Inteligência artificial impacta produtividade e saúde mental de trabalhadores
A popularização da inteligência artificial (IA) nos últimos anos trouxe a perspectiva de automação das atividades repetitivas, liberação dos colaboradores para tarefas mais estratégicas e criativas e um aumento substancial da produtividade. O entusiasmo com a IA, porém, ainda não mostrou resultados efetivos. Estudo global do UpWork Research Institute, publicado em setembro, mostra que enquanto 96% dos executivos acreditam que a IA deve aumentar a produtividade, 77% dos funcionários relatam que a tecnologia, na prática, aumentou sua carga de trabalho e trouxe desafios para alcançar os resultados esperados.
Ao mesmo tempo, um relatório organizado pela Robert Half e pela School of Life mostra que, em agosto de 2025, o percentual de líderes e liderados em uso de medicação psicofarmacológica para lidar com ansiedade, estresse ou burnout foi de 52% e 59%, respectivamente. Em 2024, os percentuais eram de 18% e 21%. Além disso, de acordo com o relatório Health and Wellbeing at Work do Chartered Institute of Personnel and Development (CIPD), o absentismo está em seu nível mais alto em uma década.
O que se verifica, então, é um paradoxo da abundância: mais plataformas, mais ferramentas, mais “capacidade”, e cada vez mais pessoas exaustas e adoecidas. É a cultura da disponibilidade total se deparando com os limites humanos.
De acordo com a CEO da HT Consultoria, Helyn Thami, quando os sistemas humanos estão sobrecarregados, a taxa de erros aumenta, a taxa de aprendizado cai e a inovação se torna uma espécie de retrofit, em vez de redesenho.
“Multiplicamos capacidades digitais enquanto deixamos intactos os hábitos gerenciais, métricas e incentivos que desviam ou desperdiçam energia e saúde. O que fazemos de errado é que adaptamos as pessoas às tecnologias, quando deveria ser o contrário. A atenção e capacidade humana de resolver tarefas têm um limite e se aumentamos a demanda indefinidamente, criamos um grande problema adoecendo as pessoas e gerando entregas de menor qualidade”, explica Helyn Thami.
Ainda segundo a Upwork, 47% dos colaboradores que utilizam a inteligência artificial admitem não saber como atingir as metas de produtividade esperadas pelos empregadores, enquanto 40% sentem que as demandas estão além do razoável. Esse descompasso entre expectativa e realidade já se reflete na retenção de talentos: um em cada três funcionários em tempo integral afirma que provavelmente deixará o emprego nos próximos seis meses, pressionado pela sobrecarga e pelo burnout.
O estudo também aponta que 81% dos líderes globais de C-suite reconhecem ter aumentado as demandas sobre suas equipes no último ano. Como consequência, 71% dos funcionários em tempo integral apresentam sinais de esgotamento, e 65% relatam dificuldade em cumprir as metas de produtividade estabelecidas pelos empregadores.
“Para corrigir essa dicotomia, precisamos entender o fluxo do trabalho, diagnosticar bem quais são os problemas e aplicar essas tecnologias a serviço das pessoas e não para criar mais burocracia ou mais fluxo administrativo onde não é necessário. Um ponto crucial é a governança dentro das empresas, a forma de medir o bem-estar, de entender como as pessoas se enxergam dentro desse processo. Hoje em dia, se você perguntar para mil empresas como elas medem os processos de trabalho e o bem-estar dos colaboradores, você vai receber, provavelmente, mil respostas distintas. Parece que não, mas existe técnica para medir bem-estar, para saber o que fazer. Existem componentes específicos do que é a saúde e bem-estar dentro das empresas”, destaca.
De acordo com a especialista, uma parte significativa das empresas brasileiras têm consciência sobre a pressão por produtividade diante de tecnologias como a inteligência artificial e a necessidade de agir sobre os riscos para a saúde mental dos colaboradores, porém a maioria ainda age de forma pontual.
O quadro é agravado pela falta de preparo da atual geração de líderes para lidar com temas como a saúde mental em um cenário de intensa transformação digital, potencializado, especialmente, pela inteligência artificial e a luta por produtividade.
Legislação – A boa notícia é a entrada em vigor, em 2026, da nova Norma Regulamentadora (NR-1), que exige que empresas incluam a avaliação de riscos psicossociais nos processos de Gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST). As empresas deverão identificar e gerenciar riscos psicossociais e implementar planos de ação. Eles devem incluir a reorganização do trabalho para reduzir sobrecarga e melhorar a qualidade de vida dos colaboradores; a promoção de um ambiente saudável, com foco em relações interpessoais e bem-estar; e o monitoramento contínuo para avaliar a eficácia das medidas.
Além disso, a norma exige documentação detalhada e avaliações regulares para garantir conformidade. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) realizará fiscalizações em setores com alta incidência de doenças mentais, como teleatendimento, bancos e saúde, analisando organização do trabalho e dados sobre afastamentos.
“Tenho uma grande expectativa sobre a fiscalização da NR-1. Os resultados podem ser formidáveis. Uma inovação dessa norma é que ela não olha só pra consequência, mas olha para os riscos. Com isso, ela tende a quebrar a fragmentação dos programas. Hoje os programas são feitos de forma isolada. Claro que eles são importantes, mas seriam muito mais eficientes se fossem feitos dentro de uma política contínua”, avalia a CEO da HT Consultoria.
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