Gastronomia

Eduardo Maya: Minas tem, hoje, uma das melhores gastronomias do Brasil

Confira a entrevista com estudioso da cultura culinária e responsável pela criação de festivais que hoje rodam o Brasil, feiras e eventos que valorizam a produção local
Eduardo Maya: Minas tem, hoje, uma das melhores gastronomias do Brasil
Crédito: Diário do Comércio / Breno Ribeiro

Eduardo Maya é um dos nomes mais conhecidos e conceituados da moderna gastronomia de Minas Gerais. Responsável pela criação de festivais que hoje rodam o Brasil, feiras e eventos que valorizam a produção local, ingredientes tradicionais, técnicas e métodos típicos da cozinha brasileira e, especialmente, da mineira, o chef é, antes de tudo, um estudioso da cultura culinária e sabe, como poucos, potencializar todo esse conhecimento em prol de uma vida melhor para todas as pessoas. 

E foi para falar da paixão pela cozinha mineira, a relevância dos festivais de gastronomia, a importância e as políticas públicas para o setor, e claro, sobre os sabores e temperos que fazem a gastronomia do Estado ser reconhecida pelo mundo, que Eduardo Maya aceitou o convite do DIÁRIO DO COMÉRCIO para inaugurar uma série de entrevistas com profissionais da gastronomia mineira, que estará disponível também em vídeo no site. Basta acessar o QR Code ou o site www.diariodocomercio.com.br/gastronomia.

Você é conhecido pela sua paixão e dedicação à cozinha mineira, mas você nasceu no Rio de Janeiro. Como esse fluminense se transformou em um “mineirin da gema de ovo caipira”? 

Eu tive oportunidade de morar em outras cidades mas, muito tempo antes, eu tinha esse desejo de residir em Belo Horizonte. Eu gosto do jeito do mineiro ser. O Estado tem uma gastronomia autêntica, que as pessoas consomem no seu dia a dia e existe restaurante de comida mineira em todas as capitais e grandes cidades do Brasil. Isso é muito interessante e demonstra a qualidade não só da tradição, mas do que é feito aqui nos dias de hoje.

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Até pouco tempo atrás ninguém queria ser “cozinheiro”. Nos últimos anos, acompanhamos uma revalorização da atividade e o crescimento da figura do “chef”. Muita gente aponta isso como uma consequência dos realities shows de culinária. Quais as vantagens e perigos dessa, digamos, glamourização da cozinha? 

Para quem chegou primeiro, e eu me incluo nessa lista, o esforço foi muito grande para mostrar que o que fazemos é glamouroso. Quando eu comecei a falar de gastronomia, lá atrás, no Comida de Buteco, no ano 2000, ninguém sabia o que era um queijo mineiro. “Olha, nós temos queijo mineiro, não é queijo Minas. Tem queijo Minas artesanal com quase 300 anos de história”. Começamos a valorizar esses produtos, a falar de maturação, da Canastra.

Então é isso, nós temos primeiro que educar. E o mais importante, as pessoas até muito pouco tempo atrás tinham vergonha da comida mineira. Muita gente, principalmente os grandes chefs. Os caras não “botavam angu” no cardápio de jeito nenhum. Ele podia até colocar uma polenta, mas angu, não! Angu era comida de cachorro. Então, nós começamos a “catequizar” o consumidor, e tinha muita gente envolvida nessa história, como o Eduardo Avelar e o Alex Atala, por exemplo.

Vejo com algumas ressalvas essa coisa de todo mundo querer ser “chef”. Isso não faz bem nem para a gastronomia, nem para essas pessoas. Considero que existem poucos chefs no mundo. Não é um avental ou um diploma que faz de alguém chef. Nem mesmo o domínio das técnicas. Para ser um chef é preciso além de dominar tudo isso, ter inventividade, ser capaz de criar algo novo que não se desfaça das tradições e conhecimentos clássicos. É preciso dar alma ao que se faz. Ao mesmo tempo, ninguém precisa ser um chef para ser um ótimo profissional da gastronomia. Existem muitas atividades no nosso setor. Vai do comando da cozinha à criação de produtos alimentícios, à gestão de um restaurante, por exemplo. Temos uma infinidade de atividades e precisamos de bons profissionais em todas elas. 

Você é um dos criadores do maior festival de comida de boteco do Brasil, que hoje se espalha pelo País todo, movimentando a economia e gerando milhares de empregos. Qual importância você vê nesse e em outros festivais? 

Tenho muito orgulho de ser um dos criadores do Comida de Buteco. Hoje ele está em todos os estados e modificou o entendimento sobre a palavra Buteco. Fomos capa do “New York Times” mais de uma vez. A importância dos festivais é muito grande. Eles reconhecem e dão visibilidade aos pequenos produtores, ao conhecimento ancestral, geram orgulho e pertencimento, colocam cidades no mapa. Mas isso só acontece quando é uma coisa legítima, que não é feita só para ganhar dinheiro e “colocar” a cara do produtor na televisão.

Hoje, com o Aproxima, eu sinto isso o tempo todo. Essa semana uma senhora chorou quando eu disse que ela vai participar da próxima edição. Ela chorou por todos esses motivos e porque entende que a feira é uma chancela para que ela alcance um novo público e venda mais. 

Vamos falar mais da gastronomia mineira, o que faz da nossa cozinha algo especial, capaz de ser reconhecida mundialmente? 

Primeiro tem a diversidade da nossa natureza. Temos três biomas totalmente distintos, o que nos dá uma variedade de sabores e saberes rara no mundo. Ao mesmo tempo, estamos no meio do País e aprendemos com os nossos vizinhos. Se no Norte a comida tem algo da Bahia, no Triângulo a influência é do Centro-Oeste. E mais: gente de todo lugar passa por aqui e deixa seus conhecimentos e nós misturamos isso muito bem, dando a nossa identidade. 

Você acha que em termos de políticas públicas e de ações da iniciativa privada, nós já conseguimos explorar esse potencial ou ainda falta muito? O que precisa ser feito? 

Teve um marco que dividiu o antes e o depois da política pública da gastronomia: foi quando nós levamos Minas para o Madrid Fusion, em 2013. Lembro que o Leo Paixão foi… Ali foi o marco. Hoje, quando você viaja, você precisa de quê? Você precisa de infraestrutura, comunicação e uma boa cozinha. Você tem que ter estradas, acesso, comunicação e alimentação. Se você tem esses três aí, você tem tudo. 

Minas Gerais, tem um potencial imenso de gastronomia. Eu acredito que nós somos a melhor gastronomia, a mais interessante do Brasil. Sem a menor sombra de dúvida. A cozinha mineira é muito acolhedora. Cada vez mais você vê a Belotur soltando editais, incentivando. É importante que isso aconteça, ajudando os festivais. E o governo do Estado fortalecendo isso lá fora, mostrando a nossa política. E o resultado está aí.

Existem os produtos que todos reconhecem como mineiros – café, queijo, cachaça, pão de queijo… e outros que começam a aparecer como vinho e azeite, por exemplo. Quais outros ingredientes ou produtos você identifica com o mesmo potencial e que as pessoas ainda precisam descobrir?

Existe muita coisa boa espalhada pelo Estado. Somos muito diversos. O pequi que se come no Norte de Minas, mal é conhecido no Sul. Sabores da Serra da Mantiqueira, como as trutas, não chegam ao Jequitinhonha, por exemplo. Mas, se eu puder dar um destaque, acho que as frutas do cerrado ainda precisam ser mais divulgadas. Existe uma riqueza de sabores e usos que não exploramos.

De tudo o que você faz, é possível dizer o que te dá mais prazer? 

Cada vez mais a gente inventa umas coisinhas. Mas o meu negócio mesmo é evento. Em São Paulo a gente faz o Padocaria SP. Deu super certo, já está no quarto ano. Queremos trazer aqui para Belo Horizonte em 2025, vai ser um desafio muito grande. É o que eu falei, eu vou fazer um evento para dar chance para todo mundo, para aproximar, para poder ajudar o máximo de pessoas possível. E por que eu vou fazer o Padocaria aqui em Belo Horizonte? Para a gente mudar a forma de consumir uma padaria. Você pode consumir a padaria, você pode dar oportunidades para o cara que tem uma padaria de faturar muito mais. O cliente pode frequentar a padaria, ele pode tomar café na padaria. No meio da tarde, o lanchinho da tarde, no final da tarde, um happy hour, pizza, e lá pelas 11 horas, caldo. É assim que funciona lá em São Paulo. Já conversamos com o pessoal do sindicato. Eu sempre peço bênção de todo mundo, eu nunca imponho, eu nunca faço top-down. Se o presidente do sindicato fala, “não“, “não traz esse negócio pra cá não, pois vai atrapalhar“, eu não trago. Mas se todo mundo “pular pra dentro do barco”, se todo mundo ficar on board, como dizem os americanos, a gente consegue transformar. E consegue sim melhorar, melhorar o faturamento, melhorar o pão e a vida de todo mundo.

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