ENTREVISTA | Escolas de negócios podem legitimar nova mentalidade corporativa e empresarial

Na definição dos dicionários, de maneira geral, no que diz respeito à economia, a palavra lucro significa “ganho auferido durante uma operação comercial ou no exercício de uma atividade econômica”. Esse conceito não avalia a sua importância, mas, é claro, que as empresas não sobrevivem sem ele.
O século 21, porém, trouxe novas questões, como o papel social das empresas e a responsabilidade delas na construção de um futuro mais justo para todos. A eclosão mundial da Covid-19 nos primeiros meses do ano passado, fez com que essas discussões se tornassem ainda mais urgentes e frequentes. Nesse cenário, as escolas de negócios podem ter um papel efetivo na transformação e instrumentalização de uma nova mentalidade corporativa e empresarial.
A responsabilidade das escolas de negócios e a abertura desses templos do conhecimento para perfis diversos de empreendedores é o tema dessa conversa com o professor Emerson de Almeida. Ele é cofundador e presidente da Diretoria Estatutária da Fundação Dom Cabral (FDC), considerada top 10 entre as escolas de negócios do mundo. A FDC tem sede em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
Professor, estamos enfrentando a maior crise humanitária e econômica verdadeiramente global dos últimos 100 anos. Muitos paradigmas têm desmoronado, entre eles, talvez, o do grande empresário, do gestor que tudo sabe e controla com mãos de ferro o caminho da empresa. Isso é verdade? Em que medida a pandemia modifica a mentalidade empresarial no Brasil e no Mundo?
Apesar de poderosos e com riqueza material, os empresários são seres humanos. Eles têm família, têm medo da doença e também sofrem. Estão enfrentando uma onda adicional ao que já estavam vivendo. Estamos em um turbilhão de mudanças com a economia digital. Conhecendo a Inteligência Artificial. Temos agora a realidade do trabalho remoto, da educação remota. A FDC, por exemplo, levou 95% dos seus programas para o on-line, em um esforço extraordinário. O comércio remoto segue crescendo extraordinariamente. Estamos preocupados com a segurança digital. Há uma combinação muito grande entre gestão e tecnologia. O empreendedor, resiliente, enfrenta e acaba superando esses desafios.
Em um País como o nosso, a situação fica desesperadora para a população. Tem alguns dados que eu gostaria de citar: no Brasil são 14 milhões de desempregados e outro tanto próximo de pessoas que desistiram de procurar trabalho. Metade dos brasileiros, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), viveu, em 2019, apenas com R$ 438 por mês. A fome talvez seja a face mais visível dessa realidade. O IBGE a classifica em três níveis: leve, moderada e grave. Quando a grave chega, temos falta de alimentos total, sendo o Brasil um dos países que mais produz e exporta alimentos no Mundo. 74 milhões de brasileiros não têm água encanada e nem coleta de esgoto. Isso é mais do que a população da França. São problemas que as escolas de gestão têm que se implicar. A empresa só vai bem na medida em que a coletividade vai bem. É do interesse dos empresários que haja melhor distribuição de renda.
Mas o empresário ainda é muito imediatista. Alguns enxergam isso, mas é a minoria. Se enxergassem, o lucro de curto prazo não seria o principal objetivo. O lucro é importante, mas não é tudo. Pouco a pouco notamos que há um movimento para mudar essa visão da empresa. Em 2019, as 181 maiores empresas americanas lançaram um manifesto público enfatizando o novo propósito corporativo que enfatiza a criação de valor para a sociedade, desmistificando a tese do Friedman, da Escola de Chicago – onde o nosso ministro da economia estudou -, que falava que o lucro era o único objetivo.
O senhor diz que, até aqui, as escolas de negócios, de forma geral, são elitistas e formaram CEOs focados só em resultados financeiros e econômicos, o que contribuiu para fomentar desigualdades. É hora das Business Schools fazerem um mea culpa?
Vejo uma evolução. De certa forma, as escolas estão revisando seus currículos, propósitos e missão, especialmente nos momentos em que surgiram críticas fortes. Não é uma mea culpa, cada uma tem um estilo, sua maneira. A velocidade e direção, cabe a cada escola examinar seu ambiente e fazer os ajustes. Em 2008/09 elas foram acusadas de provocar a crise porque ensinavam nos seus MBAs que o lucro era o que importava e os bancos contratam os melhores alunos desses cursos. Naquela época, a quebradeira provocou o suicídio de cerca de 10 mil pessoas nos EUA e na Europa. Isso é um dado científico. E as escolas se assustaram com isso e começaram um movimento de mudança nos currículos. Lá na FDC foi criado o Centro Social Cardeal Dom Serafim, exclusivamente para atender pessoas de baixa renda e instituições sociais. Dentro desses programas temos o “Pra Frente”, apoiado pelo fundador da construtora Cyrela, Elie Horn. Ele apoia financeiramente a capacitação de pessoas em situação de vulnerabilidade social para abrir o seu negócio. Começamos em Belo Horizonte e São Paulo e agora estamos levando o projeto para vários estados brasileiros.
Um novo conceito vem ganhando espaço na literatura corporativa, o chamado “empresário estadista”, que o senhor resume como “empresário consciente”. Em que medida esse empresário, que tem um olhar mais amplo sobre o próprio papel e o papel social da empresa, pode influenciar os próprios resultados financeiros e a economia como um todo?
O posicionamento da empresa mais comunitária e preocupada, se ocupando do desenvolvimento do local em que atua, reforça o resultado da empresa. Esse posicionamento melhora a economia como um todo na medida em que elas agem de maneira mais ativa, proporcionando abertura de outros negócios e ampliam os seus próprios negócios. Convém lembrar que essa questão de influenciar o resultado financeiro e da economia tem outras variáveis como evolução tecnológica, inventividade, inovação etc.
Relembro os países da Escandinávia, que têm empresas sadias, possuem IDH e renda per capita mais elevados, onde as empresas geralmente possuem um olhar mais macro do que empresas de outros países. A evolução da sociedade indica que só devem sobreviver no futuro as empresas que ela, a sociedade, considerar que são legítimas.
O empresário estadista é aquele que tem uma visão da empresa além do simples negócio. Aqui em Minas temos a MRV, que não é perfeita, mas o Rubens Menin é uma pessoa que enxerga propósitos além do lucro. Ele tem uma prática de promover a melhoria do entorno dos conjuntos residenciais que ergue. Temos a Natura, que é um exemplo mundial de sustentabilidade por princípio. Ela deixou de fazer o programa de desenvolvimento dos seus executivos para levá-los para a Amazônia para que cada um possa ver a realidade lá. Ao fazer isso, o empresário consciente ganha mais lá na frente.
Temos um programa na FDC: o CEOs Legacy. São mais de 20 CEOs e presidentes que trabalham para deixar um legado, um bem para a sociedade. Cada um tem o seu tema, é muito interessante. Veio dar uma palestra para esse grupo o presidente da Fifco, Ramón Mediola (A Fifco – Florida Ice and Farm Company S.A – é uma empresa costarriquenha de alimentos e bebidas que possui um catálogo de mais de 2000 produtos, vendidos em mais de 15 países). Ele é um desses empresários estadistas. Com base em uma pesquisa da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe ou Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), o governo leva 10 anos para tirar uma pessoa da situação de pobreza, já uma empresa, três anos. Ele mandava os gerentes na casa dos funcionários para ensinar a eles como cuidar das finanças. Foi uma fala muito impactante.
Agora talvez não seja possível pelas regras de distanciamento social como medida de combate à Covid-19 e a adoção da educação remota. Mas o senhor vê, em um futuro não tão distante, os grandes CEOs que se formam na Fundação Dom Cabral e os pequenos empreendedores locais, empreendedores individuais frequentando os mesmos espaços da FDC e trocando experiências?
A comunidade germina o desenvolvimento, o empresariamento. O empreendedorismo é função do contágio social. Ter um meio ambiente que provoca a pessoa a ser um empreendedor. A mentalidade é uma construção. E nós cremos nessa possibilidade.
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