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Para a inovação, sempre vai ter escassez de recursos, diz novo presidente da Fapemig

Carlos Alberto Arruda de Oliveira assume, na segunda-feira (27/11), o cargo de presidente da Fapemig
Para a inovação, sempre vai ter escassez de recursos, diz novo presidente da Fapemig
Crédito: Carol Reis

Após um mês da publicação no Diário Oficial e de análises e conversas internas na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), o professor Carlos Alberto Arruda de Oliveira assume, na próxima segunda-feira (27/11), a presidência da Fundação. O nome foi escolhido por meio de uma lista tríplice enviada pelo Conselho Curador da instituição ao governador Romeu Zema (Novo), e o resultado foi publicado no dia 27 de outubro. Oliveira substituiu Paulo Sérgio Lacerda Beirão, que finalizou seu mandato neste mês.

Com um orçamento de quase R$ 500 milhões, Oliveira, que é professor na área de Inovação e Competitividade e Gerente do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral (FDC), assume com uma agenda repleta de desafios e propósitos para a instituição, que é a terceira do País em fomento à pesquisa. 

Em entrevista exclusiva para o DIÁRIO DO COMÉRCIO, ele falou sobre a ausência de mão de obra na área de tecnologia e inovação, da necessidade de maior colaboração entre empresas e instituições de fomento, reforçou a qualidade do time de servidores e comentou sobre o futuro da área no Estado. Confira a entrevista.

A Fapemig tem um orçamento de cerca de R$ 447 milhões. Este ano, até agora, foram 7 mil bolsas distribuídas da iniciação científica ao doutorado. Você acredita ser um valor suficiente para o setor em Minas?

A gente avalia que não é suficiente, adoraríamos ter um orçamento de São Paulo (R$ 1,17 bilhão), mas dentro da realidade de compromisso do Estado, eu acho que é um valor significativo. Para a inovação nunca é suficiente, sempre vai ter escassez de recursos. O ano passado, a Fapemig realizou 98% do orçamento e a estimativa é que esse ano fique bem próximo disso, o que é muito bom. Há quatro, cinco anos, não acontecia esse nível de realização. Então, estamos em um período bom de ter recursos disponíveis e desses recursos serem disponibilizados para essa cadeia de valor da inovação.

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Eu sou responsável há muitos anos pelos relatórios que analisam a competitividade do Brasil com outros países. Nesses relatórios a gente se questiona: o que faz um país ser mais competitivo? Nessas análises, comparando 144 países, nós chegamos à conclusão do que eu chamo de ‘cadeia de valor da inovação’, que é o fator, talvez o mais determinante, do desenvolvimento competitivo de um país. Competitividade sendo entendida aqui como as condições que o país cria para o seu crescimento e o bem-estar da população. Quando você compara com países como a Polônia, Romênia, China, Israel e, agora, mais recentemente, a Irlanda, eu diria que são países que estão avançando nesta agenda da ‘cadeia de valores da inovação’ que passa pela educação, pela ciência e pela tecnologia e chega nas empresas. Então, eu não tenho dúvidas, são vários indicadores que mostram a relação entre o crescimento da capacidade competitiva e a capacidade de inovar do país.

Você acredita que este cenário foi o responsável pelas empresas apostarem nessa área? E na sua opinião, elas realmente acreditam no setor?

Eu costumo dizer que elas são pendulares. Quando a competição está difícil e há muito concorrente no mercado ou o mercado não está comprando o que a empresa está oferecendo, elas procuram inovar, gerar novas soluções, novas ofertas, novos modelos de negócios. Quando a economia está crescendo e o setor que ela atua está ‘bombando’, a empresa tenta maximizar o retorno, gerar lucro o mais rápido possível. Então, isso é histórico, os primeiros estudos, ainda no século passado, revelam isso. O que acontece hoje são dois fatores: um a percepção de que as empresas mais inovadoras, como Google e Apple, possuem um potencial maior de crescimento. As outras olham para essas e falam: ‘eu quero ser assim  também, eu quero crescer também, eu quero ter espaço no mercado’. O outro fator é a própria tecnologia digital. Nós já vivemos momentos semelhantes quando surgiu a energia elétrica, depois quando surgiu a internet. São ciclos de desenvolvimento tecnológico que dão muitas oportunidades para inovação.

Por falar em desafios, qual o maior desafio para o desenvolvimento científico e tecnológico em Minas?

Vou falar com você entre mineiros: é colaboração. Nós temos bons centros de tecnologia, temos bons centros de ciência e temos boas empresas, mas são universos que estão cooperando pouco. A Fapemig possui, inclusive, projetos de formação de redes de criação de oportunidades, de colaboração, mas eu diria que em Minas Gerais o maior esforço que eu vou fazer inicialmente é promover a colaboração entre empresas, universidades e centros de tecnologia. 

É sabido que Belo Horizonte, na pandemia, perdeu o espaço desse ecossistema forte de startups para Porto Alegre. Por que isso aconteceu? Acha que Minas tinha ou tem esse ecossistema de inovação consolidado?

Isso aconteceu porque Porto Alegre fez uma coisa muito legal que foi a criação do Instituto Caldeira, que é um hub de inovação onde traz para o mesmo ambiente as grandes empresas, as startups e as instituições de pesquisa, ciência e tecnologia. É uma iniciativa privada com grande apoio do governo local. Minas, inclusive, tem espaços semelhantes, como o Minehub, do setor de mineração, e o Orbit. Mas penso que o que aconteceu é que Minas perdeu a velocidade e o Instituto Caldeira acelerou. Mas eu acho que nós temos um potencial interessante e a Fapemig se propõe a este papel de integrar e ser o facilitador e promotor dessa colaboração entre empresas, startups e instituições de pesquisa.

As empresas do setor de tecnologia apontam a questão da mão de obra como um desafio. Na sua visão, qual seria a solução?

Esse é um problema seríssimo que vai ficar pior na minha avaliação. O que está acontecendo é que o número de alunos da nossa sociedade que estão procurando programas na área de física, química, biologia e estatística está diminuindo. É o que chamamos de Steam (Science, Technology, Engineering, Arts, Mathematics), áreas de conhecimento ligadas ao conhecimento científico. E isso é muito preocupante. Hoje, no Brasil, o número de alunos de graduação que estão nessas áreas de conhecimento está na ordem de 17%. Enquanto outros países, como Coreia do Sul, 30%, e China 35%. Nós temos uma situação real de baixo número de profissionais e de alunos nessas áreas. Ainda tem a questão da qualidade. Nos relatórios de qualidade da educação fundamental, o Brasil não está bem colocado. Está melhorando, mas ainda é um dos países de menor qualidade na educação fundamental de alunos até 15 anos.

Nós temos um dado positivo que são que os investimentos em educação no Brasil têm crescido, mas não têm se mantido em níveis altos, hoje, cerca de 7% do Produto Interno Bruto (PIB). Então, temos um número baixo de alunos na área de ciências e tecnologia, uma qualidade que se mantem relativamente baixa e um mundo cada vez mais digital. O mundo vai precisar de mais gente trabalhando para este ambiente digital e o desafio é formar mais pessoas. E o mundo está entendendo que essa formação é técnica, não superior. Então, tem crescido a oferta de cursos técnicos, mas o apagão deste tipo de profissional é no mundo e não só no Brasil, ou em Minas. E um problema que chega com isso é o que chamamos de ‘perda de cérebros’. Minas é fonte de cérebros. Nossos melhores alunos são convidados a ir para São Paulo, Rio Grande do Sul e exterior. Então, Minas tem que atrair empresas que contratem esses cérebros que são formados aqui e que operem aqui. Além de atrair cérebros de outros lugares. É um grande desafio e é seríssimo.

A gente ouve inovação por toda parte, mas podemos afirmar que ainda há pouco resultado?

Existe um avanço. As empresas descobriram que inovação atrai talentos, então a gente está observando, por exemplo, alguns setores tradicionais, como metalúrgico e siderúrgico e mesmo a mineração, promovendo a inovação não só com propósito de inovar, mas com o propósito criar um ambiente favorável à inovação para que as pessoas que estão vindo se sintam atraídas. A inovação dá espaço para criação de novas ideias, de novos modelos de negócios, novos serviços, novos produtos, isso é muito atraente para os jovens talentos. Eu não tenho dúvida que as grandes empresas mineiras já perceberam, já reconheceram e estão atuando sobre isso. É uma agenda, inclusive da área do Recursos Humanos (RH), reter e atrair talentos.

Antes da inovação, teve o movimento do empreendedorismo. Ele atrapalha o desenvolvimento das micro e pequenas empresas ou eles se misturam?

Temos dois tipos de empreendedorismo: o de inovação, que traz inovação com propósito que nós vamos chamar de startup e o de necessidade que é aquele em alguém ficou desempregado e abriu um um negócio, mas não é inovador. O pequeno negócio tem mais dificuldade de inovar. Ele olha mais o concorrente da esquina e tenta ser melhor. O desafio do pequeno empreendedor que não é uma startup é a eficiência, fazer bem-feito aquilo que ele já faz e oferecer para o seu cliente, no seu entorno um serviço ou produto adequado às suas necessidades. Já o pequeno empresário de startup que tem como pauta a inovação, o risco do negócio é maior porque ele está trazendo uma novidade para o mercado, algo novo. O negócio dele é inovação. Muitas vezes ele vem da universidade, de uma empresa ou de uma área já bem estabelecida. Então, analiso como características bem diferentes e, no Brasil, o empreendedorismo de necessidade é o mais característico. São características bem distintas que podem se complementar. O pequeno empreendedor de startup pode criar soluções para que o outro adquira mais eficiência. A Fapemig está voltada para este pequeno empreendedor de startup. É para ajudar ele superar essa barreira que é a inovação, apresentar o ‘novo’ para o mercado. 

Qual sua grande missão na Fapemig?

Primeiro olhar para dentro e valorizar os servidores, porque a Fapemig tem um time muito comprometido com a própria Fundação. Eu também estou avaliando o que eu chamo de cadeia de valor de inovação e olhando onde a Fapemig pode entrar. Ela já faz um belo trabalho com bolsas que sensibiliza, incentivando e promove a Ciência e a Tecnologia. Só este ano foram sete mil em todos os níveis de escolaridade. Então, a ideia é reforçar e perceber onde podemos fazer mais e melhor. Segundo ponto é a questão da colaboração. Então, o meu grande projeto é apoiar o que nós já estamos fazendo pela ciência, reforçar o apoio à tecnologia e trazer as empresas tanto startup, quanto grandes empresas, para essa conversa no intuito de reforçar essa cooperação, tornando a Fapemig um promotor desta união.

Como fazer isso?

Promovendo espaços de diálogo que já existem na Fapemig, mas trazer mais empresas. Acrescentando para essa dinâmica o lado dos negócios delas e os intermediários, que são os centros de tecnologia. São eles quem traduzem as ciências para as empresas. Então, precisamos buscar esses agentes, apoiá-los e  identificá-los para que possamos fazer isso de forma mais integrada e colaborativa. Buscando como que a empresa mineira e o conhecimento de Minas pode ser levado para o mundo e como nós podemos trazer conhecimento do mundo para reforçar nosso Estado. Vamos, por exemplo, unir atores que falam a mesma linguagem e promover a integração. O estado do Colorado, nos EUA, por exemplo, é um estado de mineração, vamos pensar uma colaboração intensa entre a universidade de Ouro Preto e as universidades americanas, são essas colaborações que eu pretendo trazer.

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