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Instrumento de acesso ao emprego sofre ataques no País

Ações tomadas na pandemia afetam política social
Instrumento de acesso ao emprego sofre ataques no País
Crédito: Divulgação/Rede Cidadã

Diante da grave crise econômica brasileira, conquistar uma vaga formal de trabalho não é uma missão fácil. Se o candidato for um jovem em situação de vulnerabilidade social isso se torna ainda mais complicado. No Brasil, os números mostram que voltar um olhar para esse processo de formação é cada vez mais urgente. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no primeiro trimestre de 2022, do total de 11% pessoas desocupadas do País, 7,2% possuem de 14 a 17 anos e 30,6% estão na faixa dos 18 aos 24 anos.

Ainda que, há sete anos, a Organização das Nações Unidas (ONU) tenha criado o Dia Mundial das Habilidades dos Jovens e o dia 15 de julho tenha sido escolhido para que a sociedade debata sobre iniciativas capazes de desenvolver habilidades nos jovens e que possam resultar em pessoas mais preparadas para um mercado de trabalho cada vez mais competitivo, não é isso que acontece no Brasil.

A Lei 10.097/2000, popularmente conhecida como Lei do Jovem Aprendiz ou Lei da Aprendizagem, é uma das ferramentas para que essa dificuldade seja mitigada. Ampliada pelo Decreto Federal nº 5.598/2005 e pela Portaria 723/2010, a lei determina que todas as empresas de médio e grande portes contratem um número de aprendizes equivalente a um mínimo de 5% e um máximo de 15% do seu quadro de funcionários cujas funções demandem formação profissional. Atualmente os contratos dos aprendizes têm duração de até dois anos e a idade limite para a inclusão desses jovens é de 24 anos.

Instrumento criado para ajudar jovens que estão estudando a conseguir uma oportunidade no mundo do trabalho e ampliar os seus conhecimentos, a lei vem sofrendo vários ataques. De acordo com Daniela Santana, coordenadora-geral da Rede Cidadã – entidade de assistência social sem fins lucrativos especializada na geração de trabalho e renda, principalmente para pessoas em situação de vulnerabilidade social -, a pandemia tornou a situação ainda mais difícil não só pela imposição das necessárias políticas de distanciamento social e o fechamento das escolas, mas também por medidas de proteção da economia tomadas pelo governo.

“Durante a pandemia, diversas medidas foram tomadas na tentativa de proteger as empresas. Elas, porém, penalizaram trabalhadores e em especial os jovens em busca do primeiro emprego. Passado o pior momento da doença, a situação com dois ataques diretos à aprendizagem: a Medida Provisória 1116/2022, que institui o Projeto Nacional de Incentivo à Contratação de Aprendizes (PNICA), e o Decreto 11.061/22, só piorou”, denuncia Daniela Santana.

A MP libera a multa para as empresas que não cumprirem com a cota obrigatória; empresas contabilizarem em dobro a cota por contratarem jovens vulneráveis; que aprendizes contratados continuem na cota por 12 meses; aumento do prazo do contrato do aprendiz de dois anos para três anos, podendo chegar a quatro anos; aumento da idade para 29 anos para aprendizes já inscritos em programas cuja idade mínima para o exercício da função seja 21 anos.

Estudo técnico formulado por Auditores-Fiscais do Trabalho, ex-Coordenadores de Fiscalização da Aprendizagem Profissional, revela os impactos negativos da MP 1.116/22 e do Decreto 11.061/22 para o instituto da Aprendizagem Profissional e para a atuação da Auditoria Fiscal do Trabalho na fiscalização da Lei da Aprendizagem e que levaram à decisão de promoverem a entrega coletiva dos cargos de Coordenadores de Fiscalização nas 27 unidades da Federação, ocorrida no dia 5 de maio.

“As normas citadas, ao contrário do que foi propagado pelo governo federal, afetarão de forma negativa a aprendizagem profissional, reduzirão o número de adolescentes, jovens e pessoas com deficiência alcançados pelo programa, aumentarão o número de ações judiciais promovidas pelas empresas, inviabilizarão a adequada fiscalização do cumprimento da Lei da Aprendizagem pela Auditoria Fiscal do Trabalho”, diz o documento.

“O que parece um programa de incentivos, na verdade, tira vagas dos jovens em situação de risco. Hoje, das um milhão de vagas para aprendizagem disponíveis no Brasil, metade fica em aberto porque as empresas, simplesmente, não cumprem a lei. Com essas modificações teremos uma grande perda de oferta e um grande retrocesso em termos de políticas públicas e de conscientização. Por que, por exemplo, um jovem aprendiz vulnerável deve contar por dois? Ele vai demandar mais da empresa? Não faz sentido e só fortalece os preconceitos”, avalia a coordenadora-geral da Rede Cidadã.

Trabalho de formiguinha

Sediada em Minas Gerais, em duas décadas de atuação, a ONG fez parcerias com mais de 4,2 mil empresas e instituições, e foi responsável pela contratação de 104.622 pessoas, incluindo 65.185 aprendizes. Hoje, só em Belo Horizonte, são 1.500 jovens assistidos pelo programa de Socioaprendizagem.

A iniciativa une teoria e prática, mapeando as competências comportamentais/perfil de cada jovem e encaminhando o candidato para a vaga mais adequada. Esse processo inclui uma capacitação inicial do jovem (com conceitos básicos que vão da preparação de um currículo ao comportamento em uma entrevista), uma formação direcionada antes de começar na empresa (direitos e deveres do aprendiz, caminhos profissionais, postura, trabalho em equipe, comunicação, educação para o consumo e como administrar o dinheiro, ferramentas digitais) e a preparação prática, quando o jovem começa a trabalhar e segue com sua formação junto ao time da Rede uma vez na semana, aliando sala de aula e mercado de trabalho.

A Rede Cidadã atua em Minas Gerais, Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Pará e Paraná; e no exterior, Argentina, Chile, Colômbia, Estados Unidos e México. Os 14 programas do portfólio da organização dividem-se na promoção da integração ao mundo do trabalho; empregabilidade e geração de renda e ações de responsabilidade social e sustentabilidade. Outros desdobramentos da atuação da ONG são a formação e o encaminhamento para o emprego de idosos, egressos do sistema prisional, pessoas em situação de rua, jovens que cumprem medidas socioeducativas e pessoas com deficiência, transexuais, entre outros públicos.

“Hoje chegamos às empresas porque elas precisam cumprir a cota e aos poucos vamos mostrando a elas que ter esses jovens lá faz bem para os negócios. Inúmeras pesquisas mostram que diversidade gera criatividade e lucros. Hoje temos diversas parceiras que entenderam isso. Mas é um trabalho árduo vencer preconceitos enraizados. Entendemos que essas barreiras são vencidas aos poucos. Não mandamos um candidato que corre muitos riscos de não ser bem recebido. Isso faria mal a ele que mais uma vez passaria por constrangimentos e afastaria a empresa. Não é isso que queremos. Desejamos que a experiência seja exitosa para os dois lados, fazendo com que a empresa queira repetir até que esse tipo de contratação integre a política de contratações naturalmente”, pontua Daniela Santana.

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