Entrevista: desafio da Verde Campo é retomar o DNA de inovação

Após sete anos no grupo Coca-Cola, a Verde Campo foi retomada pelos fundadores da empresa, Alessandro Rios e Álvaro Gazolla, em parceria com a Laticínios Porto Alegre – com sede em Ponte Nova (Zona da Mata). A negociação estabeleceu 70% de participação no capital da empresa para a Porto Alegre – subsidiária da multinacional Emmi no Brasil – e 30% para os antigos fundadores, com assento no Conselho de Administração.
Para comandar esses novos tempos foi convidado Fábio Ferreira. Com 24 anos de carreira e passagens por grandes indústrias do setor de alimentos, como Nestlé, Ferrero, Perfetti Van Melle, Bimbo, Marilan, Moinho Sul Mineiro e Jeito Caseiro, o executivo carioca assumiu o posto de CEO da Verde Campo em junho.
Um dos primeiros desafios do novo gestor é criar um ecossistema e acelerar a agenda de inovação desde o campo até a mesa. A meta é alcançar um crescimento de mercado de 15% a 20% ao ano, nos próximos quatro anos.
Para falar desse novo momento da companhia e os planos, Fábio Ferreira recebeu o Diário do Comércio para uma conversa franca.
Você já passou por grandes empresas brasileiras e multinacionais. Qual o grande desafio específico da Verde Campo?
Eu diria que o desafio de curto prazo é retomar o nosso DNA de ser uma empresa inovadora, ágil em lançamentos para atender o consumidor exatamente dentro do nosso posicionamento, que é uma indústria de laticínios com produtos diferenciados e saudáveis, sendo referência em tudo o que fazemos. Gostamos quando o consumidor reconhece a Verde Campo. Temos uma preocupação muito forte com a qualidade do leite que recebemos aqui na planta diariamente. Temos um trabalho na bacia leiteira muito importante, de desenvolvimento dos produtores, dando apoio, trazendo conteúdo técnico, para que a gente consiga captar um leite de extrema qualidade e que isso se reflita durante o nosso processo produtivo, na gôndola dos supermercados e nos lares brasileiros. Então, eu diria que a referência em inovação é o nosso principal desafio por hora, mas nada muito novo, porque essa é a origem da Verde Campo.
Além disso, temos dois outros grandes desafios: uma aproximação mais intensa com o varejo. A gente vê uma grande oportunidade de explicar melhor ao trade varejista a história da Verde Campo. Eu, pessoalmente, tenho visitado os nossos principais clientes para atualizar essa história. E, na arena interna, a companhia que passou há 60 dias por um processo de venda, vive uma grande reorganização.
O Brasil não é só um País muito grande, é também diverso e desigual. Então, quando você fala nessa aproximação com os varejistas, abre um leque gigantesco, que é dos hábitos, de como entender e chegar nesses lugares. Como lidar com toda essa diversidade?
Somos uma indústria que distribui no País inteiro. Então, temos 27 “Brasis” totalmente diferentes. Um exemplo claro que eu te dou, enquanto no Sul e no Sudeste, agora, nesse momento do ano, junho, julho e agosto, a gente tem temperaturas mais baixas, o consumo de queijos e pastas sobe um pouco e o iogurte, por ser um produto refrigerado, tem um consumo um pouco menor. No Nordeste e no Norte é calor de janeiro a janeiro. A aproximação com o varejista lá, do ponto de vista de calendário promocional, de ativação, continua percorrendo a agenda de iogurte. Já aqui no Sul e no Sudeste, a gente tem essa maior possibilidade de consumo de queijos e pastas. O desafio é ser local com pensamento global.Pensando no aspecto da desigualdade que você mencionou, naturalmente, em uma empresa como a nossa, a gente precisa ter produtos de extrema qualidade sem abrir mão da competitividade. Esse é um desafio muito grande. Ao mesmo tempo em que a gente quer agregar valor na proposta de consumo dos lares brasileiros, precisamos ser austeros na cadeia produtiva, operando nessa ambidestria, ora, construção de marca, posicionamento, muita abundância de recurso para que a gente consiga gerar distribuição e, ao mesmo tempo, a gente precisa ter uma escassez de recursos dentro de casa para que faça parte da nossa cultura tracionar, produzir e captar insumos, embalagens, matéria-prima cada vez a preços mais competitivos e agressivos para que a gente seja competitivo lá na gôndola. Não é fácil ter essa ambidestria e nesse sentido, culturalmente, a gente também vem treinando, desenvolvendo o nosso time.
A Verde Campo tem um histórico de inovação, investindo no atributo de saudabilidade quando isso ainda era novidade. Quais os próximos passos dentro desse DNA da empresa?
Democratizar a saudabilidade não é algo simples. Tudo que você faz em menor escala, do ponto de vista de desenvolver fornecedores, importar matérias-primas, com ingredientes naturais e sem conservantes, tem um preço mais caro. É um exercício diário trabalhar a minha proposta de custos internos para que eu seja realmente o premium justificado no bolso do consumidor. O sonho grande é realmente que a gente consiga vender um produto de extrema qualidade a um preço absolutamente competitivo. Não podemos sentar em cima de um processo produtivo, de um processo de compra de insumos e manufatura e achar que está tudo bem. A gente tem um time de P&D muito à frente do tempo, com belos profissionais olhando todos os custos, tudo que está envolvido no nosso processo produtivo para que a saudabilidade em lácteos consiga permear a cesta de compra de todos os consumidores brasileiros. Então, nos nossos fóruns de inovação e desenvolvimento de produtos colocamos o consumidor no centro, pensamos onde todos os produtos e marcas da Verde Campo podem permear no hábito de consumo deles.
E tudo isso pensando, obviamente, numa agenda de responsabilidade socioambiental e governança, certo?
Exatamente. A gente tem uma crença, desde a nossa fundação, que “como a gente faz, importa”. Qual é o clima da empresa? Como é a minha relação com o produtor de leite? Como é a minha relação com os nossos stakeholders, desde os clientes até os nossos fornecedores? A gente precisa ter essa preocupação de conhecer quem está do outro lado.
Estão previstos alguns lançamentos nos próximos meses como: coalhada seca, sobremesa de frutas, kefir e iogurte natural. O que pode nos contar sobre eles e para quando será?
Na agenda de curto prazo, estamos com 11 lançamentos apresentados ao mercado. Dentro da categoria de iogurtes toleráveis, proteicos e bicamadas, a gente está trazendo duas novas extensões de sabores: um abacaxi com coco e outro banana com canela. São dois iogurtes com teor de proteína considerável, bicamada, com uma explosão de sabores e de indulgência muito grande. Esse produto chega ao mercado em meados de agosto. Temos dois iogurtes naturais, sendo um sem lactose, que leva a assinatura da nossa marca Lactfree. São produtos com dois ingredientes e nada mais. Na primeira semana de setembro vamos entrar com força em Kefir, com dois iogurtes probióticos. O Kefir já existe no Brasil, mas numa escala nacional, seremos a primeira empresa que está apostando nessa potência. Hoje a gente fala muito, no Brasil e no mundo, principalmente pós-pandemia, na questão da saúde mental. E a saúde mental e a saúde do nosso corpo passa também por uma saúde intestinal. O Kefir ajuda no equilíbrio da flora intestinal com todas as bactérias, todos os organismos vivos que permeiam no nosso intestino. Estamos complementando a linha de probióticos. E, estudando, ouvindo o consumidor, notamos que precisávamos ter mais indulgência no portfólio. Temos pontos de consumo com Verde Campo desde a hora que a gente acorda até a hora que a gente dorme. Mas e aquele momento de indulgência pós-refeição, aquele docinho? Estamos trazendo agora uma sobremesa extremamente indulgente, proteica e sem açúcar, em duas versões: com frutas vermelhas e com banana e canela, dois preparados muito bons, extremamente naturais e saudáveis. Então, a Verde Campo começa a entrar nesse território de indulgência também. Isso vai trazer uma nova amplitude para a marca. E para figurar no segmento de pastas, lançamos a coalhada seca. O produto está, simplesmente, maravilhoso. Essa é uma grande oportunidade de escalar nacionalmente, já que não existe um fornecedor nacional deste produto atualmente.
Você projeta um crescimento entre 15% e 20% ao ano nos próximos quatro anos. Existe mão de obra pra isso hoje? E qual a expectativa de novos empregos nesse período?
Na linha do “como a gente faz importa”, tem duas coisas: primeiro, cuidar de pessoas e isso faz parte do DNA da nossa empresa. A sede fica em Lavras, no Sul de Minas, uma cidade que tem um capital intelectual forte e riquíssimo. Gostamos muito de participar do desenvolvimento intelectual da cidade. Temos a Ufla (Universidade Federal de Lavras). Grande parte do nosso time se formou lá. Então, desenvolver e cuidar das pessoas, desde o clima, a qualidade da alimentação do nosso restaurante, a qualidade dos nossos benefícios, uma política de cargos e salários competitiva. Do ponto de vista da geração de emprego, isso vai acontecer de uma maneira muito natural, inclusive diante dessa nova composição societária que estamos vivendo. Precisamos construir uma nova área administrativo-financeira. Com o sócio anterior, essa área ficava em São Paulo. Estamos trazendo pessoas absolutamente alinhadas com a nossa cultura. Então, ao mesmo tempo em que cuido do time atual, preciso olhar no mercado quem tem fit cultural e compatibilidade motivacional com o time.
Um assunto que gera muita curiosidade e, muitas vezes, especulação é quando uma empresa é vendida. Há sete anos, a Verde Campo foi vendida para a Coca-Cola e agora voltou para as mãos dos seus fundadores e ao Laticínios Porto Alegre. O que acontece agora em relação às equipes e ao portfólio?
As operações ficam separadas, porque existe uma complementaridade de portfólio nessa matriz societária. A Porto Alegre é uma empresa incrível, referência em lácteos em toda a região Sudeste, uma bela força e uma potência regional, com o seu posicionamento de marca, participando da cesta de compra dos lares. E a Verde Campo, uma empresa com outro posicionamento, focada em saudabilidade, em lácteos diferenciados e com uma capilaridade de distribuição nacional. Então, são duas forças que se complementam. Juntar isso, do ponto de vista mercadológico, seria um caos porque ou perderíamos a potência de uma marca ou de outra. Então, as empresas e as marcas caminham de maneira totalmente independente da porta para fora. Já da porta para dentro, naturalmente, a gente aproveita toda a sinergia de duas grandes empresas. Sinergias em troca de informações de desenvolvimento de produto, em formas de melhores compras e melhores relacionamentos com fornecedores de supply e tecnologia. As unidades são separadas, assim como as razões sociais, mas ambos os times estão trocando para que a gente tenha esse match e a gente consiga trazer um equilíbrio maior para a cadeia produtiva, desde a captura de leite, passando pelo ambiente fabril, desenvolvimento do produto, até o relacionamento com os fornecedores.
A Porto Alegre faz parte de um grupo internacional, o Emmi. Então, esse conhecimento também acaba chegando para a Verde Campo?
Hoje, a Porto Alegre é a subsidiária da Grupo Emmi no Brasil, que é uma empresa suíça com vários laticínios no mundo inteiro. A Emmi, como sócia também aqui na Verde Campo, faz toda essa questão da governança, da tecnologia, desse mindset global. A Verde Campo está em excelentes mãos, porque no nosso conselho a gente tem os fundadores que trazem a cultura. Tem a Porto Alegre com essa potência do leite e essa questão de sinergia na cadeia de supply. E a Emmi que é uma empresa global com toda essa robustez financeira, tecnologia, governança e mindset global.
A Verde Campo hoje tem alcance nacional. Existem planos de internacionalização?
É natural pensarmos num longo prazo, alguma coisa nesse sentido, mas isso hoje não está na nossa agenda. Eu acho que é o contrário. Vou te dar um exemplo prático disso. A Emmi tem, em vários laticínios pelo mundo, Kefir, um probiótico. Então, se a gente vai lançar no Brasil com a marca Verde Campo, com essa troca de tecnologia e de conhecimento entre unidades industriais, pode acelerar o desenvolvimento aqui no Brasil. Agora, trazer marcas da Emmi para o Brasil ou levar a marca Verde Campo para o mundo, eu acho que talvez isso um dia faça parte da nossa agenda, mas hoje é muito mais dessa beleza do aprendizado mais rápido para que a gente consiga lançar produtos sobre a marca Verde Campo aqui no território nacional.
Agora falando mais de você, esse carioca já se adaptou à vida do Sul de Minas e de Lavras?
Posso dizer que o Fábio Ferreira é um cidadão brasileiro. Sou carioca, filho de um pai português e uma mãe nascida no Rio. Comecei a trabalhar muito cedo e, nesse processo de desenvolvimento de carreira em empresas de alimentos, saí do Rio em 2005. Então, já morei no interior e na capital de São Paulo. Também já havia morado aqui no Sul de Minas, numa primeira passagem em outra empresa. Também morei em João Pessoa (PB), nos últimos anos agora, também tocando uma de uma grande indústria de alimentos. Quando veio o convite para assumir Verde Campo e voltar para o Sul de Minas, foi um frisson muito positivo para mim, para minha esposa e para os meus filhos, porque fomos muito felizes no período que vivemos na cidade. Deixamos bons amigos e um carinho muito grande pelo povo mineiro. Então, não existiu uma curva de adaptação. Aliás, a gente se mudou há poucos meses e parece que nem tínhamos saído.
E o que esse cidadão brasileiro identifica de mineiridade, de legitimamente mineiro, na Verde Campo, além dos sabores?
Eu acho que é o “você é fi de quem?” Seja em Belo Horizonte, que é uma capital absolutamente cosmopolita, seja em Lavras – que tem gente do Brasil inteiro por causa da universidade federal, você escuta isso. Eu acho que o mineiro tem essa raiz histórica, curiosidade de saber dessa ligação muito pessoal. Eu brinco que o mineiro demora a ficar amigo, mas depois que fica, entrega a chave da casa. Então, para negócio, para o primeiro contato extremamente receptivo, mas um pouco desconfiado, e aí surge, o “você é fi de quem, vem de onde”? Mas depois, obviamente, que você vence essa questão cultural, realmente cria relações para uma vida inteira. É um coração enorme, um povo com uma energia maravilhosa.
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