Negócios

Empresários negros foram mais afetados na Pandemia

Dados são de levantamento do Sebrae
Empresários negros foram mais afetados na Pandemia
Sebrae aponta que 72% dos empreendedores negros consultados ainda estão com o faturamento abaixo do patamar pré-crise | Crédito: Pixabay

Pequenos negócios liderados por pessoas negras sentiram mais as quedas no faturamento diante da pandemia da Covid-19. A recuperação mais lenta dos empreendedores está registrada na 13ª Pesquisa de Impacto do Coronavírus no Pequenos Negócios, feita pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e a Fundação Getulio Vargas (FGV). 

De acordo com dados do levantamento, realizado no período de 25 de novembro e 1º de dezembro do ano passado, com 6.883 respondentes de todo o País, 72% dos empreendedores negros ainda têm faturamento inferior do que aqueles obtidos em meses tido como “normais” ou antes da pandemia

Enquanto isso, no caso de negócios de pessoas brancas, a percepção de faturamento abaixo é apontada por 66% dos respondentes. A pesquisa também mostra que 36% dos empreendedores brancos afirmam que estão funcionando da mesma forma que no período anterior à pandemia, sendo que para as pessoas negras esse número cai para 25%. 

Conforme aponta a analista do Sebrae Minas, Laurana Silva Viana, as razões históricas explicam o cenário trazido pela pesquisa, uma vez que, no Brasil, as pessoas negras têm mais dificuldades de encontrar oportunidades nos estudos, em empregos de qualidade, por exemplo.

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Além disso, uma condição que fez a diferença para muitos negócios é o que também provoca esse movimento: empréstimos para atravessar a crise. “A dificuldade também vem muito da falta de acesso ao crédito formal, o que já é observado quando a gente fala em grupos minoritários, por causa de preconceitos. E crédito foi uma ferramenta essencial para que os negócios se mantivessem abertos”, explica a especialista. 

Nesse sentido, vale ressaltar que para empreendedores brancos (51%) e pretos (49%) a maior dificuldade esteve relacionada ao aumento dos custos de insumos, mercadorias, combustíveis, aluguéis ou energia. 

Futuro incerto

A proporção de empreendedores negros (42%) que afirmam ter muitas dificuldades para manter o negócio também é maior que no caso dos brancos (38%). O momento, em que a variante Ômicron avança, traz novos desafios para a vida em sociedade, a afro-empreendedora Elizabeth Ferreira, que está à frente do Beth Cerimonial, com presença principalmente em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ainda avalia que o cenário não está favorável. 

A empresa, do ramo de eventos sociais e casamentos, realizou, em fevereiro de 2020, um casamento e uma audição para casais. Logo após, a cerimonialista, que realizava de dois a três casamentos por mês, em média, sentiu de perto os impactos das medidas de isolamento social e teve as atividades completamente paralisadas. 

Até outubro daquele ano, o negócio não teve nenhum outro casamento. O primeiro casamento, após o período, só ocorreu por ter sido sediado em uma igreja e com capacidade reduzida. No total, foram quatro casamentos realizados durante todo o ano. 

Em 2021, o cenário foi um pouco melhor, mas, ainda assim, o cerimonial que conta com quatro pessoas fixas para o atendimento aos eventos e outras oito por demanda, só realizou dez casamentos. “São dois anos muito desafiadores. E muitas pessoas mudaram as datas dos casamentos e até se separaram. Eu investi em cursos de profissionalização e em lives para casais e sobre decoração para manter a presença nas redes sociais”, conta a cerimonialista. 

No entanto, Elizabeth lembra um ponto crucial: como os contratos de cerimoniais são parcelados até a chegada dos casamentos, com valores que giram em torno de R$ 1.800,00, o faturamento da empresa ficou prejudicado. Segundo ela, houve solicitação de reembolso e paralisação de pagamentos até que novas datas foram definidas. 

“A gente ainda não sabe como vai ser o ano, porque eu tenho contrato com noivas, mas ainda não temos definição de datas. Neste período de pandemia, o que entrava no caixa era para pagar as meninas que trabalham comigo. Mas o que segurou a renda da minha família foi o emprego do meu marido”, conta Elizabeth, que, ainda neste mês, iniciará a gestão de um espaço de eventos em Santa Luzia. 

Na contramão 

No entanto, como em toda crise, há aqueles que superam os números, o que também é explicado pela analista do Sebrae. “Quem conseguiu crescer estava em um determinado nicho de mercado e teve também a capacidade de adaptabilidade do negócio. As empresas tiveram que fechar as portas físicas e se adaptar às plataformas digitais, por exemplo. Tudo depende da capacidade de resposta rápida das empresas diante das mudanças que foram avassaladoras”, afirma Laurana Silva Viana, do Sebrae Minas. 

Exemplo disso é o da produtora audiovisual Octopus, do afro-empreendedor André Luiz de Carvalho. Focada na captação e edição de imagens para vídeos institucionais, de publicidade e documentários, a empresa trabalha desde 2019 com uma demanda considerável de vídeos institucionais, de aulas e para usos diversos em empresas.

“Com a pandemia, começamos a atender um cliente que trouxe a demanda de cursos físicos para o on-line. Outros clientes foram aparecendo trazendo essa mesma demanda”, conta André. O registro de uma queda de trabalhos ocorreu apenas entre março e junho de 2020. No entanto, após esse período, e quando considerado o ano de 2019, nos últimos dois anos a empresa cresceu 30%. 

A interrupção na produtora ocorreu só por parte dos documentários, já que esses exigem mais contato presencial. E, apesar de o número de produções mensais variar, o afro-empreendedor conta que produz, no mínimo, dez materiais a cada mês, sendo que os valores podem variar de acordo com o pedido. Captação de imagens de drone, por exemplo, custam em média de R$ 750,00, enquanto um vídeo institucional pode ser precificado entre R$ 6 mil e R$ 7 mil. 

Outro ponto relevante da empresa que conta com profissionais por demanda é que há a priorização da contratação de profissionais negros, já que André reconhece as dificuldades que a população negra enfrenta no dia a dia. 

Ainda em relação à pesquisa, a analista do Sebrae destaca que um ponto positivo é que há a demonstração de que os negócios liderados por pessoas negras (88%), em sua maioria, já contam com o PIX como forma de pagamento, o que mostra que essas pessoas estão antenadas e garantem mais agilidade nos pagamentos — no caso dos empreendedores brancos, o número é de 85%.

Carvalho conseguiu se adaptar às mudanças do mercado e manteve sua empresa em crescimento | Crédito: Wilsson Passabone – Divulgação

Nível de maturidade ainda é baixo no País

Estudo realizado pela KPMG indica que 73% das empresas brasileiras pesquisadas não contam com um nível adequado de maturidade com relação aos planos de continuidade de negócios. Desse total, 40% das organizações encontram-se no estágio 1, ou seja, não possuem sequer uma estratégia neste sentido.

De acordo com o estudo, outras 33% foram classificadas no estágio 2, em que este mecanismo até existe, mas não identifica e direciona todos os eventos que possam afetar as operações adequadamente. Apenas 27% das companhias participantes da pesquisa têm, de fato, um plano de continuidade de negócios estruturado, completo e abrangente, similar ao modelo esperado pelas boas práticas de mercado.

Apesar dos números relacionados ao nível de maturidade, 57% dos respondentes da pesquisa afirmaram ter consciência da importância de se estabelecer um plano de continuidade de negócios.

A pesquisa destacou ainda que a recuperação eficiente com o menor dano possível é o tema mais apontado pelos executivos entre os diversos benefícios trazidos pela implementação deste mecanismo. Por outro lado, segundo os dados reunidos pela KPMG, a maior barreira enfrentada pelas empresas é provocada pela ausência de cultura em gestão de riscos e crises e a falta de clareza em relação a potenciais benefícios destas práticas.

“É imprescindível manter em mente que todas as corporações estão expostas a diversos riscos — e o que diferencia as bem-sucedidas das demais é a maneira como agem quando uma crise é instalada. Empresas que buscam a longevidade devem identificar e tratar os riscos por meio de um plano de continuidade de negócios eficiente. E, para isso, é importante entender o nível de maturidade da companhia, os protocolos de recuperação existentes e quais pontos devem ser tratados com prioridade”, pontua o sócio-diretor de Gestão de Riscos da KPMG, Luís Navarro.

Estágio de maturidade

O relatório da KPMG avaliou e classificou o nível de maturidade dos planos de continuidade de negócios de 17 setores. As indústrias que mais se destacaram foram tecnologia da informação e serviços financeiros com 51% e 49% no estágio 3, respectivamente. No estágio dois, aparecem os segmentos de varejo (63%), energia, recursos naturais e saneamento (49%) e infraestrutura (44%).

Nas posições de estágio 1 de maturidade estão companhias de logística e distribuição (88%), agronegócio (75%), biotecnologia (75%), educação (69%), bens de consumo (67%), construção/imobiliário (62%), farmacêutica (60%), entretenimento, mídia e editorial (60%), transporte, viagens, turismo (60%), manufatura (51%), saúde (48%) e de outros ramos de atividade (42%).

 “Os resultados indicam que ainda há um longo caminho para que esta cultura seja implementada e naturalizada em todos os segmentos. Somente assim o patamar de maturidade desejado será atingido, alinhando a gestão de crises e de continuidade com a estratégia de negócios”, ressalta Navarro.

A primeira edição da “Pesquisa de maturidade dos planos de continuidade de negócios no Brasil” foi realizada entre maio e junho do ano passado por meio de uma plataforma web e contemplou 28 perguntas.

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