‘Empresas que curam’ buscam impacto além do lucro

O termo “empresa que cura” refere-se a um conceito de negócios onde o foco não é apenas o lucro, mas também o bem-estar e a prosperidade de todos os envolvidos, incluindo colaboradores, clientes e a sociedade. Empresas com essa filosofia priorizam a criação de um ambiente de amor, cuidado, respeito e segurança, buscando impactar positivamente o mundo através de seus produtos e serviços, e não apenas vendê-los.
E foi para divulgar o conceito e trazer casos reais que o Capitalismo Consciente Brasil (CCB) promoveu a segunda edição do encontro virtual da rede A.Gente – multiplicando impacto e consciência. Com o objetivo de ser um espaço de inspiração e reflexão sobre o papel das organizações na construção de um futuro mais justo, sustentável e humano, o evento reuniu gestores e especialistas para apresentar exemplos de empresas que dentro dessa nova mentalidade e tratar de temas como:
- Como liderar a transição de uma empresa tradicional para uma empresa que cura;
- As dificuldades de se implementar ações para ser uma empresa que cura;
- Como medir o impacto.
De acordo com a especialista em inteligência de mercado e diretora de gente e gestão da CPI Tegus, Lívia Zappa, transformar uma empresa tradicional como a Tegus em uma empresa cujo impacto social seja um dos pilares do negócio não é uma tarefa fácil e nem uma questão de decisão. É preciso fazer uma mudança profunda e dolorosa na cultura corporativa.
“Nós perguntamos o tempo todo se a nossa cultura cura ou adoece. Para transformar verdadeiramente é preciso reconhecer as dores do sistema e as próprias, transformando a dor em potência. E nada disso acontece sem mudar a mentalidade dos líderes. É muito complicado mexer nas crenças e no DNA da empresa. Aqui somos muito inventivos, mas temos dificuldade em manter o padrão, por exemplo. Precisamos mudar a mentalidade sem descuidar do negócio porque seguimos sendo uma empresa que quer lucrar e crescer”, explica Lívia Zappa.
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Além de geradoras de resultados financeiros, as empresas que curam são agentes de transformação capazes de curar feridas sociais, ambientais e espirituais. Esse é o caso da holding egípcia Sekem, apresentada pelo consultor em desenvolvimento humano e organizacional Sérgio Resende. Ele também é o cofundador da Tre – Investindo com causa.
A Sekem é uma iniciativa de desenvolvimento sustentável, fundada em 1977, que transforma terras desérticas em terrenos férteis através da agricultura biodinâmica e estabelece um ecossistema de negócios sustentáveis, educação e vida comunitária no nordeste do Cairo. O nome “Sekem” é um termo do Egito Antigo que significa “vitalidade do sol”, refletindo a visão da organização de integrar agricultura orgânica, negócios éticos e renovação.
“A Sekem busca estabelecer um modelo para um desenvolvimento saudável do século 21, a partir do despertar das potencialidades humanas e o cuidado com tudo e todos. Os negócios foram criados para gerar as condições de fazer o que era preciso para o desenvolvimento da população da região. É a ‘economia do amor’, que prevê um padrão para produtos sustentáveis, éticos e transparentes em toda cadeia de valor. Estamos, por meio da Tre, tropicalizando e trazendo o modelo da Sekem para o Brasil, começando por Piracaia (SP)”, conta Resende.
CEO e fundadora do Movimento #euvistoobem, Roberta Negrini, destaca a dificuldade das grandes empresas se aprofundarem em práticas verdadeiramente de impacto, indo além da legislação e de um discurso ESG padrão.
O #euvistoobem propõe a circularidade na cadeia têxtil, utilizando rejeitos da indústria para produzir novos produtos com mão de obra encarcerada feminina. São quatro núcleos produtivos, sendo três deles instalados dentro de penitenciárias femininas em São Paulo.
“Quando empreendedores compreendem o valor da economia circular, eles não apenas reduzem impactos ambientais, mas também geram inclusão social e novas oportunidades de renda. Nascemos ESG, mesmo sem entender a verdadeira dimensão do impacto que poderíamos gerar. É difícil se manter nesse processo”, diz Roberta Negrini.
Ela acrescenta que prazos elásticos de pagamento, de 120 a 180 dias, por exemplo, inviabilizam negócios curativos. “Quando o impacto é inegociável, equilibrar sustentabilidade financeira com propósito é um ato diário de resistência. Muitas empresas narram histórias bonitas sobre impacto, mas, na prática, inserem os negócios de impacto nas mesmas condições de fornecedores tradicionais”, pontua.
Em Belo Horizonte, o Instituto Minas pela Paz também se coloca como uma empresa que cura. Criado em 2007, tem como missão promover a cultura da paz, por meio da inclusão social, tendo em vista a transformação da vida de pessoas socialmente vulneráveis.
Segundo o gestor do IMPP, Maurílio Pedrosa, o instituto trabalha na assistência social, inclusão e promoção de direitos. No âmbito do sistema prisional, atua nas Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs), realizando cursos profissionalizantes e mobilizando a comunidade por oportunidades de trabalho. Entre 2009 e 2023, foram certificados 11.315 presos. Destes, mais de 2.500 recuperandos e egressos foram inseridos no mercado de trabalho e atuam diretamente em ações que geram renda para si, para suas famílias e para apoio à manutenção das próprias Apacs.

Na educação, promoveu a qualificação de 200 gestores de escolas públicas e inclusão cultural de 68.300 alunos. E, desde 2014, tem desenvolvido um projeto de inclusão socioprofissional de adolescentes em situação de vulnerabilidade social, especialmente de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. Até 2023 foram 1.250 jovens que conciliaram estudo e trabalho remunerado a partir da oportunidade aberta pelo Projeto Trampolim. Essa tecnologia social desenvolvida pelo Projeto Trampolim foi ampliada através de sua utilização no Programa Descubra!, em 2022.
O Programa Descubra! É uma cooperação interinstitucional inédita, que congrega esforços de 11 órgãos e instituições federais, estaduais e municipais no Programa de Incentivo à Aprendizagem de Minas Gerais – Descubra! Promove o acesso de adolescentes e jovens em condição de vulnerabilidade social aos programas de aprendizagem e aos cursos de qualificação profissional.
“As nossas ações, programas e projetos com o apoio de grandes empresas, visam acolher, qualificar profissionalmente jovens e adultos, homens e mulheres, no mercado formal de trabalho, proporcionando-lhes uma inclusão cidadã. Não lidamos com números, mas com pessoas e precisamos contar com parceiros estratégicos para cumprir essa missão e mensurar cada etapa do processo”, completa Pedrosa.
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