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“Lei do assédio” busca promover segurança nos ambientes de trabalho

Empresas com mais de 20 funcionários devem implementar ações de prevenção e combate ao assédio moral e sexual
“Lei do assédio” busca promover segurança nos ambientes de trabalho
Santos: nova legislação é um avanço | Crédito: Celso Doni/Cordel Imagens

Os escândalos, cada vez mais comuns na mídia e nas redes sociais, são apenas a ponta de uma realidade ainda frequente no Brasil: o assédio – moral e sexual – dentro das empresas e organizações.

A maioria dos casos não é denunciada e segue constrangendo, adoecendo e afastando profissionais do ambiente de trabalho. De acordo com a Aliant – empresa de soluções para compliance, ética e ESG – em análise de 630 companhias no Brasil, os registros feitos por funcionários em canais de denúncias corporativos cresceram 21,5% em 2022, em relação ao ano anterior.

Foram 125 mil notificações, em 2021, e 152 mil, no ano passado. Já a quantidade de queixas – a cada mil empregados – subiu 30% – de 5,4 para 7. O aumento é considerado um recorde desde 2007, quando a medição passou a ser realizada.

Uma boa notícia é o prazo para a implementação  da Lei 14.457/22, que criou o Programa Emprega + Mulheres, pelas empresas já expirou. A lei representa um marco importante no combate ao assédio sexual, moral e à discriminação.

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A legislação agora define de maneira mais clara essas práticas como infrações passíveis de punição, exigindo que as empresas adotem medidas para prevenir e combater essas práticas abusivas em seus ambientes de trabalho.

Para evitar riscos e garantir um ambiente saudável, as empresas devem adotar medidas concretas como:

1. Políticas claras contra o assédio

Estabelecer e comunicar recorrentemente políticas explícitas de relacionamento interpessoal, deixando claro quais condutas são inaceitáveis, como o assédio sexual, a importunação sexual, o assédio moral, o racismo e outras formas de violência.

2. Canal de denúncia anônima

Oferecer um canal de denúncia seguro e anônimo, no qual os colaboradores possam reportar casos de assédio ou discriminação sem receio de retaliação.

3. Campanhas de conscientização

Promover campanhas educativas sobre o tema e reforçar a cultura de respeito no ambiente de trabalho.

A nova legislação tornou obrigatório que a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) inclua entre as suas atividades o combate ao assédio sexual e outras formas de violência. Devem constituir Cipa e mantê-la em regular funcionamento as empresas privadas, públicas, sociedades de economia mista, órgãos da administração direta e indireta, instituições beneficentes, associações recreativas, cooperativas, bem como outras instituições que admitam trabalhadores como empregados e tenha mais de 20 funcionários. 

Também entrou em vigor a Lei 14.612/23, que inclui o assédio moral, o assédio sexual e a discriminação entre as infrações ético-disciplinares no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

De acordo com o especialista em compliance e diretor do Instituto de Pesquisa do Risco Comportamental (IPRC), Renato Santos, a nova legislação é um avanço porque dá às empresas um conjunto de ferramentas que as mais conscientes já utilizam. A Lei se baseia no trinômio: educação, prevenção e responsabilização.

“O assédio ainda acontece, principalmente, por três gatilhos comportamentais: o conflito de gerações. Gerações que sofreram assédio tendem a replicar o comportamento. O segundo gatilho é a pressão por resultados. As empresas demandam cada vez mais os funcionários com menos recursos e essa pressão pode virar ameaça. E, por fim, gestores que não são treinados para uma comunicação respeitosa. As empresas conscientes têm ferramentas para coibir essa prática. A ação deve começar já na seleção do colaborador, com testes de integridade. Depois de aprovado, deve existir um trabalho de integração do novo colaborador com a equipe. E esse treinamento deve ser reforçado periodicamente, dizendo qual a conduta esperada pela empresa”, explica Santos.

Para os especialistas no assunto, o próprio conceito de assédio é um dos complicadores. Saber diferenciar o que é brincadeira do que é ofensa e quando isso se torna rotineiro e impõe constrangimento não é tarefa fácil. Por isso a Lei é importante e o processo educativo dentro das empresas é fundamental.

Jéssica Mota: legislação cria caminhos | Crédito: Luan Rambo Fotografia

Para a advogada e tutora do curso “Combate ao assédio e à violência no ambiente de trabalho” – promovido pela Qualifica Educação Móvel -, Jéssica Romeiro Mota, antes de debater sobre assédio, é preciso falar sobre temas como preconceito, descriminação e violência de todos os tipos (física, moral, patrimonial, psicológica e sexual).

“No âmbito desse programa que visa proteger as mulheres, uma das ações obrigatórias é o combate ao assédio e outros tipos de violência. O assédio moral se configura toda vez que exista um abuso reiterado. No caso do assédio sexual, ele pode ser repetido ou esporádico, e acontece quando o constrangimento tem conotação sexual. A legislação sozinha não resolve o problema, mas cria caminhos. Esse é um processo cultural. O curso é uma oportunidade não só de conhecer a lei, mas de fazer uma reflexão sobre tudo isso. Somos um país extremamente legalista, parece que enquanto não existe uma lei, as coisas não funcionam. Precisamos de educação e fiscalização. Temos que garantir a efetivação da lei”, avalia Jéssica Mota.

Assédio X sustentabilidade

Promover um ambiente de trabalho seguro e confortável, onde a dignidade de todos é respeitada se encaixa entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), promovidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), desde 2015. Embora não esteja descrito explicitamente, o tema se encaixa no Objetivo 8: “Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos”.

Nesse sentido, a nova legislação está alinhada aos propósitos do Movimento Minas 2032 – pela transformação Global (MM 2032), liderado pelo DIÁRIO DO COMÉRCIO. O MM 2032 propõe uma discussão sobre um modelo de produção duradouro e inclusivo, capaz de ser sustentável, e o estabelecimento de um padrão de consumo igualmente responsável, com base nos ODS.

Segundo o CEO do Ouvidor Digital, Paulo Acorroni, algumas práticas de assédio são tão sofisticadas que é difícil para a vítima e para quem está em volta identificar o que está acontecendo. Por isso, um ponto fundamental é o processo de educação e conscientização das equipes. E, para que isso aconteça, é imprescindível o engajamento da alta liderança.

Acorroni: tecnologia apenas é um meio | Crédito: Marcelo Bruzzi

O Ouvidor Digital oferece uma solução de Canal de Denúncias aderente à nova legislação. Além de acompanhar a implantação do canal, fornecer treinamentos e materiais de divulgação, como banners e vídeos para que as empresas façam a comunicação interna necessária.

“Mesmo usando uma ferramenta tecnológica, esse é um processo de aculturamento e conscientização. A tecnologia ajuda a aproximar as partes, os stakeholders da alta direção da empresa. Mas é a liderança que dá as tratativas a um relato, garantindo o anonimato e a não retaliação. Quando isso acontece, entramos em um ciclo virtuoso: quanto mais seguras e felizes as pessoas se sentem, mais produtivas elas são. Ao mesmo tempo, a empresa ganha reputação e consegue reter bons profissionais e clientes mais conscientes. Ter uma estrutura adequada implica em ter governança. A tecnologia apenas é um meio”, completa Acorroni.

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