Na “era do querer tudo”, a parte mais importante é entender as pessoas; veja entrevista

Mais do que entender a tal “jornada do colaborador” ou a requintada “employee experience”, a jovem head of people da WeWork para Brasil e América Latina, Raíssa Mendes, aponta que para atrair e reter talentos as empresas precisam de mais. Elas precisam entender as pessoas como seres complexos, inteiros e que estão, na grande maioria dos casos, cansadas e inseguras.
A WeWork conta com 664 mil clientes ao redor do mundo, com mais de 780 unidades espalhadas por 39 países. No Brasil, a WeWork possui 32 unidades em oito cidades – São Paulo, Alphaville, São Bernardo do Campo, Osasco, São José dos Campos, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre – e, por meio de mais de 500 parceiros de seu marketplace Station by WeWork, alcança todos os estados brasileiros, em mais de 120 cidades.
Formada em Psicologia com ênfase em Psicologia Organizacional e pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas, ela é capaz de se manter tranquila sem abrir mão da firmeza. E foi assim que ela conversou com exclusividade com DIÁRIO DO COMÉRCIO sobre o papel do RH na era do “querer tudo”. Em um cenário onde as prioridades das pessoas se diversificam e suas demandas se ampliam, ela aponta a resposta na habilidade desse profissional em se adaptar e atender às novas necessidades dos colaboradores.
Apesar de já termos atravessado os piores momentos da pandemia de Covid-19 – tanto do ponto de vista sanitário como econômico – parece que dentro das empresas a gestão de pessoas continua muito confusa. Uma pesquisa da própria WeWork mostra o embate entre as empresas que querem voltar para o presencial e os trabalhadores que querem o remoto ou híbrido. Esse é só um exemplo. Como construir as chamadas “marcas empregadoras” em um cenário tão confuso e com tantas pressões?
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Eu tenho certeza que a gente vai sair desse caos. Acho que este é um momento ainda de definições. Saímos de um mercado de trabalho extremamente rígido. Antes da pandemia era muito baseado no controle de entrega pela presença da pessoa: se a pessoa chegou dentro do horário, se está na mesa dela, se não fica no cafezinho toda hora. Tenho 36 anos e passei por empresas assim. Por esses critérios o resultado era mensurado, mas a eficiência não era algo muito questionado. Quando passamos pela pandemia, falamos sobre uma revolução que já estava para acontecer, mas que enfrentava resistências. As grandes companhias faziam um short-Friday, por exemplo, que é sair mais cedo na sexta-feira. Com a pandemia veio o 100% remoto. Aí a gente foi para uma outra chave. É importante ressaltar que fomos para esse processo sem estrutura tecnológica para suportar todo mundo em casa. Então precisamos nos adaptar. As empresas tiveram um grande desafio para fornecer um pacote de soluções para quem foi para o 100% remoto. O segmento de tecnologia passou a ter uma importância muito significativa nesse momento de pandemia e agora, após pandemia, vejo que não vamos voltar a 100% presencial. Quando abro um processo seletivo, a primeira coisa que o candidato pergunta é se o trabalho é presencial. Muitos desistem quando digo que sim, sem nem perguntar sobre o pacote de benefícios ou a remuneração. Hoje, o RH precisa educar o gestor sobre como descrever uma vaga e como gerir as suas expectativas na hora de contratar. Sobre como atrair o talento que vai atender às demandas da empresa e não contratar o que não vai. Temos que mostrar para o gestor que é menos sobre presença e mais sobre o quanto o empregado aporta de resultados, de entregas produtivas para a companhia. Tem gente que funciona muito mais remoto, outras no presencial, outras no híbrido. O importante é a empresa identificar quem se dá melhor em qual modelo e se adaptar para tirar o melhor de cada um desses talentos.
Uma outra dor para o RH é como lidar com esses novos modelos, as exigências da legislação trabalhista e os cuidados com a segurança de dados, observando a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Dá tempo de pensar nisso tudo?
Na WeWork criamos as “Horas Flex”. Se você tem que cumprir tantas horas de expediente e se produz melhor, por exemplo, das 10 da manhã até as 7 horas da noite, ok, faça esse horário. Eu prefiro você produzindo do que obrigá-lo a bater o cartão nove horas da manhã e sair cinco horas da tarde. Claro que existem áreas em que isso não é possível, mas onde é, por que não? E para quem a atividade exige o presencial, estamos buscando formas de levar isso para eles. Eu prefiro ter uma pessoa motivada porque tem duas formas de flexibilidade durante o mês do que exigir uma coisa que a pessoa não vai entregar e enfrentar problemas de turnover, de saúde mental, de pessoas que, realmente, não querem estar naquele trabalho.
E como podemos preparar os líderes para esse novo cenário? Quem começou a trabalhar há mais de dez anos viveu o mundo do comando-e-controle. Como fazer essa mudança de mentalidade?
Esse é um desafio gigantesco para o RH no sentido de acompanhar, desenvolver e conscientizar essa liderança. Esse é um papel do board executivo e do RH, trazendo dados e mostrando para o gestor o quanto o mercado evoluiu e o quanto ele ganha participando desse movimento. Hoje, temos os gestores muito perto. Ouvimos muito e conciliamos o que quer a empresa e o que quer o candidato. Como head of people, o meu papel é levar para os gestores como os colaboradores se sentem e como os talentos buscam o mercado. O meu papel é menos impor e mais convencer por meio da conversa e da capacitação.
Essa é uma geração de líderes exaustos pela pandemia e também com medo de serem substituídos pelas novas gerações mais flexíveis e pela tecnologia. Como lidar com isso?
O adoecimento vem muito da incerteza. Quando falamos de comando e controle, é preciso ter certeza de tudo. A pandemia nos tirou isso. Era tudo muito novo e incerto, inclusive sobre a vida particular de cada um. A empresa precisa equilibrar as equipes entendendo que em algumas ocasiões vai precisar do ímpeto da juventude e sua capacidade de adaptação e, em outras, vai ser mais útil a maturidade e resiliência dos mais velhos. A gente só conhece as pessoas quando nos conectamos com elas. E para ter uma liderança engajada, precisamos também estarmos conectadas com ela. Temos esse cuidado na WeWork para dar suporte para as pessoas.
A humanização é o caminho para enfrentar todas essas dificuldades que você falou e também a escassez de talentos?
Nomes como employee experience são lindos, mas eles só querem dizer uma coisa: eu conheço o meu público interno? Essa é uma cadeira muito nova no mercado. Quando buscamos alguém com experiência nesse campo, não achamos. O que está por trás disso é a gente entender como os colaboradores se veem dentro da WeWork e como a companhia colabora para isso. No ano passado mudamos nossa pesquisa de satisfação para entender o nível de satisfação em vários subtemas. A essência do nosso negócio é a experiência de estar em um dos nossos espaços. Isso nos obriga a olhar da porta para dentro. Não é só sobre benefícios, mas sobre o quanto conseguimos nos conectar com as pessoas.
Um grande problema do híbrido é como disseminar a cultura da empresa. Buscamos inovações para que quando as pessoas se encontrem isso tenha um significado real, fortalecendo a cultura.
Aproveitando o seu diálogo com empresas parceiras da WeWork por todo o mundo, qual sua avaliação sobre a performance das empresas brasileiras nesse novo mundo que exige diálogo e flexibilidade?
Eu ainda acho que o Brasil continua um pouco defasado. Alguns temas ainda são tabus. Acredito em parcerias. A partir do momento que você dá poder de fala às pessoas, elas se sentem pertencentes. Sinto que as empresas continuam maturando essa ideia. Já está muito melhor do que antes da pandemia, mas podemos evoluir muito mais, principalmente as empresas mais tradicionais. Elas estão fazendo um movimento que é muito mais doído, porque você mudar a cultura é a coisa que mais “incomoda” na companhia.
A mudança de mentalidade para o novo vai acontecer, mas ainda leva um tempo. Estar aberto a essa mudança é o primeiro passo. Algumas empresas estão criando cargos novos, como gerente de felicidade, por exemplo. Elas estão se adaptando, mas eu não acho que vai ser uma mudança tão rápida. Aos poucos, essas empresas mais novas e disruptivas – que é o caso da WeWork – puxam essas discussões.
Talvez o que possa acelerar um pouco esse movimento das tradicionais seja, justamente, o fato de elas serem enormes e fazerem negócios globais. A pressão da sociedade por sustentabilidade pode acelerar essa mudança?
Sim. E eu acho que ainda vai melhorar quando sairmos do conceito de ESG para vivê-lo. O primeiro nível é o da conscientização e implementação dos conceitos. Depois que as pessoas conseguem fazer isso de forma mais natural, é fantástico, porque isso acaba ficando intrínseco. No primeiro momento é obrigação porque existe ganho financeiro. Depois fica natural e, aí sim, temos uma mudança de cultura.
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