Dengo Chocolates inova com premissas “fora da curva”
O tom de voz baixo e a conversa serena só fazem com que as mensagens do fundador e CEO da Dengo Chocolates, Estevan Sartoreli, se tornem ainda mais objetivas e certeiras. Nascido em Itu, no interior de São Paulo, o executivo passou boa parte da sua carreira no marketing da Natura. Hoje, comanda uma marca que, além de admirada pela qualidade, é um negócio de impacto social, resgatando a cadeia produtiva do cacau no Sul da Bahia.
Lançada em 2017, a Dengo Chocolates mistura ingredientes brasileiros e explora toda a versatilidade do cacau, priorizando a relação com o pequeno e médio produtor. Já são mais de 150, cuidando de todos os detalhes, do plantio ao produto, mantendo, assim, o ciclo constante e sustentável.
O compromisso da marca é capacitar o produtor e pagar o melhor preço do mercado, contribuindo para a transformação da vida de cada um, podendo, assim, permanecer nas suas terras.
E foi na sua passagem por Belo Horizonte, para participar do 8º Fórum Anual das Médias Empresas, realizado pela Fundação Dom Cabral (FDC), que Estevan Sartoreli recebeu o DIÁRIO DO COMÉRCIO para uma conversa “sem pressa” sobre negócios, ESG, mercado mineiro e, claro, chocolate! Confira a seguir!
Vamos contar a história do início. A Dengo nasceu em 2017 e foi rapidamente reconhecida como uma marca de excelência. Você passou pela Natura, então responsabilidade ambiental e sustentabilidade já faziam parte do seu dia a dia. Mas como um executivo de marketing da Natura virou fundador e CEO de uma fábrica de chocolates?
Sou engenheiro de produção. Tão logo me formei em São Carlos (SP), comecei a trabalhar na Natura. Fiquei lá por 12 anos até sair para um ano sabático, em 2014. Fiz turismo, mas usei boa parte desse ano para o que deve ser um sabático: refletir e buscar novas oportunidades. Pensei em voltar para a academia e submeti projetos a algumas pós-graduações fora do Brasil, mas nunca fui aceito porque, embora o projeto fosse bom, eu não tinha um currículo acadêmico. Olhando em retrospectiva, os “nãos” foram bons porque me obrigaram a abrir os olhos para outras possibilidades que tinham mais a ver com o meu jeito de ser.
Eu queria um trabalho com propósito, estava encantado com as possibilidades das indústrias 2.5, que operam adotando várias práticas que em outros tempos eram exclusivas do terceiro setor. Abri, então, uma empresa de consultoria especializada em desenvolver projetos nessa área. Era um jeito de aprender e praticar. E um dos meus primeiros trabalhos foi para o Instituto Arapyaú, criado pelo Guilherme Leal, meu ex-chefe na Natura. Ele tinha uma casa de veraneio em Itacaré (Sul da Bahia) e criou esse instituto para melhorar a saúde, a educação e a qualidade de vida das pessoas que viviam naquela região. Fui lá para revigorar e reestruturar a economia cacaueira, arruinada em 1989 por causa de um fungo que destruiu boa parte das plantações.
Com o tempo percebi que precisava fazer mais, precisava fechar o circuito para que aquelas pessoas pudessem realmente se apropriar do bem que produzem e ter uma vida melhor. Assim surgiu a Dengo, um negócio com propósito social. Para que isso desse certo, eu tinha uma certeza, precisávamos oferecer um produto diferente, não adiantaria fazer mais do mesmo, isso seria contrário a tudo o que tínhamos desenvolvido até aquele momento. Então resolvemos que faríamos o melhor chocolate que aquela matéria-prima fantástica fosse capaz de nos oferecer.
Historicamente, o estado da Bahia foi um grande produtor de Cacau que sofreu com a defasagem técnica e tecnológica. Como foi resgatar a autoestima desses pequenos produtores? Por que é também uma questão de autorreconhecimento, não é?
Quando começamos, menos de 10 pequenos produtores aderiram ao nosso projeto. Acho que eles olhavam pra mim e pensavam: “Mais um branquelo do Sul que vem aqui nos ensinar a viver…”. Então trabalhamos muito para mostrar a nossa competência e seriedade. Damos capacitação para que eles produzam cacaus de qualidade superior e remuneramos de maneira transparente e justa essa qualidade. Pagamos um preço bem maior do que o pago na cotação internacional. Cada lote é avaliado individualmente, para seu real valor ser determinado a partir de critérios técnicos. Alguns produtores recebem 70% a mais, outros 160%. No último ano, a média foi praticamente o dobro do que é pago pelo mercado. Nosso objetivo é gerar valor compartilhado.
Vocês hoje têm 150 produtores e querem chegar a 3 mil, até 2030. Não é pouco tempo?
Não porque já quebramos a barreira da desconfiança mostrando resultados. Hoje os produtores querem participar. Claro que temos que fazer isso medindo bem a nossa capacidade de produção e distribuição. A fábrica vai ser ampliada no ano que vem para conseguirmos integrar mais produtores.
Vocês hoje têm 38 lojas no Brasil e, em 2023, a Dengo iniciou o seu processo de internacionalização com a abertura de sua primeira loja em Paris. Por que essa opção pela internacionalização mesmo sem estar, sequer, em todas as capitais brasileiras?
Fazer a internacionalização não era uma necessidade, mas um desejo que se casou com uma oportunidade. Sempre pensamos que se fôssemos nesse caminho deveríamos investir em um país em que a população já desenvolveu um certo grau de consciência para o consumo responsável e capacidade econômica para isso. Além disso, um lugar que recebesse bem marcas brasileiras. A França reúne essas características e é um polo que irradia tendências para a Europa e o mundo. Aconteceu que um investidor francês, que veio para o Brasil por um motivo familiar, conheceu e se encantou pelos produtos e pela história da Dengo. Então, depois de verificarmos que realmente temos um encontro de propósitos, fechamos essa parceria e ele é o nosso sócio em território francês. Devemos abrir mais duas lojas em Paris até o ano que vem.
Já existem planos para outras cidades da Europa ou EUA?
Não. Vamos primeiro nos consolidar em Paris para depois pensar nisso. A nossa prioridade segue sendo o Brasil. Em 2024, a partir do aumento da nossa capacidade de produção, queremos ter mais um ciclo de expansão de lojas pelo nosso País, incluindo as capitais e cidades que são centros de desenvolvimento.
Falando sobre o mercado mineiro, hoje vocês têm apenas uma loja no Estado, que fica no BH Shopping, na região Centro-Sul da Capital. Você já disse que Belo Horizonte é, hoje, a sua praça mais difícil. A que atribui isso? Pensa em outras lojas aqui ou no interior de Minas?
Belo Horizonte não é tida como uma praça teste para quase todo tipo de produto à toa. O mineiro é apegado às suas próprias marcas e às que já conhece. Ele prova, gosta, mas resiste. Depois, prova de novo, pergunta de onde é… é um processo lento. E existem outros fatores que não podem ser ignorados nesse momento, como o preço. A cidade saiu muito “machucada” da pandemia e o nosso preço ainda é considerado alto diante da concorrência. Mas também sei que depois de conquistado, o mineiro se torna um consumidor fiel. Então queremos mais esse selo de qualidade que é a aceitação do público de Belo Horizonte. E é claro que queremos ter presença em outras cidades importantes de Minas Gerais no próximo ciclo de expansão das lojas, mas por enquanto todo mundo pode pedir os produtos Dengo pelo e-commerce.
Você é bastante requisitado para eventos que falam sobre ESG, indústria 2.5, capitalismo consciente e outros temas relacionados. Como você avalia a maturidade dessa pauta no Brasil?
Sim, sou bastante convidado mas estou diminuindo a minha frequência nesses eventos. Tenho sentido que falamos sempre para as mesmas pessoas, estamos pregando para convertidos. Temos que partir mais para a ação. A Dengo é um case porque conseguimos dar concretude ao nosso discurso.
As pessoas não querem mais comprar uma salvação milagrosa. Elas querem ver se você faz aquilo que diz, se é capaz de entregar o que promete. Uma sociedade responsável, equilibrada e minimamente saudável precisa dar oportunidades dignas para todos. Temos, ainda, uma elite que gosta de ganhar destaque porque tem o que os outros não podem sequer sonhar. Não existe sociedade que se desenvolva assim. Quando uma pessoa pobre – ou que é parte de um grupo de minorias – melhora de vida, ela não tira a oportunidade de ninguém. Ao contrário, ela gera riqueza e o país inteiro ganha, o mundo todo melhora.
Quais os principais desafios para que iniciativas responsáveis e com propósito como a Dengo cheguem a mais pessoas e gerem impacto positivo para toda a cadeia, dos fornecedores de matéria-prima aos consumidores?
Existe o desafio da precificação. Os produtos Dengo não são baratos, mas tem um preço justo. Mas isso ainda não é o suficiente no Brasil. Produtos que têm essas características ainda chegam muito caros para as pessoas e acabam restritos a uma parcela da população que já deveria estar educada para a sustentabilidade e que tem acesso amplo a produtos saudáveis. Temos que trabalhar as cadeias produtivas para que isso seja possível e, inclusive, rever as nossas margens de lucro e as políticas internas de remuneração. Pesquisas mostram que a distância entre a menor e a maior remuneração dentro das grandes empresas brasileiras é indecente. Precisamos entender que quando fazemos uma distribuição mais justa dos recursos, todos melhoram, incluindo os que estão no topo da pirâmide.
Outro desafio gigantesco é a comunicação. Precisamos “desintelectualizar” as discussões sobre sustentabilidade para conscientizar público, sem ser “ecochato”, panfletário ou parecer ativista em excesso. E esse equilíbrio é muito difícil de encontrar. Hoje, quando fazemos um post sobre os benefícios de termos um chocolate sem adição de açúcar, as reações são baixas. Quando colocamos a foto de um produto lindo e só falamos sobre o sabor, o engajamento é enorme. Então, precisamos encontrar a melhor forma de falar com cada público e apostar mais na ação. É a prática que convence as pessoas.
Confira um trecho da entrevista:
Ouça a rádio de Minas