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Gestora de Inovação otimiza o BH Airport

Em entrevista exclusiva, Mariana Humberto Yazbeck fala sobre a indústria aeroportuária e as mulheres no mundo corporativo
Gestora de Inovação otimiza o BH Airport
Crédito: Leonardo Morais

Ela sempre enfrentou ambientes corporativos masculinizados, mas teve a sorte de encontrar mulheres inspiradoras pelo caminho, capazes de apontar possibilidades e descortinar trajetos pouco frequentados por mulheres.

A bacharel em Relações Internacionais, Mariana Humberto Yazbeck, hoje ocupa o inédito cargo no Brasil de gestora de Inovação em um aeroporto do País, o BH Airport. Ela lidera a criação do Hub de Inovação BH Airport e a inovação aberta da empresa.

Antes disso, porém, teve passagens exitosas pela Assessoria de Parcerias Nacionais e Internacionais da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia de Minas Gerais; pelo Programa de Inovação da Fiat Powertrain para a América Latina. Foi também diretora de Operações da Softex Nacional e, em 2017, assumiu a gerência de Empreendedorismo Tecnológico e gestora do Fab Lab Laboratório Aberto Senai MG. No ano seguinte, passou a gerir o Fiemg Lab – Hub do Sistema Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) de aceleração de startups e promoção da inovação aberta para a indústria.

Mariana Yazbeck recebeu ontem, véspera do Dia Internacional das Mulheres, com exclusividade, a reportagem do DIÁRIO DO COMÉRCIO, para falar sobre a indústria aeroportuária, a construção do Centro de Inovação do BH Airport, inovação aberta e, claro, sobre mulheres no mundo corporativo e equidade de gênero.

Seu currículo é recheado de passagens por lugares ainda muito masculinizados, incluindo o aeroporto. Pode nos contar um pouco da sua trajetória?

Apesar da inovação ser, sim, um ambiente masculinizado, existem muitas mulheres trabalhando, mas elas não estampam as capas de revista como um homem de sucesso em uma startup. Mas existem diversas mulheres que estão realmente fazendo acontecer no mundo da tecnologia, diversas mulheres maravilhosas que estão empreendendo, mas muitas vezes, elas não recebem o espaço para mostrar. A minha história começa no curso de Relações Internacionais e eu tive a sorte de, desde muito cedo, começar a fazer estágio na área, em uma época em que, ainda, o profissional de Relações Internacionais tinha pouco lugar reconhecido no mercado, a não ser no Itamaraty.

Meu primeiro estágio foi no Indi (Instituto de Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais), com a Maria Carmem, que era uma líder maravilhosa. Logo depois, tive a chance de trabalhar na Assessoria Internacional do governo de Minas, com uma profissional chamada Roberta Morais, que também era uma super líder e foi uma pessoa que me inspirou e me direcionou muito. A Roberta estava fazendo mestrado em Direito, na área da biotecnologia, e eu me apaixonei pelo estudo que ela estava realizando. Tinha conversas incríveis com ela sobre o potencial da biotecnologia com um olhar não necessariamente só tecnológico, mas com o olhar socioeconômico da aplicação da tecnologia no mundo.

E, na época, o assunto que mais fervilhava era sobre transgenia e a gente tinha conversas incríveis. A partir disso, eu descobri como ser uma profissional de Relações Internacionais na vertical da Ciência. Descobri que eu queria trabalhar com Relações Internacionais, mas que meu enfoque não seria diplomático, ou a exportação, mas seria tecnologia e inovação. E aí eu fui seguindo nessa carreira. Tive a chance de trabalhar em vários lugares.

Sim, esse é um ambiente supermasculino, mas a gente tem tido conquistas importantes. Nesse meio, temos grandes mulheres que têm inspirado essas discussões, inclusive líderes dentro de grandes empresas, como é o caso da Paula Harraca, da ArcelorMittal, que é um grande exemplo, que sempre levantou essa bandeira.

Em princípio, as Relações Internacionais não parecem tão ligadas à inovação. Parece que há um certo pioneirismo nessa sua trajetória.

Na minha trajetória na cooperação internacional de Minas e outros organismos, principalmente com a Europa, vi que as referências lá fora para os assuntos de Relações Internacionais, Ciência e Tecnologia eram, geralmente, mulheres.

E como aparece o Aeroporto Internacional de Belo Horizonte no seu caminho? Não é comum ouvirmos falar em uma diretoria ou departamento de inovação em um aeroporto.

Depois de 20 anos de carreira, eu recebi esse convite para fazer parte dessa equipe sensacional, por meio do Marcos Mandacaru, que é o nosso diretor comercial. Ele é uma pessoa com uma visão extremamente arrojada e que trouxe isso para o aeroporto e, de fato, um aeroporto ter uma área de inovação é algo novo no mundo.

O Aeroporto Internacional de Belo Horizonte ter uma área de inovação diz muito sobre ele. A inovação dentro dos aeroportos é inerente. Desde a hora que você pisa dentro do aeroporto até a hora que você entra no avião é pura inovação, composta por muita tecnologia embarcada em tudo. A indústria da aviação e a indústria aeroportuária têm muita tecnologia embarcada, principalmente no que diz respeito à segurança. Quando um aeroporto fala ‘nós vamos ter uma área de inovação’, ele está dando um recado muito importante para a sociedade. A Inovação não é apenas sobre a tecnologia. É o compartilhamento de valores como sustentabilidade e projetos também de desenvolvimento do entorno.

Para nós, usuários, a tecnologia em um aeroporto passa como algo feito para não ser visto. Sabemos dos controles, das esteiras, dos equipamentos de segurança, mas existe um fluxo que naturaliza essa jornada. Então, na maior parte do tempo não valorizamos essas inovações, a não ser quando algo dá errado. Nesse sentido, qual o futuro dos aeroportos?

O futuro dos aeroportos é cada vez mais você conseguir embarcar sem cartão de embarque, com mais o uso das biometrias, dos dados, da inteligência artificial, da realidade aumentada. Você vai caminhar com muita suavidade dentro desses espaços sabendo tudo pelo seu celular. Quanto mais fácil for seu fluxo, melhor será a sua experiência, com mais tecnologia, mais inovação embarcada. Sem contar outros detalhes que, muitas vezes, as pessoas não veem, que essas são as tecnologias de cuidado que temos em relação a reciclagem do lixo, a energia renovável – hoje a nossa é 100% renovável -, e todas as tecnologias para garantir que esse aeroporto seja cada vez mais sustentável e com menos impacto para o mundo.

O aeroporto é uma cidade pelo tamanho e pela variedade de serviços que oferece. Para as cidades temos o conceito de smart cities (cidades inteligentes). E para os aeroportos?

É por isso que o grande direcionador da inovação no nosso aeroporto é ser um Smart Airport fazendo analogia a smart city. Essa não é uma expressão inventada por nós. É um conceito que diz respeito a um aeroporto que utiliza as tecnologias para melhorar a experiência do passageiro e aumentar a eficiência das operações aeroportuárias. Junto com ele vem a série de tecnologias orientadoras tais como internet das coisas, inteligência artificial, realidade aumentada e realidade virtual, blockchain, robótica, biometria, energia renovável, big data, entre outros. As tecnologias portadoras de futuro que a gente convive hoje embarcadas no aeroporto da mesma maneira que ela pode ser embarcada em uma cidade.

Então aí começa a explicação do que se trata e porquê ter um Centro de Inovação dentro de um aeroporto?

O nosso hub de inovação é pioneiro. Existe um ramo de inovação no Aeroporto de Roma e, até agora, não há registro de outro hub de inovação nas Américas. Estamos atraindo para cá empresas âncoras. Além da indústria da aviação e da indústria aeroportuária, temos aqui outros importantes players para cadeia produtiva, como universidades, startups, centros de pesquisas, grandes corporações diretamente ligadas à indústria ou que fazem interface com essa indústria. Juntos podemos colaborar para desenvolver projetos que possam ser testados e validados dentro do BH Airport. Seremos um grande campus de prova e validação de tecnologias, uma grande vitrine tecnológica. É importante dizer que a nossa indústria faz interface com outras indústrias e que, automaticamente, podemos colaborar com impactos tecnológicos para outras áreas da cadeia. Então, quando trabalhamos a logística aqui dentro, desenvolvemos novas tecnologias para outras indústrias, favorecendo a mineração e a indústria automotiva, por exemplo. Da mesma maneira, as questões ligadas à tecnologia da sustentabilidade favorecem outras indústrias. Estamos falando de uma de um setor extremamente diversificado, com altíssimo potencial de impacto social e econômico.

Além de todos esses impactos, é importante dizer também sobre o impulso dado ao desenvolvimento local.

Tudo isso faz com que a gente gere empregos melhores, mais qualificados e ajude a desenvolver o ecossistema empreendedor com startups que atendam esse setor que é de altíssimo valor. Estamos criando toda uma rede de startups muito qualificadas que vão orbitar no entorno desse hub levando soluções para o BH Airport, para todas as empresas âncoras parceiras e também podem ser constantemente apresentadas à sociedade.

O DIÁRIO DO COMÉRCIO acompanha esse aeroporto desde quando ele estava apenas no papel. Sabemos que um terminal sempre leva desenvolvimento para uma região porque alguém tem que atender aquelas pessoas que ali trabalham, as empresas de logística vão se aproximando… Como toda essa ação pró-inovação ajuda no desenvolvimento regional também e na vida de quem vive aqui no entorno?

O potencial de impacto que temos para o desenvolvimento dessa região é altíssimo. Estamos falando, sim, de desenvolvimento, inclusive, trabalhando com empreendedorismo nessa região, fomentando e estimulando novos programadores. Grande parte, hoje, dos colaboradores do aeroporto já são do entorno. O nosso grande parceiro nessa missão é o Sebrae Minas.

E como as grandes empresas e as startups podem participar do Centro de Inovação?

Nesse momento é nos procurando. Estamos realizando uma série de atividades de integração desse público. No dia 22 de março faremos um evento fechado para parceiros de inovação que vai ser um encontro com startups internacionais, trazidas pela Apex Brasil, vindas de Singapura, Israel e Japão. Vamos fazer uma rodada de negócios com essas empresas e instituições parceiras. Também buscamos sistematicamente no mercado startups dentro de um determinado tema e colocando elas diretamente em reuniões estratégicas com algumas áreas dentro do BH Airport ou de algumas empresas do ramo de inovação que estão buscando determinadas soluções tecnológicas. Esses speed dates também acontecem em parceria com instituições estratégicas. Nós não estamos reinventando a roda, estamos potencializando o ecossistema de inovação que já existe. Não somos um programa de aceleração, mas vamos potencializar os programas que já estão desenvolvendo as startups para que aqui elas possam fazer negócios e validem tecnologias, façam prova de conceito.

Já falamos de aeroporto inteligente, mas muito tem sido falado sobre aeroporto industrial e aerotrópole. Como esses conceitos e planejamentos se articulam. Eles estão dentro de smart airport?

Eu entendo que o aeroporto inteligente abarca tudo isso. Agora mesmo estamos fazendo imersão com startups com soluções da área de logística dentro do terminal de cargas e todo o entorno vai ser impactado positivamente por isso. É a inteligência impactando a aerotrópole.

Uma tecnologia que o usuário fica muito curioso é o 5G, que promete revolucionar o jeito como trabalhamos, interagimos, enfim como vivemos. Vocês têm um parceiro que é a Vivo. O que você já pode contar sobre esse trabalho?

O 5G é uma das tecnologias direcionadoras do smart airport. Estamos falando da alta velocidade não necessariamente do mobile, mas das várias tecnologias, como a internet das coisas (IoT), por exemplo. Ela é potencializada com 5G. Nós temos a Vivo como principal parceiro para trabalhar essas inovações. Então nós não estamos falando, necessariamente, de soluções que já estão prontas no mercado mas, sim, de coisas novas que vão ser testadas e experimentadas no aeroporto.

O Aeroporto Internacional de Belo Horizonte é administrado por um consórcio que tem outros equipamentos do mesmo tipo espalhados pelo mundo. Todo esse esforço de inovação vai ser compartilhado ou pode vir a ser desenvolvido em parceria com esses outros aeroportos?

A gente espera que sim e já estamos em conversa com os acionistas. Inovação se faz com colaboração. Aí nossa expectativa é que o BH Airport lidere esse processo. Uma característica que temos é a capacidade escala que oferecemos ao ser uma vitrine tecnológica para os nossos parceiros. Essas tecnologias que serão testadas e implementadas aqui têm uma capacidade grande de expansão.

Vamos fechar voltando ao início da nossa conversa, falando das mulheres. Qual sua missão pessoal e corporativa diante das mulheres, sabendo que você é hoje inspiração para muitas como outras foram pra você?

Eu tenho certeza que a gente ainda tem uma longa caminhada pela frente. As conquistas só estão começando e, da minha parte, o que eu tento fazer sempre é contar minha história para inspirar as pessoas. Tive a sorte de, ao longo da minha carreira, ter a maior parte das minhas equipes formada por mulheres. E eu consegui fazer as minhas sucessoras porque elas eram as melhores pessoas para os cargos, independentemente do gênero. Tenho muito orgulho de dizer isso. Eu acho que nós temos características que são tão relevantes hoje quando a gente fala do soft skills que as empresas solicitam que são inerentes do ser mulher.

Então, posso contar minha história, inspirar e dar lugar para as mulheres cada vez mais crescerem e se desenvolverem nesse mundo. E eu tenho a sorte de ter duas filhas, então isso já me ajuda também, já começa em casa, às sete horas da manhã.

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