Liderança ética é ensinamento de Jesus para empresários

Mestre e doutor em Ciência Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma e pós-doutor em Hermenêutica Bíblica pela Faculdade de Teologia da Universidade Ludwig Maximilian de Munique, o padre Luís Henrique Eloy e Silva é, há um ano, reitor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Dono de uma profunda cultura e consciência cristã, enfrenta os desafios de conciliar a formação técnica dos alunos, a integração da tecnologia no dia a dia da universidade e a formação ética de toda a comunidade acadêmica em um mundo ainda abalado pelas consequências da pandemia de Covid-19.
Entre as muitas missões difíceis que aceitou ao longo da vida, coordenou a tradução oficial e revisão da Bíblia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), publicada em 2018. Por nomeação do Papa Francisco, desde 2014 é membro da Pontifícia Comissão Bíblica do Dicastério para a Doutrina da Fé.
Palestrante convidado do evento “Fim de Tarde ADCE (Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa)”, realizado hoje (4), em Belo Horizonte, ele abriu espaço para conversar com o DIÁRIO DO COMÉRCIO.
O senhor está há um ano na reitoria da PUC Minas. Quais os principais desafios dessa gestão que começou fortemente impactada pela pandemia?
A pandemia, como testemunhamos, gerou impactos de diversas formas, mas, em especial, na vida de cada um de nós. Muitos pereceram e todos nós vivemos o luto pela perda de alguém próximo, um parente, um amigo ou um colega de trabalho. Os efeitos persistem, o que lança para todos nós o desafio de estarmos permanentemente atentos a essas consequências e aos riscos de novas ameaças pandêmicas. Em relação à PUC Minas, podemos dizer que a universidade soube lidar de forma adequada com aquele grave momento em que foi exigida do setor de educação a suspensão das aulas presenciais. No dia 16 de março de 2020, a PUC Minas, para não perder sequer um dia de aula, levou para o sistema remoto mais de 40 mil alunos, os quais passaram a ter aulas síncronas. Todos, docentes e discentes, tivemos que aprender essa nova modalidade, sem perdermos a qualidade de nossas aulas. O envolvimento de toda a comunidade universitária foi decisivo para que tudo desse certo. A PUC Minas agiu, naquele momento, com proatividade e determinação, e atravessamos a pandemia sem maiores impactos que pudessem ser prejudiciais tanto à vida acadêmica quanto à sustentabilidade financeira da Instituição.
A PUC Minas já foi reconhecida como a melhor universidade privada do País. Diante da transformação digital e do recrudescimento de tensões entre povos e nações – que chegamos a acreditar que estavam superadas -, como continuar formando não apenas bons técnicos, mas também seres humanos éticos e responsáveis, como prevê a tradição da universidade?
É uma pergunta muito importante. Creio que quanto mais vemos surgirem e se acirrarem essas tensões e polarizações, mais a formação ética e humana e, no caso das universidades católicas, iluminada pelo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, se faz necessária e urgente. A formação técnica e profissional deve ser muito bem feita e, sempre, atualizada. O mundo precisa disso, o Brasil precisa disso, a sociedade precisa disso. Temos que formar ótimos médicos, advogados, engenheiros, educadores, jornalistas, psicólogos, dentistas e tantas outras profissões. A essa formação profissional tecnicamente qualificada deve somar-se a um gesto educativo que sensibilize os jovens graduandos para o seu compromisso com um mundo melhor, mais humanizado, mais justo e sustentável, pois educar é um ato de amor e, no seu mais profundo sentido, uma ação ética. Por isso mesmo, a universidade deve tomar para si o compromisso com uma educação transformadora que torne a vida no planeta melhor, e a trajetória de cada pessoa seja marcada pelo respeito à sua condição singular na vida social.
Falar em futuro é também falar em se preparar para viver em um mundo afetado pelas mudanças climáticas e eventos extremos. Qual deve ser a postura da PUC Minas para atender a pauta ESG?
A PUC Minas historicamente sempre está atenta aos princípios e melhores práticas de sua governança e preocupações com o meio ambiente e o modo como se insere na vida social. Possuindo hoje em torno de 80 mil alunos em todas as modalidades de ensino e mais de 5 mil colaboradores, entre docentes e funcionários técnico-administrativos, a universidade sabe de sua responsabilidade e a contribuição que deve oferecer não apenas para a formação de profissionais competentes e críticos, mas em termos dos modos como se faz presente na comunidade. A PUC Minas está totalmente alinhada aos objetivos do desenvolvimento sustentável. Possui uma Comissão de sustentabilidade, e suas boas práticas estão apresentadas em um portal específico.
Tais posturas se coadunam com a grande preocupação da Igreja em defesa da vida plena e com a preocupação e o cuidado com o planeta, que não pode mais sofrer com a ação indiscriminada e, muitas vezes, criminosa de atividades exploratórias. A necessidade de gerar riqueza e desenvolvimento econômico não pode, jamais, justificar a destruição ambiental.
A sua palestra na ADCE tem o tema “Consciência cristã e liderança ética”. É possível ser cristão sem ser ético?
Não creio que seja efetivamente possível dissociar o ser cristão do agir ético. A consciência do ser cristão, amadurecida e iluminada pelos ensinamentos de Cristo, gera, consequentemente, uma transformação significativa no sujeito e, portanto, uma transformação em sua forma de pensar, de falar, de se relacionar com o próximo, com a sociedade e com a natureza.
Cristo é a maior liderança da história da humanidade. Pensando na “figura humana” de Cristo – um homem que nasceu em uma cidade periférica, da classe trabalhadora, que defendeu minorias e criticou o poder religioso e político da época – que tipo de liderança ele nos ensina?
Jesus, enquanto mestre, é um líder no sentido originário do que se entende por “liderança ética”, pois sempre foi coerente na relação entre o que falava e o que vivia, entre o que ensinava e o que praticava. Sua opção pelos desvalidos, pela viúva e o órfão, pelos pecadores, pelos leprosos, pelos excluídos e marginalizados de seu tempo não diz respeito a algo meramente de origem social, mas à essência própria de seu Evangelho e, portanto, com sua missão de revelar o rosto do Pai. Como bem nos ensina a Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II, em seu número 22, Jesus por sua encarnação, uniu-se a cada ser humano. Trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado. Por isso mesmo, Jesus revela o ser humano a si e lhe revela sua vocação sublime. Em outras palavras, somente em Jesus Cristo o ser humano encontra a razão e o sentido de como ser realmente humano em seu mais profundo significado.
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