Iclei propõe ações locais para problemas globais

A ideia de que o mundo é uma grande aldeia e de que o que acontece em um lugar impõe consequências ao restante é bem antiga, mas, talvez, nenhum outro evento tenha deixado isso tão claro como a pandemia do Sars-CoV-2, iniciada na China em dezembro de 2019 e que chegou ao Brasil em março de 2020.
Ao mesmo tempo, para resolver a crise planetária, as soluções mais eficientes foram tomadas localmente. No mundo inteiro as regras sanitárias, o controle sobre as medidas de distanciamento social e a política de vacinação foram regidas pelos governos locais.
A experiência – que ainda não acabou – demonstra que a articulação nacional e até transnacional é importante e bem-vinda, porém, no plano tático, são os governos locais que devem agir. É dentro dessa premissa que trabalha a rede Governos Locais pela Sustentabilidade (Iclei), com mais de 2.500 governos locais e regionais comprometidos com o desenvolvimento urbano sustentável. Ativo em mais de 125 países, o grupo influencia as políticas de sustentabilidade e impulsiona a ação local para o desenvolvimento de baixo carbono, baseado na natureza, equitativo, resiliente e circular.
O secretário-executivo do Iclei América do Sul, Rodrigo Perpétuo, é mineiro e esteve em Belo Horizonte no início do mês para entregar o projeto “Jardins de Chuva”.
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“O Iclei conseguiu, nos últimos anos, trazer esse componente de projetos que ajudam a mostrar, a inspirar um novo modelo de desenvolvimento local, repensando, por exemplo, a importância de um parque, da conectividade entre parques e da natureza como um ativo da cidade. Nova York é um bom exemplo. A área mais valorizada da cidade é o entorno do Central Park. Basta cuidar do parque que ele vai devolver não só a sua função natural como também uma perspectiva econômica para a sociedade. Essa é a nossa crença: soluções baseadas na natureza. Trabalhamos com a Agência Metropolitana, capacitando para trazer esse efeito demonstrativo para Minas Gerais com os jardins de chuva. A equação econômica é muito clara. Você tem perdas para a sociedade quando vêm os eventos extremos da natureza, com o colaborador que não vai trabalhar porque não conseguiu chegar ou porque perdeu a casa. O risco de escassez hídrica faz a tarifa de energia mais cara. O Fórum Mundial já classifica os efeitos da mudança climática como o maior risco sobre os negócios e a prosperidade”, explica Perpétuo.
Jardins de chuva – Os jardins de chuva são estruturas que contribuem para a captação da água da chuva, criando espaços de armazenamento que facilitam sua infiltração no solo e ajudam na recarga do lençol freático. Quando associada a um conjunto de soluções de infraestrutura verde (como biovaletas, lagoas de retenção e terraços de chuva), essa técnica aumenta a biodiversidade local e a infiltração das águas da chuva, além de contribuir para uma boa manutenção do ciclo da água em áreas urbanas. O jardim, construído no Parque Fazenda Lagoa do Nado, na região de Venda Nova, foi realizado em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), por meio do projeto Interact-Bio.
O local foi escolhido por ser um espaço com grande circulação de pessoas e por ser um dos pontos da Capital que sofre as consequências das cheias na estação chuvosa. O projeto-piloto deve ser reproduzido em outros pontos da cidade que apresentam o mesmo problema. Também chamados de Sistema de Biorretenção, os jardins utilizam a atividade biológica das plantas para filtrar os poluentes das águas pluviais. Além da cidade, também receberam o projeto: Contagem (Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH), Campinas (SP) e Londrina (PR).
“A inovação precisa gerar riqueza e ter uma perspectiva distributiva. Temos cadeias produtivas inteiras, como a dos resíduos, formada por pessoas não bancarizadas e que têm baixo consumo. Um trabalho de inclusão dessas pessoas pode levar a uma melhoria sistêmica dos padrões de vida e do consumo. Temos a necessidade de um olhar mais estratégico. Fomos convidados pela Amig (Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais) para assinar um termo de cooperação. São cerca de 40 cidades que ganharam apoio do Sebrae, ajudando essas cidades a se tornarem referência, identificando vocações econômicas ocultas. Não tem outro caminho se não for a pactuação entre os setores público e privado para mitigar e prevenir o que for possível”, pontua.
Pioneirismo – Belo Horizonte foi a primeira cidade da América Latina a receber um Congresso Mundial do Iclei em junho de 2012. Ligado à Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU), Rio +20, o evento contou com cerca de 1.500 representantes, entre prefeitos, representantes de governos locais, técnicos e especialistas de mais de 1.200 cidades de cerca de 70 países.
Este ano, Nova Lima, na RMBH, recebe o Encontro Anual do Escritório do Iclei Minas Gerais. A cidade assumiu, no ano passado, o compromisso de zerar as emissões líquidas de carbono até 2050, ao se comprometer com a campanha Race to Zero.
“A pandemia é um ponto dramático para a sociedade contemporânea. Ela fez com que a humanidade refletisse sobre a forma como nos relacionamos com o planeta. Isso é uma alavanca para a agenda da sustentabilidade. A perda da diversidade natural é uma das causas da pandemia. Por outro lado, as consequências de tudo isso são muito difíceis de serem recuperadas. Vivemos uma série de retrocessos econômicos. Vejo que o Brasil não está percebendo o risco de ficar fora de cadeias de comércio internacional muito importantes e nas quais ele já está inserido. As regras vão ficar cada vez mais rigorosas. Os grandes consumidores não querem adquirir produtos de origem duvidosa. Isso afeta a nossa reputação internacional e é uma coisa difícil de reparar. A sorte é que esse desmonte que estamos vivendo das políticas em prol da responsabilidade ambiental e social não conseguiu atingir a raiz constitucional. Está sendo feito através de recursos infralegislativos e a esperança é que os próximos governos consigam reverter o estrago”, completa o secretário-executivo do Iclei América do Sul.

Minas é o estado mais afetado pelas cheias
O Sistema de Alerta de Eventos Críticos (Sace) informou que Minas Gerais é o estado mais afetado pelas cheias em fevereiro. O Sace é uma plataforma desenvolvida pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB-CPRM) para disponibilizar todas as informações geradas no contexto dos sistemas de alerta hidrológico para cada bacia hidrográfica.
Tais informações incluem o monitoramento automático de chuvas e níveis de rios em diversas estações hidrometeorológicas, com links para os mapas de riscos dos municípios e boletins de monitoramento e alertas publicados.
O objetivo dos sistemas de alerta é monitorar e gerar informações de qualidade, para subsidiar a tomada de decisões pelos órgãos relacionadas à mitigação dos impactos de eventos hidrológicos extremos.
O Serviço Geológico do Brasil está monitorando as cheias na região Sudeste e emite boletins extraordinários com previsão para as bacias dos rios Doce, Muriaé, São Francisco, Pomba e Velhas.
A bacia do Rio Doce, por exemplo, está em alerta desde o início do mês de fevereiro e conta atualmente com cinco municípios que ultrapassaram a cota de inundação: Ponte Nova, Tumiritinga e Governador Valadares, em Minas Gerais, e Colatina e Linhares, no Espírito Santo.
Segundo o SGB-CPRM, nos últimos dias, as estações de monitoramento registraram aumento significativo no volume de água. A estação do município de Linhares chegou a atingir 4,53 metros às 12h do dia 22 para uma cota de inundação na região de 3,45 m. A tendência é que o rio continue subindo no local nas próximas horas, afirmam técnicos do SGB.
Na bacia do rio São Francisco, cinco municípios ultrapassaram a cota de inundação. Além de Propriá, São Romão e Pirapora, Pedras de Maria da Cruz está com 9,34m, e São Francisco, com 9,70 m, em situação de inundação crítica.
Na bacia do rio Muriaé, não há inundações, mas existem estações acima da cota de alerta. A cidade de Cardoso Moreira, banhada pelo Muriaé, no Rio de Janeiro, chegou a atingir a marca de 7,5 m, dois metros e meio acima do nível de alerta. Cardoso Moreira também está em estado de alerta. Porciúncula, no Rio de Janeiro, e Patrocínio do Muriaé e Carangola, em Minas Gerais, ultrapassaram a cota de atenção.
Já o rio Pomba teve redução de volume em relação à semana passada e não apresenta mais estações em estado de inundação. No município de Santo Antônio de Pádua, no Rio de Janeiro, o rio está em situação de atenção. Em Aperibé, também no estado do Rio, o estado é de alerta.
Os dados são produzidos em razão da parceria entre o SGB-CPRM e a Agência Nacional de Águas (ANA) para a gestão e operação da Rede Hidrometeorológica Nacional. (ABr)
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