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Gestão de resíduos ainda é grande desafio

Todos os anos perde-se mais de R$ 8 bilhões em materiais que, após o uso, são direcionados para aterros e lixões
Gestão de resíduos ainda é grande desafio
minas toneladas resíduosCrédito: Pixabay

Transformar o que não serve mais em algo útil e rentável, criando assim uma cadeia produtiva capaz de gerar emprego e renda, conduzindo pessoas, empresas, cidades e países ao desenvolvimento econômico e social é a missão do setor de resíduos.

Dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) revelam que perdemos todos os anos mais de R$ 8 bilhões em materiais que, após o uso, são direcionados para aterros e lixões clandestinos, e temos mais de um milhão de pessoas vivendo e trabalhando todos os dias nesses lugares insalubres.

O Brasil, certamente, é um dos lugares do mundo em que essa cadeia produtiva tem mais potencial. Segundo a Green Eletron, os brasileiros estão na 5ª posição dos maiores geradores globais de resíduos eletrônicos, com mais de 2 milhões de toneladas descartadas apenas em 2019, registrando reciclagem de menos de 3% desse total. Isso sem falar nos demais tipos de resíduos.

Em Belo Horizonte, a I Feira Mineira de Resíduos, que aconteceu nos dias 6 e 7 de outubro, no Centro de Inovação e Tecnologia (CIT/Senai), na região Leste, se configurou em uma mostra de tecnologias para o setor de limpeza urbana e industrialização dos resíduos e, também, um salão de negócios, onde a transformação de diversos tipos de materiais em insumos para a indústria ou para a geração de energia foram apresentados, assim como negócios voltados para a gestão de resíduos, fabricação direta de utensílios e objetos de arte, entre outras oportunidades.

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De acordo com o presidente do Sindicato das Empresas de Coleta, Limpeza e Industrialização de Resíduos de Minas Gerais (Sindilurb-MG), Mauricio Sigaud Ferreira, a feira é um marco histórico para o setor e também para a sociedade.

“O que foi um problema no passado, hoje é uma solução. Tudo isso é muito importante não só para nós, mas para toda a sociedade que vai tomar conhecimento da evolução dos resíduos. Fazer do resíduo matéria-prima para a própria indústria ou para outras indústrias é fundamental do ponto de vista ambiental e também econômico. Trouxemos o que existe de mais novo para mostrar que temos um campo muito grande a ser explorado em Minas Gerais”, explicou Ferreira.

Durante a cerimônia de abertura do evento foi assinado o Acordo de Cooperação para a Elaboração do Plano Estadual de Resíduos Sólidos de Minas Gerais (Pers-MG). Assinaram o documento o presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Renato Brandão; a secretária Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), Marília Melo; e o presidente da Abrelpe, Carlos Silva.

“A partir de agora temos o prazo de dois anos para construir o Plano Estadual de Resíduos Sólidos de Minas Gerais ouvindo todos os entes e interessados nessa cadeia produtiva para que o Plano seja realmente assertivo. Precisamos que ele seja executável no dia a dia das empresas. Ele dá diretriz para todos os atores que se envolvem com esse tema”, pontua Silva.

Crédito: Sebastião Jacinto Júnior

Economia circular

Substituir o modo de produção linear como conhecemos hoje não é uma tarefa fácil. Como toda grande mudança, acarreta esforço e custos, porém pode ser a chave para que o planeta continue suportando as necessidades e desejos da humanidade. O conceito de economia circular impõe mudanças significativas na etapa inicial (extração) e final (descarte), nas quais se aplicam os conceitos de reutilização, recuperação ou reciclagem. 

Uma boa notícia é que cada vez mais consumidores e tomadores de decisões – tanto do setor público como privado – estão preocupados com isso. Levantamento realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), mostra que 38% dos entrevistados sempre verificam ou verificam às vezes se os produtos foram produzidos de forma ambientalmente correta. E o número de pessoas que separa o lixo para reciclagem cresceu de 47%, em 2013, para 55%, em 2019.

Ainda a mesma pesquisa mostra que 76,5% das indústrias desenvolvem alguma iniciativa de economia circular, embora a maior parte não saiba que as ações se enquadram nesse conceito. Entre as principais práticas elencadas pelos respondentes estão a otimização de processos (56,5%), o uso de insumos circulares (37,1%) e a recuperação de recursos (24,1%). E 88,2% dos entrevistados avaliaram a economia circular como importante ou muito importante para a indústria brasileira.

E foi justamente por se mobilizar pela sustentabilidade do planeta, que a fundadora da Leal Sustentabilidade, Paula Cardoso, deixou uma bem-sucedida carreira na indústria da mineração e deu vazão ao seu lado empreendedor.

O objetivo da empresa, sediada na região da Pampulha, é gerar impacto positivo do meio ambiente, estimulando o desenvolvimento sustentável na vida das pessoas. Para isso, são desenvolvidos projetos relacionados à educação ambiental em formatos de palestras e oficinas, projetos e execuções de plantios de hortas urbanas, fornecimento de biodigestores Homebiogas e consultorias especializadas.

Entre as soluções oferecidas pela Leal Sustentabilidade, a de maior destaque é o Homebiogas 2.0. O biodigestor de origem israelense é ideal para pequenos empreendimentos e é capaz de transformar todo resíduo orgânico em gás de cozinha e um fertilizante.

“Quando ainda estava na mineração ganhei um prêmio de inovação com uma solução que aproveitava os pneus dos veículos off road da mineradora. A partir daí percebi que a sustentabilidade é uma missão de todos e de cada um. Me tornar uma empreendedora social com foco em sustentabilidade concretizou o meu propósito de vida e hoje permite que eu gere empregos e qualifique mão de obra em cada lugar que faço uma instalação do biodigestor”, destaca Paula Cardoso.

A iniciativa fez parte do grupo de 19 empresas selecionadas pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae Minas), para apresentarem seus projetos na I Feira Mineira de Resíduos. 

“A gente ouve falar sobre resíduos e rejeitos. Resíduo é tudo aquilo que pode ser aproveitado. Isso gera uma grande oportunidade de negócios. Temos aqui na feira vários exemplos. O Sebrae quer apoiar as pequenas empresas a aproveitar essas oportunidades. Isso é muito bom para Minas Gerais e para o Brasil porque estamos promovendo a  economia circular. A sustentabilidade passa por esse caminho. Além da parte econômica, a ambiental e a social são auxiliadas por esse setor”, analisou o coordenador de Indústrias do Sebrae Minas, Jefferson Santos. 

Crédito: Daniela Maciel

Resíduos plásticos viram solução social

O lixo plástico é, talvez, o grande vilão e também aquele que mais oferece oportunidades de inovação na cadeia produtiva com vistas a uma economia circular e responsável. Segundo o Atlas do Plástico 2020, publicado pela Fundação Heinrich Böll Stiftung, só no Brasil foram mais de 11 milhões de toneladas de plástico jogadas fora, o que colocou o País como quarto maior produtor de lixo plástico no mundo, naquele ano.

A gravidade da situação chegou a tal ponto que a Organização das Nações Unidas (ONU), aprovou, em março, um acordo histórico para criar o primeiro tratado global de poluição por plástico, descrevendo-o como o pacto ambiental mais significativo desde o Acordo Climático de Paris, em 2015.

Autoridades de 175 países, incluindo o Brasil, comemoraram a adoção de uma resolução para criar um tratado legalmente vinculante sobre poluição por plástico, que deve ser finalizado até 2024.

Por não ser biodegradável hoje é, também, um grave problema ambiental, especialmente o chamado “plástico de uso único”, aqueles descartáveis. Leve e barato, muitas vezes tem a viabilidade econômica da sua reciclagem ou reaproveitamento questionada. Mas isso já começou a mudar.

Em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a Plaspop converte resíduos plásticos em novos produtos remunerando quem entrega embalagens e outros resíduos plásticos nos pontos de coleta. Com isso ela cria um caminho rastreável dos resíduos, desde a coleta até a transformação em novos produtos. O sistema é simples, quem entrega o resíduo ganha um determinado número de pontos que podem ser trocados por produtos que foram feitos com o plástico recolhido. Assim, o que era lixo se transforma em um objeto útil por indefinidas vezes, em um círculo virtuoso.

Segundo o fundador da Plaspop, Davi Iankous, a ideia surgiu dentro de uma indústria com ampla experiência na fabricação de componentes plásticos também em Betim. Ele mesmo desenha os produtos que saem da fábrica da Plaspop.

“Com o projeto Estação Circular transformamos resíduos plásticos em experiências incríveis. Nossas lojas funcionam como estações de coleta e processamento de resíduos e também como espaços para a experiência dos usuários com os produtos e serviços oferecidos por nós. Temos vários layouts de Estações que podem envolver desde ações de educação ambiental a serviços de coleta e transformação de resíduos in loco. Temos casos em que quem era apenas catador começou a vender os nossos produtos, agregando valor ao seu trabalho. Isso deu autonomia para essas pessoas”, comemora Iankous.

Regeneração

A ONU estima que uma mudança significativa para uma economia circular poderá reduzir o volume de plásticos que entram nos oceanos em mais de 80% até 2040, reduzir a produção de plástico virgem em 55%; poupar US$ 70 trilhões aos governos; reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 25% e criar 700 mil empregos adicionais nesse mesmo prazo.

Isso mostra que a revisão sobre o uso e a fabricação do plástico pode gerar uma nova cadeia produtiva baseada na chamada “economia regenerativa”. A tríade “Redução, Reúso e Reciclagem” forma os 3Rs da sustentabilidade, um conceito já bastante popular. E essa é uma das verticais mais promissoras e de rápido desenvolvimento dos novos negócios que estão surgindo a partir da busca por mitigação do uso do plástico.

Candidato natural ao protagonismo em uma economia global mais verde, o Brasil conta com uma adesão já significativa da população quanto à diminuição do uso do plástico. Em uma pesquisa realizada pela consultoria Ipsos, em parceria com o movimento Plastic Free July, o Brasil – entre os 28 países que integram o levantamento – foi o que registrou maior apoio a essas práticas, empatado com China, Grã-Bretanha e México – todos com 90%. Os menores índices foram identificados entre os entrevistados no Japão (72%), Arábia Saudita (79%), Coréia do Sul (79%) e Rússia (79%). A média global é de 85%.

A maioria dos consumidores em todos os países pesquisados prefere produtos que utilizam a menor quantidade de embalagens plásticas possível, sendo os entrevistados da China (92%), México (92%) e Colômbia (92%) os que mais concordam com a afirmação. O Brasil ficou em 6º lugar, com apoio de 86% dos respondentes, acima da média global (82%).

Em média, 88% das pessoas ouvidas acreditam que é essencial, muito importante ou bastante importante haver um tratado internacional para combater a poluição por plástico. Entre os brasileiros, o nível de apoio à medida é ainda maior: 92%.

Apontada como solução para conciliar desenvolvimento econômico e responsabilidade socioambiental, a economia regenerativa é o sistema que deseja substituir a lógica de exploração de matérias-primas, produção e consumo, por uma lógica circular que se preocupa com o propósito e o processo de busca de matérias-primas, produção, consumo reutilização, reaproveitamento, reciclagem e descarte final do produto. Ela propõe a tomada de decisões que atendam às necessidades das pessoas sem degenerar os sistemas naturais, com orientação de longo prazo, com o propósito de combater as desigualdades sociais e conservar a biodiversidade. O conceito permeia as discussões sobre a necessidade de diminuição do uso e fabricação do plástico e também sobre um ciclo mais sustentável de outros materiais e resíduos, inclusive a sucata e componentes eletrônicos.

“Grande parte do lixo vai parar em aterros sanitários ou é incinerado, gerando mais poluição e contribuindo para o aquecimento global. Os investimentos em reciclagem não são suficientes. Isso faz com que atores como os catadores de materiais recicláveis, por muitos invisibilizados, se tornem linha de frente da guerra contra o plástico e contra a Covid-19, pois são cada vez mais vulneráveis nessa cadeia do descarte instantâneo e contaminado”, aponta o relatório.

E assim, os artistas também se engajam nessa nova mentalidade e jeito de produzir. Expositor na I Feira Mineira de Resíduos, o artista plástico Aislan Cordeiro produz em Santa Luzia, também na RMBH, fazendo do metal abandonado arte e meio de sobrevivência.

“Esse é um evento importantíssimo porque ressalta a importância de ressignificar e dar vida aos materiais descartados”, completou Cordeiro.

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