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Fusão entre Gol e Azul é ‘mal necessário’, pois perder empresas seria pior

Especialistas alertam que, num mercado de pouca competitividade, perder essas empresas seria pior
Fusão entre Gol e Azul é ‘mal necessário’, pois perder empresas seria pior
Atualmente, Gol, Azul e Latam dominam o mercado doméstico do Brasil, destacou a especialista Nicole Villa | Crédito: Adriano Machado / Reuters

São Paulo – O cenário da aviação civil no Brasil torna particularmente complexa uma aprovação regulatória da união entre as companhias aéreas Gol e Azul, que combinadas responderiam por mais da metade do mercado doméstico, ao lado da filial brasileira da Latam, disseram especialistas ouvidos pela Reuters.

Azul e Abra, controladora da Gol, anunciaram na semana passada a assinatura de um memorando de entendimentos não vinculante entre as empresas para potencial fusão dos negócios da Azul e da Gol, que está em recuperação judicial nos Estados Unidos, potencialmente criando uma gigante do setor na América Latina.

A formalização do interesse na combinação marca o início do processo para a obtenção de aprovações regulatórias, incluindo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que deve ser complexo dadas as particularidades do cenário brasileiro de aviação, observa a advogada especialista em direito aeronáutico, com ênfase em regulatório, Nicole Villa.

“São basicamente essas três empresas que dominam o mercado doméstico brasileiro”, destaca a especialista, que é sócia do escritório Barros Freire Fernandes Advogados.

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Villa comentou que o Cade pode dar aval ao acordo, mas deve impor condicionantes para sua aprovação, como a cessão de “slots” – autorização que a empresa aérea tem para operar um voo num determinado intervalo de horário em um aeroporto – para a rival Latam, que teria então que provar ter condições de prestar o serviço.

“É difícil de dizer o que o Cade vai fazer, mas essas são possíveis medidas… para que o mercado não sofra o impacto tanto de ter um duopólio quanto de perder essas empresas, porque não tê-las também é ruim”, observa.

O sócio sênior da Bain na América do Sul nas áreas de private equity, estratégia e aviação, André Castellini, citou como exemplo a fusão entre as companhias aéreas LAN e TAM, que formou a atual Latam.

“Eles tiveram que abrir mão de certos slots em Guarulhos. Então talvez eles tenham que abrir mão de certos slots ou deixar outros concorrentes operarem certas rotas”, diz.

Os slots mais prováveis estariam em aeroportos como o de Congonhas, em São Paulo; Santos Dumont, no Rio de Janeiro; Confins, em Minas Gerais; e o aeroporto de Brasília, que são os mais “saturados”, segundo ele.

Outra possibilidade seria o Cade exigir que as empresas permaneçam separadas em determinadas áreas, como comercialização e precificação de tarifas, gestão de receita e gestão das malhas aéreas, acrescenta.

No caso de o remédio envolver ajustes nas malhas ou na frequência de voos, uma rota que deve ser analisada é a que conecta as principais cidades do Brasil a Miami, visto que Gol e Azul, juntas, possuem participação significativa nesses voos, afirmou o advogado Xavier Rosales, cujo escritório esteve envolvido em casos como as tentativas anteriores de aquisição da Avianca e a fusão recentemente bloqueada entre as norte-americanas JetBlue e Spirit Airlines.

Avião da Azul
Presidente da Azul negou “enxugamento” da malha e disse que o processo de reestruturação e crescimento da companhia independe da fusão | Crédito: Amanda Perobelli / Reuters

“Pode ocorrer que, entre as duas aéreas, em um determinado aeroporto ou horário, ou para uma rota específica, as capacidades fiquem excessivamente concentradas. E uma das medidas para que a operação seja aprovada, do ponto de vista da concorrência, é buscar formas de desconcentrar”, observa.

Sem união das empresas, Azul pode rever malha

O sócio sênior da Bain na América do Sul nas áreas de private equity, estratégia e aviação, André Castellini, afirma que a eventual combinação entre Azul e Gol é um “mal necessário”. “O que está bastante evidente é que a Azul não estava conseguindo manter suas operações, ela já estava enxugando a malha. Então, se não houver essa fusão, é possível um cenário que a Azul passe a ter uma malha menor”, diz.

Na visão da advogada especialista em direito aeronáutico, com ênfase em regulatório, Nicole Villa, tal cenário forçaria a Azul a procurar novas alternativas. “Eu vejo que se não acontecer a fusão, o caminho mais provável é que a Azul também passe pelo processo de avaliar se não é o caso de uma recuperação judicial”, observa.

À Reuters, o presidente-executivo da Azul, John Rodgerson, negou um “enxugamento” da malha e disse que o processo de reestruturação e crescimento da companhia independe da aprovação do acordo com a Abra (controladora da Gol).

“Nós cancelamos algumas rotas em algumas cidades por causa do dólar alto, mas isso é normal”, diz o executivo. “Acho que o mercado sem a aprovação (pelo Cade) talvez não vai ser tão grande como com uma aprovação. Mas a Azul ser menor, não”, frisa.

A Azul, única empresa em operação no Brasil do setor aéreo que até agora não recorreu a um processo de recuperação judicial, chegou no ano passado a um acordo com arrendadores de aeronaves e fabricantes de equipamentos para liquidar cerca de R$ 3 bilhões em dívidas em troca de novas ações, algo equivalente a uma participação acionária de cerca de 20% na companhia.

Segundo Villa, o mercado doméstico enfrenta uma falta de diversificação de empresas regionais que é necessária em um País com dimensões continentais como o Brasil, e a união de duas das maiores empresas do setorabriria espaço para novos entrantes, embora o cenário brasileiro seja complexo.

Tanto ela quanto Castellini chamaram atenção para o chamado “custo Brasil” e para uma regulamentação desvantajosa para as companhias aéreas que operam no País, além da deteroriação das perspectivas fiscais domésticas e um dólar a R$ 6.

Impactos sobre a Latam

A potencial união da Azul e da Gol formará uma empresa com cerca de 60% do mercado de voos domésticos brasileiros, superando os 40% da concorrente Latam, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

“Não necessariamente eu acho que isso vai ser muito ruim para a Latam, vai depender muito de como for administrada uma eventual integração e de como a Latam vai saber aproveitar o momento”, diz Castellini.

De acordo com o especialista, por já dominar mais de um terço do mercado, a Latam possui “a massa crítica” para se manter competitiva, e pode inclusive se beneficiar da distração das rivais, que terão que dividir seu tempo de gestão das operações com o processo para combinação de negócios.

Analistas do Santander, liderados por Lucas Barbosa, notaram que, embora os efeitos a longo prazo possam ser negativos para a Latam, ela pode se favorecer por muitos anos da “integração complexa” da possível fusão da Azul, uma vez que esse processo pode dificultar um movimento mais agressivo da nova companhia.

Já na visão de Rosales, uma das estratégias que a Latam pode estar analisando é a de se opor à fusão – e como fazer isso. “Os concorrentes têm a possibilidade de ser ouvidos nos processos de aprovação desse tipo de operação pela autoridade reguladora, para que coloquem na mesa as dúvidas e os riscos que enxergam que podem impactar a concorrência”, diz ele, estimando que o processo deve durar mais de um ano.

“Não acho que será um processo fácil. Mas acredito que tem chances de sucesso”, acrescenta. Procurada pela Reuters, a Latam não comentou o assunto.

No anúncio do acordo inicial envolvendo a Gol, a Azul destacou que as duas empresas manterão seus certificados operacionais segregados sob uma única entidade listada em bolsa, mas é esperado que outras áreas sejam combinadas para “oferecer mais oportunidades e produtos aos clientes e obter ganhos de eficiência”.

Reportagem distribuída pela Reuters

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