MINEIRIDADE | Universo Produção respira cultura e arte

Em 1990, o então presidente Fernando Collor de Mello extinguia a Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) e dava um duro golpe na produção cinematográfica brasileira. Com uma política neoliberal, a estatal e outros órgãos ligados à cultura chegavam ao fim. Até o próprio Ministério da Cultura perdia status e era transformado em Secretaria da Cultura. Ainda assim, como é comum às artes, o cinema nacional sobreviveu. E foi nesse contexto que surgiu, em Belo Horizonte, quatro anos depois, uma nova proposta de produtora cultural: a Universo Produção.
Hoje, a produtora é reconhecida internacionalmente por organizar as Mostras de Cinema de Tiradentes, de Ouro Preto (CineOP) e de Belo Horizonte (CineBH), entre outros eventos. Ao longo do tempo, porém, enfrentou crises de diferentes naturezas, como a falta de profissionais capacitados, público desmobilizado, ausência de políticas públicas, ataques à cultura e às leis de incentivo e o distanciamento social imposto pela pandemia. Ainda assim, foi resiliente o suficiente para inaugurar um novo modelo de negócios para o segmento e provar que ele poderia dar certo.
Por isso a empresa hoje está na série Mineiridade: pela singularidade das suas estratégias de negócios e alta capacidade de adaptação diante das crises e mudanças de comportamento da sociedade.
De acordo com a cofundadora da Universo Produção, Raquel Hallak, o propósito da empresa é trabalhar para promover a identidade brasileira e projetar as diversas formas de criação e manifestações artísticas, colocando Minas no centro das atenções do Brasil e do mundo e, ainda, para ver o Brasil no mundo, sem fronteiras.
“Quando começamos, em 1994, uma das minhas visões era o que podíamos fazer de diferente. Estavam surgindo as leis de incentivo, sendo definido um novo modelo de financiamento. Naquela época, existia a figura do produtor de artistas que viraria, no futuro, o produtor cultural. Pretendíamos ser uma empresa de eventos trabalhando esse novo conceito. Vim da comunicação e tinha uma visão estratégica de relacionamento com as comunidades. Trouxe a experiência que adquiri na Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais). Nosso objetivo era criar eventos que não fossem fugazes, tínhamos que deixar um legado para a comunidade. Passados 28 anos, continuamos cheios de ideias, de projetos, de vontade de fazer tudo diferente do que jamais foi feito”, explica Raquel Hallak.
A empresa planeja, elabora, executa ações, propostas e projetos nos segmentos cultural, social, turístico, educacional, empresarial, de comunicação, meio ambiente, valorização humana e responsabilidade social focada nas demandas das comunidades, do mercado e de seus clientes. A Universo Produção atua na realização de eventos e projetos personalizados como mostras de cinema; programas socioculturais, turísticos e educacionais; circuitos itinerantes; ações de inclusão social; atua no segmento empresarial, encontros corporativos; espetáculos, shows; intercâmbio de ideias e projetos.












Entre as muitas realizações, a mais famosa é, com certeza, a Mostra de Cinema de Tiradentes, que chega à 26ª edição em janeiro de 2023, abrindo o calendário nacional de mostras e festivais. O encontro na cidade do Campo das Vertentes dá origem ao programa internacional de audiovisual “Cinema sem Fronteiras”. Junto com a CineOP (17 edições já realizadas), e a CineBH (16 edições já realizadas), exibe e discute a produção contemporânea do cinema brasileiro, sua história, patrimônio, linguagens, estéticas e formas de inserção no mercado audiovisual.
“Quando chegamos a Tiradentes, a cidade era desconhecida, tinha apenas 150 leitos e com problemas graves de estrutura. Já tínhamos noção desse cenário e escolhemos Tiradentes porque tínhamos algo a construir ali. O pensamento era no que poderíamos deixar que fosse bom para a cidade, sempre em diálogo com a população. A cidade precisava se adequar, receber investimento para crescer. A primeira coisa foi reativar a associação comercial para conversar com os empresários. Para que existisse o ano seguinte, tínhamos que trabalhar a base, mostrando os vínculos que queríamos construir. Criamos um evento de formação, exibição e difusão, representativo da produção brasileira e espaço de transformação da cidade que tinha todo o potencial. Fomos conversando sobre o que a cidade precisava, de telefone público, posto de saúde, até o tombamento da Serra de São José e trazer os estrangeiros para participar”, relembra.
Duramente impactada pela pandemia, a edição mais recente, que comemorou os 25 anos da Mostra, em janeiro de 2022, exibiu 169 filmes (64 longas, três médias e 102 curtas-metragens), oriundos de 20 estados brasileiros e do Distrito Federal, em pré-estreias mundiais, nacionais e mostras temáticas. Nos nove dias de programação gratuita, novamente em formato digital, por causa da Covid-19, foram mais de 350 mil acessos na plataforma oficial, vindos de 83 países. A divulgação da Mostra registrou alcance de mais de quatro milhões nas redes sociais.
O evento realizou também o “25o Seminário do Cinema Brasileiro” que promoveu 38 debates, a série “Encontro com os Filmes” e rodas de conversa, com a participação de 119 convidados, entre profissionais do audiovisual, críticos e pesquisadores.
Para a empresária, conhecer o potencial econômico da cadeia produtiva da criatividade é fundamental para que o setor seja entendido como uma indústria poderosa. De acordo com o “Estudo de Avaliação e Levantamento de Indicadores do Impacto Econômico e Social de Programas de Fomento Direto à Cultura e Economia Criativa”, encomendado pela Associação Paulista dos Amigos da Arte e realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV), cada real investido retorna R$ 1,67.
“A pandemia impossibilitou os encontros presenciais, mas abriu uma janela para o remoto que precisamos aprender a trabalhar rapidamente. Depois da pandemia tudo é audiovisual. Isso favoreceu o cinema. O barateamento do digital possibilita o financiamento da produção. Uma das maiores dificuldades para a retomada é a carência de mão de obra. Os técnicos migraram para outras atividades durante esses dois anos. Esse é um segmento que precisa de políticas públicas como as demais. Sem ela, resistimos, mas não nas condições adequadas para a própria remuneração do setor. A formação é fundamental. Fomos o primeiro festival a oferecer um programa de oficinas. Espero dias melhores depois da desconstrução das políticas de cultura nos últimos anos”, afirma a empresária.
Cuidar do passado com vistas ao futuro é outro ponto essencial na estratégia e na missão da Universo. Em 17 anos, na CineOP foram 100 dias de programação gratuita, com 1.487 filmes exibidos, 14 masterclasses internacionais, 275 debates, 53 convidados internacionais, mais de 300 mil pessoas beneficiadas nas edições presenciais e mais de 240 mil pessoas beneficiadas nas edições e ações on-line.
O cenário ainda é turbulento e a um mês da próxima Mostra de Cinema de Tiradentes, a produtora ainda está captando recursos. O atraso se deve à demora no lançamento do edital da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Sem desânimo e atenta ao novo – seja no modelo de negócio ou no aparato tecnológico –, a empresa anuncia entrar em uma nova fase: a da transversalidade, conversando com diferentes setores da sociedade e da economia.
“Até aqui trabalhamos a adaptabilidade. Quando acabou a película e veio o digital, mudamos a nossa estrutura; começamos em uma lona de circo e hoje temos uma tenda climatizada; na pandemia quando passamos para o remoto. Agora vamos falar da transversalidade conversando com a educação, meio ambiente, comércio exterior, economia e todos os outros. A cultura tem papel fundamental na conexão porque ela tem essa possibilidade de diversas formas de manifestação. A preservação começa no roteiro até chegar ao filme em si. Precisamos pensar onde esse filme vai estar daqui 50 anos. Estamos sempre apagando incêndio. Estamos fazendo publicações para documentar a produção atual. O que não é registrado, não existiu. Esse é um campo que discutimos em Ouro Preto. Cada evento tem um conceito próprio e foi concebido nesse sentido de cadeia produtiva. Em BH, para falar de mercado porque o que era exibido em Tiradentes não chegava à sala de exibição. O desafio é acreditar no que está sendo feito. Os eventos não têm receita direta, se eu fosse esperar a captação completa, não teria feito a primeira edição”, pontua a idealizadora da Universo Produção.
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