alguns anos atrás eu nem gostava de café. Eu não gostava de café porque me fazia muito mal, me dava muita azia, e eu não conhecia café especial. Dados de 2023 mostram que só 2% da população do Brasil sabem o que é café especial, é um número muito baixo, mas em contrapartida, é uma categoria que cresce 23% ao ano, enquanto o café normal apenas 2%. A Cria Café nasce exatamente nesse momento, quando eu descobri o café especial, por meio divino. Foi um amigo da igreja, o Pedro – que é dono do Comercial Sabiá -, que numa reunião me ofereceu café. Quando eu disse porque não tomava, ele respondeu que era porque eu não conhecia o café especial. Ele nos convidou para conhecer uma fazenda. Passamos por todo o processo, colhemos o café no pé. Vimos o processo de beneficiamento, de peneira, de secagem, até experimentar o café. Naquele dia mesmo eu propus: “Vamos fazer disso um negócio de vida”? Naquela época, a Jéssica ainda trabalhava no hospital. Fomos para casa, começamos a planejar um modelo de negócio, começamos a fazer cursos, estudamos bastante e, em fevereiro de 2024, inauguramos a Cria Café. Já tínhamos participado da SIC (Semana Internacional do Café), onde a gente viu que era aquilo que a gente queria. A Cria Café tem esse nome exatamente porque eu vinha da indústria criativa e queria um café criativo. E cada um dos perfis dos nossos cafés tem um nome relacionado ao mundo da criatividade. O nosso primeiro café foi o Inspira. Hoje temos o Feeling, o Insight, o Essência, o Impulso e o Inspira, cada um com suas características, notas e sabores.
Essa é uma decisão corajosa, porque vocês já tinham carreiras consolidadas. Como é trabalhar em casal?
É lógico que a gente vai aprendendo, não conseguimos prever tudo. É difícil planejar sensações, emoções, sentimentos. O que a gente planejou foi o negócio. Nós já começamos com um turbilhão de emoções, desde a nossa primeira ida à SIC. O nosso estande, por exemplo, foi muito emocionante pra gente porque foi onde a gente descobriu o mundo do café e também as primeiras dificuldades.
E agora vocês vão enfrentar um grande desafio, quase um novo negócio. Vocês estão partindo para a loja física. Esse era um pedido do público?
É um desafio enorme, porque empreender no Brasil já é desafiador, e a gente tinha ainda um pouco do conforto de vender on-line. Já tínhamos infraestrutura e conhecimento. Estamos no meio do processo de inaugurar a loja no começo de fevereiro. Estamos no meio desse turbilhão de emoções, mas é muito gostoso ver de onde a gente saiu, como era a nossa cabeça naquele momento, onde a gente já está e as possibilidades de onde a gente vai chegar.
No varejo digital a venda é uma coisa impessoal, mesmo que a tecnologia permita uma boa interação entre vendedor e consumidor. Uma loja física, especialmente onde o cliente vai poder degustar o produto, exige outro tipo de atendimento e de qualificação da equipe, certo?
É isso mesmo. A gente foi muito acolhido pelo mundo do café, diferentemente do que acontece na maioria dos mercados. Foi como nas nossas famílias, quando alguém chega, a primeira coisa é oferecer um cafezinho. Entendemos a nossa responsabilidade, tanto na venda do produto café quanto o que vai ser na loja. Treinamos a equipe para fazer exatamente isso. O nosso slogan é: “Mais importante do que o nosso café ser especial é fazer café para o cliente se sentir especial”. Isso é uma retribuição. Estamos devolvendo para nossos clientes o que recebemos quando entramos no mundo do café.
Para facilitar a compreensão, muita gente faz um paralelo entre o mundo do café e o mundo do vinho. Isso está correto?
Sim, essa é uma comparação muito boa. O terroir diz qual o perfil daquela região, para qualquer produto, seja o vinho, o café ou o azeite, por exemplo. Nesses casos, a altitude é muito importante. A Serra da Mantiqueira, onde nosso café é plantado, está a mil metros de altitude. Então, é um café arábica de muita altitude. Isso acaba influenciando muito nesse perfil sensorial, ou seja, quais são as notas ou sabores que esse café vai trazer. O nosso café Inspira tem notas de limão cravo, rapadura e melaço, ou seja, quando a pessoa bebe esse café, ela vai sentir um nível de acidez do limão cravo, mas vai sentir no final um retrogosto da rapadura e do melaço. E aí, em todo evento de harmonização, alguém diz que não sentiu o limão cravo. Então eu pergunto se ela já chupou limão cravo. Se não chupou, ela vai sentir uma acidez, mas não tem uma memória gustativa que permita saber que é limão cravo. Existem cafés com notas super complexas, mas a gente sempre busca trazer as notas mais comuns para aproximar o nosso café do público. Outra coisa que falamos sempre é que o café não tem que ser bom para mim, tem que ser bom para quem bebe.
Vamos falar sobre a pontuação, que é uma curiosidade de muita gente. Quem dá essa nota e quais são os critérios?
O café tem categorias de acordo com o nível de complexidade, do processo de plantio até chegar à xícara. Então o café de entrada é o café normal que a gente compra no supermercado. O café gourmet é acima desse café de entrada e vai até 79 pontos. A avaliação é feita de acordo com o número de imperfeições que o café tem. No Brasil quem cuida disso é a Associação Brasileira de Cafés Especiais. Para ser especial, o café tem acima de 80 pontos. Entre os critérios analisados estão algumas características como o processo de plantio, o tamanho do grão, como ele secou, qual a complexidade de sabores e notas que ele tem. Eles avaliam o café verde, o torrado, o moído e o passado. Essa pontuação é válida mundialmente. Hoje na Cria todos os nossos cafés estão acima de 85 pontos.
E o que falta para que o café especial fique financeiramente mais acessível? E o mundo já sabe que Minas tem cafés especiais?
O nosso trabalho é exatamente esse de evangelizar, de mostrar o café especial. Como eu falei, só 2% da população do Brasil sabe o que é café especial, então, a gente tem um oceano gigante para nadar, para mostrar para as pessoas que existe um produto de ótima qualidade, que não faz mal, que tem uma comprovação de qualidade. Chegamos recentemente do Chile, e eles amam o café brasileiro e têm um volume de cafeterias enorme. Eles saem de casa para beber café especial brasileiro. No Brasil as redes de cafeteria estão crescendo, mas ainda com um perfil de consumo muito diferente do que a gente acompanha fora.
Muita gente resiste ao café especial por entender que ele é “fraco”. Quais dicas você dá pra quem quer começar a entender esse universo?
A dica é experimentar. Como eu disse, o café tem que ser bom pra quem bebe, então busque o seu. Se você gosta dele bem docinho, coloque o açúcar. O café é democrático. Mas eu, particularmente, digo que não precisa de açúcar, tá?
O café é também apreciado como um ingrediente versátil, capaz de fazer parte de pratos salgados, sobremesas e compor drinques e outras bebidas. No site vocês sugerem harmonizações. Você pode sugerir uma harmonização diferente, inusitada, ou um prato em que você adicione café como ingrediente?
Nós entendemos muito cedo que uma das formas de mostrar para as pessoas como é legal se abrir para esse mundo novo, é trazer o café para dentro da realidade delas. Então, criamos a Cria Experiência. Nós harmonizamos o café com alguns itens ou de uma forma que as pessoas nunca pensam. No inverno do ano passado, com a ajuda de um grande amigo mixologista, desenvolvemos um quentão de café. Ficou espetacular! E na parte de comida, a gente harmoniza muito o café com itens que as pessoas nunca imaginaram. O Café Impulso, por exemplo, harmonizamos com uma geleia de laranja porque é um café que tem notas de laranja e pêssego. Já fizemos a harmonização com bife ancho, com arroz de pato… É muito legal mostrar como o café é um produto versátil que pode entrar nos doces, nos salgados, harmonizando ou fazendo parte. Na nossa cafeteria, teremos um pudim de café que é maravilhoso. Com ele você vai perceber essas notas do café de um jeito totalmente diferente. A nossa proposta é essa.
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