Entre guerras e pandemias, economia mundial vive era da desesperança

Nas mais de 300 páginas de “Economia, Guerra e Pandemia – a era da desesperança”, Ricardo Guedes avalia por meio de pesquisas e estatísticas oficiais a necessidade urgente de que países, instituições e sociedade civil global não apenas se conscientizem, mas também ajam eficiente e rapidamente diante das múltiplas crises que enfrentamos.
CEO da Sensus Mercado e Opinião, o autor é Ph.D. em ciências políticas pela Universidade de Chicago, mestre em sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e licenciado em física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“‘Era da desesperança’ porque os problemas são muito graves e, me parece, só serão resolvidos à beira do abismo. A vida melhorou até agora, mas não sabemos se será assim pra sempre. Tudo ia bem até que aparece a limitação ecológica. Como o planeta tem limites. A energia que utilizamos é 85% de origem fóssil. O estoque dá pra 150 anos. A água, cujo consumo aumenta exponencialmente, e o ar estão cada vez mais sujos. Se vivêssemos em um planeta com recursos infinitos, o capitalismo e a social-democracia iriam em frente. Então, por que o capitalismo não extermina a pobreza? As empresas e os países estão em diferentes níveis de capitalização e por isso o pacto necessário entre eles não funciona”, explica Guedes
Para o autor, ainda vivemos sob o paradigma do pensamento ocidental que acredita no progresso vindo do desenvolvimento tecnológico, mas o desequilíbrio entre a economia e o planeta torna impossível sustentar os atuais níveis de expansão.
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O livro foi produto da pandemia, quando Guedes morava nos EUA com a família e se intrigava com o fato dos governos tratarem a pandemia de Covid-19 de maneiras tão diferentes buscando salvar vidas e, especialmente, a economia. Quem abriu a economia teve um duplo revés, com mais mortes e menos crescimento do PIB depois.
“A ação aleatória desorganiza a economia, limitando a capacidade de investimento racional, especialmente em momentos críticos, como em uma pandemia. As sociedades são instáveis interna e externamente e as democracias não cumprem o papel redistributivo de renda conforme pregavam as teorias originais”, pontua.
A crise climática agrava o desequilíbrio restringindo o acesso a bens e serviços já escassos, contribuindo para nossas guerras e pandemias, numa crescente “deseconomia” global. Nesse sentido, o escritor conclama para um resgate da obra de Jean-Jacques Rousseau. O autor iluminista defendia que a sociedade opera modificações sobre os homens, que podem ser positivas ou negativas. A partir do contrato social, as ações individuais devem respeitar as leis que levam em consideração a vontade geral. Dessa forma, há normas que regulam e limitam aquilo que os cidadãos podem ou devem fazer. E, assim, o governo deveria estabelecer o bem-estar social e não somente atender os privilégios de uma classe dominante.
“Precisamos resgatar Rousseau. A única coisa que pode tirar o homem da barbárie é o contrato social. Até conseguir isso, seguiremos piorando. No sistema capitalista atual, o lucro do setor financeiro é maior que o do setor produtivo. Ao mesmo tempo, as redes sociais esgarçam o controle social. A ONU (Organização das Nações Unidas) precisa ser reformulada para atender às novas configurações de poder entre os países. Hoje, os Brics e o Sul Global possuem metade do PIB do planeta e estão sub representados na maioria dos fóruns. Ainda assim, é importante salientar que, embora enfraquecida, a ONU é um espaço de debates importante. Seria muito pior sem ela”, alerta.
A obra prevê, em um futuro próximo, a ruptura das democracias após o fracasso do sistema partidário tradicional e o surgimento de novos blocos de influência econômica e política. O capítulo 19 elenca três pontos a serem considerados: quais são e onde estão os ativos valiosos do mundo hoje, como capital estratégico; quais armamentos os países possuem e dos quais podem fazer uso para controle de outros países; quais as afinidades políticas, estruturais e econômicas que aproximam e podem levar os países à tendência de atuar ou não em conjunto, a configuração geopolítica, cultural e patrimonial do novo mundo.
Assim, em termos gerais, seriam 10 grupos:
- China: a partir do eixo asiático, estendendo a influência sobre países como Tailândia, Malásia, Coreia do Sul, Vietnã, Indonésia, entre outros;
- Estados Unidos: com participação da Inglaterra, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Israel, entre outros;
- Rússia: parte dos países da antiga União Soviética;
- Europa: União Europeia e seu entorno;
- Países escandinavos: seguirá orbitando em torno da União Europeia, mas com menor alinhamento;
- Países islâmicos do Oriente Médio e do Norte da África: os países produtores de petróleo terão os demais em sua órbita;
- Japão: tende a um sistema auto isolado;
- Índia: relativamente unida à China;
- América Latina: politicamente ainda orbitando os EUA e, comercialmente, Europa e China;
- África Subsariana: orbitará politicamente a Europa, com relações comerciais abertas China, Oriente Médio, Norte da África, Índia e outras alternativas;
Ainda que acredite em iniciativas em prol da sustentabilidade e na capacidade do Brasil influenciar positivamente na mitigação dos efeitos de guerras e pandemias futuras sobre a economia mundial, Guedes pontua a fragilidade do equilíbrio entre os blocos de países.
“O Brasil é um país importante, que pode liderar aspectos como a transição energética e que discute com seriedade pontos como sustentabilidade e ESG. Precisamos, porém, manter o equilíbrio entre os grandes blocos, sem tomada de decisões extremistas”, destaca o autor.
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