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Mercado da dança em Minas ainda é tímido e com poucas oportunidades

Mercado da dança em Minas ainda é tímido e com poucas oportunidades
Crédito: Ben Yannette/Campanha do show Immigration Stories de MMDC

Antes mesmo de andar, uma criança dança para se equilibrar. Mais do que uma expressão artística, a dança é, antes de tudo, uma expressão de vida e, depois, pode ser uma profissão e movimentar uma longa cadeia produtiva.

Ainda que a pandemia causada pelo novo coronavírus tenha feito com que as cortinas dos teatros se fechassem, profissionais da área continuam sua intensa rotina de treinos e preparação e sabem que as novas tecnologias podem aproximá-los do público e fazer com que os aplausos continuem ecoando, ainda que virtualmente.

Aos 22 anos, a jovem bailarina mineira Sofia Baeta, nascida em Belo Horizonte, buscou formação fora do Brasil ainda na adolescência e compara o mercado da dança em Belo Horizonte e nos Estados Unidos; e um novo mundo que se apresenta para artistas de todas as artes. (Colaborou Daniela Maciel)

Por que sair de BH para os EUA? O desejo foi apenas por uma faculdade nos EUA ou já era uma escolha pela carreira internacional?

Assim que eu decidi seguir uma carreia profissional na dança eu já sabia que havia mais possibilidades fora do País do que em Belo Horizonte. A maioria dos meus professores de dança no Brasil estava sempre nos preparando para conseguir alguma oportunidade no exterior. Com 14 anos, comecei a fazer cursos de verão fora do País para aprender novas técnicas e, consequentemente, desenvolver minha fluência no inglês.

Então, quando decidi fazer faculdade nos Estados Unidos já era com a intenção de perseguir uma carreira profissional internacionalmente. Considerando o mercado de dança no Brasil, as oportunidades são bem escassas.

Temos pouquíssimas companhias de renome com a contratação de bailarinos profissionais; ao contrário do mercado americano que tem muitas ofertas de oportunidades de trabalho para companhias de dança, musicais e, até mesmo, outras expressões artísticas que buscam também bailarinos. Em Belo Horizonte, temos o privilégio de ter uma companhia de dança contemporânea, o Grupo Corpo, reconhecida mundialmente. Mas, quantas outras companhias com este reconhecimento temos no Brasil?

Qual a diferença entre uma formação na área de dança nas faculdades estaduais e em uma universidade americana?

Eu nunca cheguei a fazer uma faculdade de dança no Brasil, mas tenho muitos amigos que fizeram e fazem até hoje e, conversando com eles, a grande diferença que eu vejo é o modo como as matérias são ensinadas. No Brasil, o curso é muito mais teórico, os alunos aprendem sobre os diferentes estilos e técnicas de dança lendo e fazendo pesquisas, enquanto nos Estados Unidos as aulas são práticas.

Tinha dias que as minhas aulas começavam às oito da manhã e não acabavam até às nove da noite, sendo que apenas duas horas eram dentro de uma sala de aula tradicional. As demais aulas eu estava em estúdios e teatros dançando, coreografando e ensaiando. As faculdades nos Estados Unidos proporcionam uma educação mais prática, alcançada através da experiência, não da leitura sobre o que aconteceu.

Sem mencionar que estando nos Estados Unidos eu tive a oportunidade de ter aulas com os próprios bailarinos que dançavam com as diversas companhias. Por exemplo, a técnica de dança moderna, Cunningham, foi criada por um dançarino, coreógrafo e diretor, Merce Cunningham (1919 – 2009). Ele começou sua própria companhia em 1953, e é considerado um dos coreógrafos mais importantes do seu tempo. Durante a minha faculdade, eu tinha aula da técnica dele desde o meu primeiro dia de aula, com professores que estudaram com ele e dançaram na sua companhia.

Tive também a oportunidade de dançar dois espetáculos que foram coreografadas por ele e ainda participei de um workshop da Merce Cunningham Trust, em Nova York.
Enquanto isso, no Brasil, por mais que vários bailarinos e professores saibam quem ele foi, ninguém sabe a técnica, ninguém ensina, e a história se repete com inúmeras outras importantes técnicas de dança.

Então, quando você me pergunta qual é a grande diferença entre uma formação de dança nacional e uma formação de dança nos Estados Unidos, eu tenho que falar que a maior diferença são as oportunidades de aprender diretamente da fonte de conhecimento, de aprender através de experiências e de poder ter a possibilidade de conviver com grandes nomes internacionais do mundo da dança no dia a dia.

Quais possibilidades se deslumbraram para sua carreira?

A possibilidade mais clara é a carreira de bailarina. Acredito que todo mundo que busca esta faculdade tem como maior desejo ser um bailarino profissional. Mas a faculdade permite conhecer outras possibilidades de atuação profissional. Dentro das diversas aulas teóricas que temos, estudei anatomia, gestão de dança, como fundar uma non-profit, como planejar eventos, além de gestão de projetos culturais.

Com isso, me aprofundei nas áreas de produção artística, que estou adorando. E hoje esta tem sido uma atuação que tenho me dedicado em paralelo com os palcos. É um mundo de possibilidades e uma demanda enorme para quem gosta desta adrenalina fora dos holofotes.

Os dados mostram que a taxa de desemprego entre os jovens brasileiros com idade de 18 a 24 anos é mais que o dobro da taxa da população em geral. Enquanto a taxa geral ficou em 12,4% no segundo trimestre, entre os jovens esse percentual salta para 26,6%. Você se formou há um ano. Já conseguiu seu primeiro emprego?

Já! Como eu disse, o mercado da dança nos EUA é pungente. São muitas companhias, espetáculos de temporadas, escolas, institutos e atividades culturais. Então, as oportunidades são muitas. Minha faculdade tem uma parceria com o Lincoln Center Education e, anualmente, seleciona seis estudantes para um estágio de seis meses. Fui uma das selecionadas no fim do curso e tive uma oportunidade de aprendizado enorme.

Junto com o estágio, para complementar minha carga horária, comecei a dar aulas de dança de salão para alunos da quinta serie de escolas públicas em Nova York, através da organização Dancing Classrooms, além de dar aulas para crianças do pré-primário até a quarta série com a organização WR Arts, que oferece diferentes aulas extracurriculares para crianças se envolverem com artes.

Obviamente, tudo isso foi suspenso quando a pandemia começou, mas as organizações estão adaptando os seus currículos para dar aula virtualmente e ainda manter contato com os seus alunos.

Nesse último ano, eu tive cerca de seis trabalhos diferentes no mercado da dança em Nova York. Além de dar aulas, dancei com a companhia Mari Meade Dance Collective/MMDC. Esse ano a diretora, Mari Meade, estava criando um novo espetáculo, chamado Immigration Stories, onde ela entrevistou imigrantes de diferentes países sobre as suas histórias de como chegaram nos Estados Unidos.

Foi um trabalho muito especial, que me tocou muito ao ver as diferentes dificuldades que imigrantes enfrentam, mas, ao mesmo tempo, perceber que todos nós compartilhamos sentimentos similares.

Falando de pandemia, como você percebe o mercado da dança no Brasil e no mundo?

À primeira vista o mercado da dança está completamente em pausa, com as cortinas dos palcos fechadas. Os artistas estão se unindo para descobrir como podemos mudar a indústria que conhecemos, para que ainda possamos produzir arte e compartilhá-la com o mundo e, posso dizer, há muitas ideias diferentes emergindo nos Estados Unidos e no mundo.

É muito inspirador ver o mundo da dança se unindo nesse momento. E acredito que há muitas oportunidades. Imagina se antes tínhamos uma plateia sentada assistindo a uma estreia ou a um espetáculo, em breve, poderemos ter uma plateia sem limites espalhadas por todos os continentes assistindo a uma estreia.

Já imaginou a dimensão disto? No pós-pandemia, iremos criar o novo normal artístico também! A grande questão que muitos de nós estamos enfrentando agora é como poderemos monetizar este novo momento através das plataformas digitais. Este é o desafio do momento.

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