Macramê origina negócio na pandemia
Segundo o Índice de Cidades Empreendedoras (ICE 2022), Belo Horizonte está entre as cinco melhores cidades para empreender no Brasil. Em 2021, a Capital também foi apontada pelo Banco Mundial como a melhor capital do País no quesito tempo para se abrir uma empresa e na facilidade de registrar o Microempreendedor Individual (MEI).
A engenheira de produção Christianne Lacerda, 34 anos, é um exemplo claro dessa transição, ou seja, de alguém que trabalhava no mercado formal, mas, por força das circunstâncias, teve que começar a empreender e a buscar um novo caminho como MEI.
Professora universitária há sete anos, ela lecionava na Faculdade Pitágoras, em Belo Horizonte, além de trabalhar como consultora, até que no final de 2020, perdeu o emprego. Nessa época, Chris, como é conhecida, havia acabado de ganhar sua segunda filha e, graças a uma descoberta durante a gestação, a arte da tecelagem milenar, nascida nas Arábias em meados do século XII, encontrou um novo rumo profissional.
“Tive uma gravidez de alto risco em plena pandemia, justamente quando estávamos no começo da crise sanitária, em que as grávidas e puérperas tinham mais chances de contrair casos graves da doença. E o pior: não tínhamos, naquele momento, perspectivas de vacinas. Como não podia sair de casa, comecei, em julho de 2020, a fazer trabalhos manuais para me acalmar, controlar a ansiedade. Até que um dia presenteei uma amiga com uma peça de macramê. Satisfeita, ela disse que adorou a peça e me perguntou se eu poderia fazer uma cortina. Respondi que não sabia – aquilo, na verdade, me parecia muito difícil”, lembra. Porém, uma pontinha de curiosidade logo acendeu sob sua mente inquieta. “Fiquei curiosa em aprender mais sobre o macramê. Comecei, então, a procurar alguns vídeos na internet”.
Obstinada, a jovem assistia, inclusive, tutoriais on-line em russo e polonês. “Eu não entendia nada, só observava e seguia os movimentos das mãos”. Autodidata, ela foi, aos poucos, dando os primeiros passos na técnica. Entretanto, tudo não passava de um hobby, uma terapia para que a professora pudesse se acalmar e deixar de lado a ansiedade provocada pela pandemia.
Com o passar do tempo, e já sem o trabalho formal na faculdade, a artista têxtil começou a divulgar suas produções nas redes sociais. Logo, os primeiros pedidos chegaram.
“No ano passado, por exemplo, fiz uma parceria com uma empreendedora que trabalha com decoração de festas infantis. Ela usou uma das minhas peças em um editorial e, a partir daí, outras portas foram se abrindo. Algumas pessoas conheceram meu trabalho, passaram a me seguir no Instagram (@soumno), compraram os meus produtos, e isso levou minhas criações para novos públicos. Colhi os frutos do que hoje a gente chama de ‘boca a boca virtual’”. Esse sucesso inicial foi a mola propulsora para que Christianne Lacerda percebesse a existência de uma demanda que gostava dos seus serviços. “Fui tomando gosto, me encontrando em uma atividade, que começou de forma terapêutica, mas que também se tornou uma nova fonte de renda”.
Hoje, além de vender suas peças, Christianne Lacerda se aprimorou de tal forma que dá aulas de macramê para ensinar outras pessoas que queiram aprender os meandros da arte milenar. Ela, inclusive, ministra oficinas virtuais para interessados que vivem em outras partes do Brasil. “A vocação de professora não morre. Uma vez professora, sempre professora. Só mudei meu campo de ensino”, destaca.
Sucesso
E os ganhos com a nova atividade, segundo a empreendedora, já chegam a superar a renda que ela tinha na época em que lecionava no curso de engenharia.
“Como professora universitária, eu ganhava por hora/aula e, a cada semestre, esse cálculo mudava. Tinha períodos em que eu lecionava para duas, três turmas. Em outros, já cheguei a lecionar para seis. Era um salário muito inconstante. Com muitos alunos, conseguia ganhar cerca de R$ 3,1 mil, mas já tinha um tempo que o faturamento estava baixo, na casa dos R$ 2 mil a R$ 2,5 mil. Já em meses de vendas altas do macramê, consigo arrecadar de R$ 3 mil a R$ 4 mil”, conta, acrescentando que ela comercializa de 10 a 15 peças por mês, desde painéis decorativos de paredes, à chaveiros, colares, brincos, bijuterias, centro de mesa, cadeiras suspensas e suportes para vasos de plantas, todas feitas com sua própria linha de barbantes ecológicos, produzidos em uma empresa do Sul do País.
Os produtos são trançados e atados manualmente sem nenhuma ferramenta ou máquina. “Dependendo da complexidade de uma peça, como uma cabana feita em macramê, por exemplo, chego a ficar quase 15 dias trabalhando apenas na produção. Quando ocorre esse tipo de trabalho, que demanda muito tempo, já consigo, só com esse projeto, tirar o meu faturamento do mês”. Os valores das peças de Christianne Lacerda variam conforme o produto, tamanho e quantidade de fios utilizados. Há desde os que custam R$ 50 aos mais caros, de R$ 2 mil. “Quanto mais fios, maior será o tempo de trabalho e, consequentemente, maior o preço”.
Mas o principal benefício da nova atividade da artista têxtil/engenheira vai além das motivações financeiras. Ela afirma ter ganhado qualidade de vida, já que hoje consegue trabalhar de casa e conviver mais próxima das filhas. “A gente consegue tomar café juntas, almoçar juntas”, cita.
Independentemente se a nova profissão continuar dando certo, Chris tem, hoje, uma certeza: jamais vai abrir mão da atividade descoberta na pandemia e tampouco voltar para o mercado formal de trabalho, mesmo que surja outra oportunidade de lecionar no ensino acadêmico.
“O macramê é a terapia diária que me acalma, que ajuda a minha saúde mental. E não há prazer maior do que fazer as peças, presentear as pessoas, saber que algo feito com as minhas mãos, está na casa daqueles que confiaram no que faço. Sinto-me como se um pedacinho de mim estivesse dentro do lar de cada cliente e amigo que contrata o meu serviço. É reconfortante, dá energia para continuar. Os percalços do empreendedorismo, às vezes, desanimam, mas nesses momentos é necessário erguer a cabeça e, pacientemente, tentar encontrar outra estratégia”.
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