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Gastronomia em Tiradentes é comandada por mulheres

Tradição é a grande marca do setor
Gastronomia em Tiradentes é comandada por mulheres
O Restaurante Padre Toledo é parada obrigatória para os turistas em Tiradentes | Crédito: Nereu Jr

A gastronomia regional é um dos motores do turismo em Minas Gerais e quando ela se junta ao patrimônio histórico e artístico, a receita é quase infalível: turistas felizes, destinos cheios e bons negócios para a cadeia produtiva do turismo.

Esse é um bom resumo para a colonial Tiradentes, no Campo das Vertentes. A cidade tricentenária, palco de importantes acontecimentos históricos do passado e de uma intensa atividade de eventos culturais no presente, tem a força feminina no comando não só das “panelas”, mas também na criação e gestão da variada rede de bares e restaurantes do município.

A história que remonta ao passado das quitandeiras ao redor do fogão de lenha, segue criando tradições. Na sempre movimentada rua Direita, no Centro Histórico, o Restaurante Padre Toledo é parada obrigatória de turistas e autoridades que visitam a região.

O nome, em homenagem a um dos principais líderes da Inconfidência Mineira, é só uma pista dos sabores e modos de fazer tradicionais que a casa faz questão de preservar e apresentar para os neófitos em mineiridades.

De acordo com a turismóloga e gestora do Padre Toledo, Fernanda Fonseca – neta da fundadora da casa, Josefina do Nascimento Fonseca –, a história do Restaurante que teve as portas abertas em 1970, na verdade, começa muito antes, inspirado em outra mulher: Olinda Costa do Nascimento, bisavô de Fernanda e mãe de Josefina.

“Minha avó faz parte de uma tradição de mulheres fortes em Minas Gerais. No caso dela, não só questão do empreendedorismo, mas também nos costumes. Ela foi a primeira a usar roupa colorida e calça comprida na cidade. Ela se casou com um negro e teve quatro filhos homens. Em uma certa época eles tiveram quatro restaurantes industriais em cidades da região, cada um comandado por um filho. Mas quem coordenava tudo era ela”, relembra Fernanda Fonseca.

Fernanda Fonseca: minha bisavó empreendia por necessidade | Crédito: Arquivo pessoal

Na década de 1970 Tiradentes era uma cidade em decadência, esquecida e quase não gerava empregos que não fossem públicos. A decisão de abrir o restaurante foi tida como irresponsável por muitos. Mas logo depois foi inaugurado o Solar da Ponte – um dos mais importantes hotéis da cidade até hoje – e começou o movimento de qualificação turística da cidade.

Ainda que lentamente, a infraestrutura foi melhorando e cada vez mais gente se interessava em conhecer o patrimônio cultural e natural da cidade que é emoldurada pela Serra de São José. A tradicional e famosa culinária mineira, com os produtos e temperos tradicionais do Campo das Vertentes, alçava o posto de atrativo turístico de onde não sairia mais. E lá estava o Padre Toledo com seu pioneirismo.

“Esse espírito aguerrido da dona Josefina vem da minha bisavó, que empreendia por necessidade. Viúva, ela se viu em dificuldades financeiras e criou três filhos sozinha, vendendo doces em São João del-Rei. Eu lembro dela ensinando pra gente alguns segredos da cozinha. O doce de figo da dona Olinda é famoso até hoje. A partir do fim dos anos de 1980 a cidade foi se transformando pela gastronomia e depois pelos eventos”, explica.

O restaurante funciona em uma construção original e totalmente preservada de 1720, onde ficava a antiga Casa da Moeda dos tempos coloniais. Para resguardar a essência do Padre Toledo e continuar crescendo, Fernanda e o irmão – que fazem parte da terceira geração -, que assumiram a direção da casa em 2020, promoveram pequenas modernizações no cardápio, como a inclusão de itens veganos, e começaram o serviço de delivery em Belo Horizonte.

Josefina do Nascimento Fonseca, fundadora do Padre Toledo | Crédito: Arquivo pessoal

Como boa mineira, ela diz que uma filial está nos sonhos, mas apesar das recorrentes propostas de sociedade até para fora do Estado e de formatação para o franchising, a decisão é agir com calma, esperar por uma recuperação da economia mais consolidada para, então, falar em novos investimentos.

“Quando assumimos o restaurante firmamos com a nossa avó o compromisso de manter a tradição do Padre Toledo. Levamos algumas novidades para o cardápio para dar opções mais contemporâneas aos nossos clientes, mas sem abandonar a mineiridade em nenhum momento. Criamos, por exemplo, o risoto de ora-pro-nobis e o feijão tropeiro vegano. Mas continuamos servindo na panela de pedra uma comida borbulhante e afetiva. Ao mesmo tempo, aderimos ao modelo de dark kitchen (cozinha obscura) e abrimos o delivery em BH para acabar com o mito de que delivery não tem comida mineira e comida boa. Isso demandou estudo e inovação nas embalagens”, destaca a chef do Padre Toledo

Comida na fazenda

Na estrada entre Tiradentes e Bichinho, o restaurante Pau de Angu é tocado exclusivamente por mulheres. Completando 16 anos em 2023, o espaço para 150 pessoas fica dentro de uma fazenda e, com frequência, tem fila de espera durante a alta temporada.

Sua idealizadora, Leonídia de Jesus Bezerra, trabalhava com gastronomia desde o início dos anos de 1990, mas foi com o incentivo das duas filhas que decidiu abrir o próprio negócio. Hoje além das “suas meninas”, os netos também ajudam a tocar o restaurante.

E assim, misturando necessidade e espírito empreendedor, ela é mais uma representante da maioria feminina entre os empreendedores de Tiradentes.

“Em Tiradentes acontece algo diferente, aqui a maior parte dos empreendedores é formada por mulheres. Isso acontece em todas as áreas e é muito importante porque ainda vivemos em uma sociedade muito conservadora. Eu comecei por necessidade e fui me apaixonando pelo que fazia. E quando é assim, a gente acaba contagiando as pessoas. Hoje tenho um neto de cinco anos que não abre mão de vir para cá nos fins de semana ‘me ajudar’. É um trabalho exaustivo, mas tão prazeroso que a gente quer que fique na família”, afirma Leonidia Bezerra.

Expansão futura já está no radar, afirma Leonidia Bezerra | Crédito: Arquivo pessoal

Para garantir o gostinho de “comida de vó”, a empresária faz questão de ter uma horta farta e variada, onde busca verduras, legumes e temperos. O dia começa cedo e inclui a fabricação de linguiça e doces e a busca de outros insumos junto aos pequenos produtores ao redor da cidade.

Para dar conta de tudo, são oito funcionários fixos e mais os extras contratados de acordo com a necessidade.

“A ideia é resgatar aquilo que o pessoal da cidade grande já perdeu. Para isso é preciso ter insumos frescos, de boa qualidade. Escolhemos plantar boa parte, mas isso tem um custo. Muitas vezes é mais barato comprar do que plantar por causa da escala e do preço da mão de obra. Tenho uma equipe muito boa, mas nos dias de pico não dá”, pontua a idealizadora do Pau de Angu.

Uma expansão futura já está no radar da empresária, que já escolheu até o espaço mas, mineiramente, diz que esse é um investimento para ser feito sem pressa. A única pista é que será um restaurante com estilo mais contemporâneo, para alcançar um novo perfil de cliente.

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