Equidade de gênero estimula competitividade

Dar os mesmos direitos e oportunidades aos homens e às mulheres é, além de justiça social, uma oportunidade das empresas aumentarem o seu nível de competitividade e lucratividade com equipes diversas.
A equidade de gênero é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) preconizados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Pesquisa da LHH Brasil, publicada em 2018, revela que a igualdade entre homens e mulheres agrega, em média, 21% no lucro e afeta a imagem da empresa junto aos clientes e a sociedade. E que as companhias que aumentaram a presença de mulheres em até 30% nos cargos de liderança tiveram aumento de 15% na rentabilidade.
Infelizmente, os números do mais recente relatório do Banco Mundial chamado “Mulheres, Negócios e as Leis”, porém, mostram que quase 2,4 bilhões de mulheres em idade ativa não têm essa chance e vivem em países que não garantem os mesmos direitos que os homens. Globalmente, em média, as mulheres possuem apenas 77% dos direitos garantidos em lei para os homens. A boa notícia que o estudo traz é que, mesmo com o impacto das crises globais, a maior parte do mundo foi capaz de fortalecer a igualdade legal de gênero em 2022. E muitas dessas reformas afetaram leis que dizem respeito aos salários e carreiras femininas após a maternidade.
De acordo com a professora convidada da Fundação Dom Cabral (FDC), Lívia Mandelli, a caminhada das mulheres pela igualdade de gênero é antiga e foi trilhada em alguma medida. A hora, agora, é da luta pela equidade.
“Já evoluímos muito, mas não o suficiente para que tenhamos um mundo equitativo. Foi muito trabalhado o empoderamento feminino. As mulheres já entendem que precisamos ser protagonistas das nossas próprias vidas e termos nosso lugar nas empresas. Mas as empresas não estão preparadas para esse novo momento porque a sociedade também não está. O machismo não é inerente ao gênero masculino. A sociedade como um todo precisa olhar o potencial das mulheres de forma diferente. Não adianta trabalhar só com as mulheres, tem que trabalhar os homens também. Em segundo lugar, as pessoas dentro da organização precisam sair do discurso e agir com mais efetividade”, afirma Lívia Mandelli.
Para a sócia-fundadora da Tailor – consultoria em executive search –, Fernanda Nogueira, existe um desejo genuíno das empresas em serem inclusivas, porém entre a vontade sincera e a prática efetiva existe uma grande diferença.
Acostumada a lidar com alguns dos setores mais tradicionais da economia, como mineração e indústrias de base, a executiva pontua que é preciso estruturar o desejo com programas que busquem mulheres preparadas no mercado e, principalmente, que fomentem a formação delas dentro das próprias companhias.
“Temos sentido um desejo das empresas de serem mais inclusivas, diversas, ter mulheres para os diferentes estratos das empresas. A vontade é real, mas a gente ainda vai demorar para ter uma igualdade. Certos mercados que não têm mulheres preparadas porque elas não tinham espaço antes. Sempre pergunto para os meus clientes o que eles estão dispostos a abrir mão. Mais que desejo, é preciso esforço. Tem que contratar na base e desenvolver”, destaca Fernanda Nogueira.
Ela usa como exemplo a própria história. Há mais de 10 anos no setor, já enfrentou muita desconfiança – ouviu muitos comentários, risinhos e viveu situações em que o cliente a ignorava e ia falar com o seu sócio – e teve que se impor para ser respeitada. Para ela, as mulheres já não buscam igualdade, mas sim equidade.
“Até hoje sou uma das poucas executivas sócias. Mas me impus sem ‘descer do salto’ e hoje faço questão de mostrar aos meus clientes que eles podem ter mulheres em qualquer posto pelo critério da competência. Mas eles têm que deixar elas entrarem em algum momento. Hoje tem menos reação das empresas quando apresento uma candidata. Existem empresas muito tradicionais ainda com preconceito. Mas eu não aceito, sento à mesa e discuto. O ponto crítico não é aumentar o número de mulheres na empresa, mas em que medida oferecemos condições para que elas se desenvolvam. Quando falamos de indústria em geral, por exemplo, o uniforme é um macacão. Para mulher, não funciona por causa do banheiro químico, ela não pode deixar a roupa cair no chão. A mulher quer a mesma oportunidade, não o mesmo tratamento”, afirma a sócia da Tailor.

Legitimidade da liderança independe do sexo
Ao mesmo tempo que muita gente ainda discute se existem “atividades masculinas” ou “atividades femininas”, o estudo “Quebrando Mitos sobre Liderança e Gênero: Similaridades e Diferenças Percebidas entre Líderes Mulheres e Homens”, realizado em parceria pela Robert Half e o Insper, revela que na percepção dos profissionais, não há diferenças estatisticamente significativas entre líderes mulheres e homens em nenhuma das duas classes. Pelo contrário, os resultados indicam que eles são percebidos como igualmente competentes, autênticos, benevolentes, humildes e éticos pelos seus liderados.
Dessa forma, quebra-se mitos acerca de supostas diferenças de gênero no estilo de liderar e que constituem, mesmo que indiretamente, obstáculos à ascensão feminina nas organizações.
Ainda assim, muitas empresas ainda esperam comportamentos e resultados baseados em estereótipos que nos levam a esperar comportamentos agênticos de homens, tal como força, dominância, assertividade, autenticidade, competência; e comportamentos comunais de mulheres, como benevolência, gentileza, humildade, cuidado e acolhimento. Como consequência, estes estereótipos podem contribuir para a ideia de que há um “estilo feminino” e um “estilo masculino” de liderança.
Segundo a professora do Insper e uma das responsáveis pelo estudo, Tatiana Iwai, um mito comum diz respeito à ideia de que liderança efetiva estaria associada ao gênero masculino, apoiada pelo fenômeno “think leader, think male” (pense líder, pense masculino). Porém, conforme aqueles que convivem diariamente com seus gestores imediatos, líderes mulheres e homens não apresentam diferenças em termos de legitimidade e apoio dos liderados, visto que são percebidos como igualmente efetivos, bem como recebem endosso similar.
“Os achados são extremamente interessantes, pois reforçam que os fundamentos de uma liderança efetiva e produtiva estão baseados em condutas que não diferem por questões de gênero. Isto é, tanto para mulheres quanto para homens, estabelecer uma escuta ativa, apoiar o time em contextos desafiadores e posicionar-se mesmo frente a situações difíceis são comportamentos essenciais para que gestores consigam apoio e legitimidade perante seus liderados”, destaca Tatiana Iwai.
O certo é que não se promove diversidade e inclusão e, muito menos a entrada e desenvolvimento das mulheres no mercado de trabalho, sem a participação e o engajamento dos homens.
Na SG4 – empresa especializada em sistemas de gestão, treinamentos, carreira e sustentabilidade – a liderança feminina, embora causasse alguns estranhamentos no início, trouxe assertividade e lucros.
Mesmo em um setor muito masculinizado, o especialista em ESG e diretor da SG4, Ivo Neves, afirma que desde a sua criação, em 2006, a empresa valorizou o trabalho feminino e hoje tem 70% da sua mão de obra formada por mulheres.
“Desde o início temos um time diverso, somos muito abertos a todas as diferenças e formações. Sempre valorizamos a competência no tema técnico que trabalhamos. Mas durante muito tempo conduzimos a empresa como uma butique, com menos pessoas. Quando decidimos crescer, há três anos, convidei três profissionais para liderança, um homem e duas mulheres. Desse momento em diante o crescimento foi notável e devo muito a elas, à forma como elas coordenam as verticais. Nesse movimento, também subiram outras líderes. Nunca estabelecemos uma política para entrada obrigatória de mulheres, mas quando decidimos crescer, as pessoas que apareceram com mais qualidade foram mulheres”, explica Neves.
Pronto para dobrar o faturamento este ano em relação a 2022, ele lamenta ter vivido situações onde as líderes foram ignoradas por clientes e ele se sentiu na obrigação de interferir.
“O mercado é ainda preconceituoso. É nítido que o caminho das mulheres é mais difícil. Ainda existe um entendimento de que existem trabalhos que não são para elas. A diversidade possibilita à empresa achar o melhor profissional”, avalia o diretor da SG4.
Para a professora convidada da Fundação Dom Cabral (FDC), Lívia Mandelli, homens e mulheres têm a ganhar com um mundo mais equitativo e um ambiente corporativo equilibrado.
“É uma busca que não depende só do posicionamento feminino, mas também da vontade de evoluir dos homens. Não é uma luta entre os gêneros. Muitas mulheres ainda têm atitudes inconscientes que não ajudam nessa caminhada. As empresas estão pecando porque estão trabalhando o feminino sem trabalhar os ambientes. Elas precisam fazer diferente e isso exige um novo posicionamento das pessoas. O que vai dar velocidade a esse processo é a organização, ter a mentalidade que toda ela tem o papel de agir como um agente transformador”, pontua Lívia Mandelli.
Líder global de diversidade da Gerdau, Carla Fabiana Daniel, entende que a diversidade tem impacto sobre os resultados financeiros da companhia, mas isso não é uma relação direta de causa e efeito. Segundo a gestora, ações efetivas exigem planejamento, estabelecimento de metas e indicadores e muito esforço que inclui treinamentos específicos para toda a liderança.
“Não é uma relação direta de causa e efeito. Quem faz melhor a gestão da diversidade se torna uma empresa melhor. Não posso afirmar que passamos a lucrar mais por causa da entrada das mulheres, mas a realidade se impõe. Temos mais reconhecimentos a partir do fortalecimento da pauta da diversidade. Uma empresa não avança de maneira sustentável se não tiver um olhar para a diversidade. Acreditamos que é importante para o resultado e também entendemos que é o certo a ser feito. Temos a responsabilidade de construir um ambiente corporativo saudável e uma sociedade mais justa”, relata Carla Fabiana Daniel.
Desde 2017, quando a política de diversidade e inclusão foi implementada, a companhia vem melhorando os seus índices de equidade e sustentabilidade. Os 2% de mulheres na operação, em 2018, saltaram para 9%, em 2022. Já nas posições de liderança, de 18%, o total foi para 27% no mesmo período. A meta é que nesse último quesito o total chegue a 30% já em 2025.
“Definimos princípios como a construção de um ambiente diverso e inclusivo e fazer o que é certo que norteiam as nossas ações. Como um processo de mudança de cultura, tem que ter conexão com a estratégia do negócio e se conectar com a cultura da organização. Começamos pelo mindset da liderança, mostrando que a diversidade não é um tema apartado da gestão. Ele é um jeito de fazer gestão. Quando o líder entende isso, ele passa a fazer parte do dia a dia do gestor. Temos uma série de treinamentos para que eles ganhem o ferramental para promover a mudança”, completa a líder global de Diversidade da Gerdau.
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