Gestão é o caminho da salvação para as médias empresas, aponta estudo da FDC

A apresentação dos resultados do “Estudo de Produtividade das Médias Empresas Brasileiras”, durante o 9º Fórum Anual das Médias Empresas, na sede da Fundação Dom Cabral (FDC), em Nova Lima, a gestão é o “calcanhar de Aquiles” das médias empresas. Mostrou também que a falta de mão de obra qualificada é um desafio para as indústrias (85%) e que a falta de capital próprio para investimento é uma barreira para o aumento da produtividade no setor do comércio (58%). Além disso, verificou que a tecnologia, fator que alavanca fortemente a produtividade, ainda recebe investimentos relativamente baixos das médias empresas prestadoras de serviços (apenas 6,6% do seu faturamento).
Para falar do papel, desafios e oportunidades das médias empresas brasileiras, o professor e pesquisador do estudo da FDC, Diego Marconatto, conversou com exclusividade com o Diário do Comércio.
É certo que as médias empresas que souberem aumentar sua produtividade serão mais competitivas. Os empresários – muitos deles ainda envolvidos com a operação da empresa – conseguem enxergar essas oportunidades?
Essa é uma questão clássica que acontece nas empresas de menor porte. Nas empresas de médio porte, que já têm uma estrutura melhor, o dono, muitas vezes, começa a se descolar da operação. É fundamental para o crescimento do negócio que ele construa uma estrutura de gestão que permita a ele delegar as atividades que são meramente operacionais e depois aquelas que são meramente gerenciais para ele poder olhar a estratégia do negócio como um todo.
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As médias empresas são normalmente ainda familiares e mesmo as de gestão mais profissionalizada têm nesse deslocamento um ponto crítico. Como fazer isso?
As empresas médias são bastante longevas no Brasil, o que é algo muito positivo. Isso reflete muito a natureza familiar da maioria desse negócio. Uma empresa familiar sempre tem dois sistemas rodando ao mesmo tempo: o sistema do negócio e o sistema da família. E esses temas trazem desafios grandes principalmente de governança. Deve existir uma governança que permita o desenvolvimento da empresa. A sucessão é um momento de inflexão. O número de empresas que quebram logo depois ou por causa de uma sucessão mal-sucedida é muito grande. No caso das médias empresas familiares o desafio particular é a governança e a profissionalização da família enquanto gestora de um negócio. Olha que interessante: as empresas familiares, na média, crescem mais do que as empresas não-familiares quando a gente olha a população geral das empresas no mundo, mas entre as empresas de alto crescimento, as médias empresas são raras. A empresa é o patrimônio da família, então isso a torna mais lenta e menos racional.
A governança é importante para todo tipo de empresa, mas na empresa familiar é particularmente importante. A pesquisa pontua a gestão de pessoas como um dos desafios das médias empresas. Por que elas sentem mais nesse aspecto?
Fazer gestão de pessoas é cuidar de todas as pessoas, mas na média empresa ela deve começar pela propriedade do negócio, ou seja, nos acionistas e nos gestores porque esses dois papéis costumam conviver. Quando a empresa familiar cresce, vem a dúvida sobre como dividir o poder. Então, eu começaria pela propriedade. E aí depois ir descendo para os outros cargos.
O mundo parece estar numa encruzilhada, com várias crises ao mesmo tempo. E a escassez de mão de obra é uma delas, ao mesmo tempo em que as novas tecnologias ganham uma velocidade nunca vista. Como as médias empresas vão se manter e crescer nessa complexidade?
Eu sigo acreditando que a solução está na educação. Me parece que a distância entre ricos e pobres está se aprofundando no mundo também por falta de pequenas e médias empresas. São elas que geram renda para as famílias. No Brasil elas são 27% do PIB, na Europa são 50%, na Alemanha 60%.
E aí a gente vê a diferença: esse fosso é de natureza cognitiva/ tecnológica, porque existe uma parcela da população que é capaz, pela educação, de formar uma elite capaz de criar as novas tecnologias.
Do outro lado, temos uma massa crescente que vai ficando marginalizada do processo econômico-produtivo. A pessoa vai perdendo radicalmente a capacidade produtiva porque ela não tem condições de lidar com as tecnologias. Esse é um dado muito preocupante. O problema do Brasil não é o quanto investe em educação, é que ele faz isso mal.
Nós precisamos reverter esse investimento em acréscimo de capital humano que, no final das contas, é autonomia. No momento que eu tenho capital humano, tenho mobilidade profissional porque tenho maior capacidade de entregar valor onde estou.
As médias empresas precisam tomar as responsabilidades nas próprias mãos e desenvolver o próprio capital humano, na medida do possível. E aí no pêndulo da produtividade, se uma parte falta, vai ter que pesar na outra, que é gestão de tecnologia e o processo. A gestão é o caminho de salvação para gerenciar melhor o recurso aplicado na educação. Aí cabe a responsabilidade dos gestores das médias empresas se formarem melhor. A produtividade começa no gestor. Eu vejo as empresas falando em faturamento, em lucro, mas nunca vejo as empresas dizendo que medem a sua produtividade.
Se ninguém mede produtividade e nem cobra do outro, qual seria o papel ou seria o resultado se o mercado de capitais se envolvesse nisso, a exemplo do que aconteceu com o ESG, a partir das cartas da Black Rock?
A produtividade antecede a pauta da sustentabilidade. Quanto mais produtiva a empresa é, mais valor ela cria com menos uso de recursos ambientais, sendo mais sustentável. O outro ponto é que os atores do mercado se movimentam por incentivo, então as empresas compraram a causa do ESG porque ela traz lucro. Se o mercado financeiro fizesse isso com a produtividade seria ótimo. De maneira mais ou menos indireta isso acontece porque o investidor sempre está observando a lucratividade e o crescimento da empresa e ambas as coisas são uma função da produtividade.
Acontece que esse assunto, muitas vezes, não é uma pauta tão simpática quanto a pauta do ESG. Estudos mostram que a satisfação do colaborador impacta muito na produtividade. A produtividade tem que ser dentro de um parâmetro humano, dentro do pacote da governança.
Por isso não existe democracia sem um setor forte de pequenas e médias empresas?
Sim, porque são elas que distribuem renda entre a população. Se só existirem grandes empresas, elas podem se unir ao estado em um capitalismo de compadrio ou até se sobrepor a ele. As pequenas médias empresas são sinônimo de democracia.
Pensando agora nas oportunidades para o Brasil, que vem muito da questão da nossa matriz energética e da nossa potência na produção de alimentos, como as médias empresas podem capitalizar essas oportunidades com a estrutura e os marcos regulatórios que temos hoje no País?
O capital, de maneira geral, não tem mais rosto nem nação, ele se movimenta pelo imperativo do risco-retorno. E aí existem os incentivos institucionais. E isso é algo que o Brasil tem a oferecer. É possível para várias médias empresas terem sucesso se olharem para essas cadeias produtivas.
A questão é a segurança jurídica. Isso é um dado sensível que também reduz a nossa produtividade porque o capital produtivo tem medo de ir onde ele fica em risco. O Brasil é um país extremamente barato para os norte-americanos e para os europeus. O problema é o risco embalado na complexidade do arcabouço legal. É difícil fazer negócios no Brasil. A complexidade é tão grande que ela aumenta o risco.
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