Micro e pequenas empresas têm oportunidade de alavancar a inclusão produtiva no País

Apesar de distintas, as experiências dos donos de Micro e Pequenas Empresas (MPEs) com iniciativas de inclusão produtiva mostram que se não é fácil empreender no Brasil, tentar construir um País melhor pode ser ainda mais difícil. Prova disso é que a reportagem teve dificuldade de encontrar exemplos de pessoas que adotam esse tipo de ação em seus pequenos negócios.
Nem sempre falta vontade. O que faltam são incentivos, conhecimento e acesso à informação. Ainda que não seja simples para uma grande empresa, o processo é mais claro, tangível e palpável. Em função de cotas e leis de incentivo? Talvez.
A Gerente na Fundação Arymax, Natália Di Ciero Leme Quadros, diz que chama atenção o fato de as micro e pequenas empresas (MPEs) responderem por 54% dos empregos formais e participarem de 44% da massa salarial de empregos formais no Brasil. Levando em consideração também os empregos informais e autônomos, a representatividade em relação aos empregos sobe para três quartos.
“Isso significa que a maior parte dos trabalhadores brasileiros está ocupada em setores de baixa produtividade e, consequentemente, com remuneração mais baixa, o que contribui para a manutenção da desigualdade no País”, explica.
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Para a professora da Fundação Dom Cabral (FDC) Elisângela Furtado, a inclusão produtiva é, ao mesmo tempo, um meio de se obter incremento na performance dos negócios, com mais produtividade e competitividade no campo da inovação, como também de adoção de um modelo de gestão mais responsável e mais alinhado às demandas da sociedade.
Porém, a docente de disciplinas sobre Diversidade, Equidade e Inclusão, ESG, Cultura Organizacional e outras áreas explica que o empreendedorismo social ainda é um fenômeno novo. “Se no passado Henry Ford costumava dizer que ‘o cliente pode ter o carro da cor que quiser, desde que seja preto’”, porque a tinta preta era mais barata e secava mais rápido, hoje uma organização com essa mentalidade não sobrevive”, diz.
É preciso mais sensibilidade às demandas da sociedade e uma das mais específicas no contexto brasileiro, segundo ela, são justamente aquelas relacionadas à desigualdade social. “A pobreza é produzida, é uma construção social e há grupos cuja tendência é estar nesse lugar de poucas oportunidades. Os negócios sensíveis a esse contexto, dispostos e aptos a criar oportunidades é que podem mudar essa realidade. Por isso, esse tipo de iniciativa já começa a ser compreendida como uma vantagem competitiva, criando produtos e serviços que possam, ao mesmo tempo, ter propósito e viabilidade econômica”, explica.
Neste sentido, estudos da McKinsey indicam que organizações que investem em inclusão produtiva ampliam sua lucratividade. Especificamente na inclusão de gênero, as empresas geram 21% a mais de valor; e quando essas medidas são de inclusão do ponto de vista étnico, esse incremento sobe para 33%.

| Crédito: Reprodução AdobeStock
Sociedade e empresas precisam caminhar lado a lado para a inclusão
Os números mostram que a sociedade está evoluindo nesse assunto. As empresas estão cada vez mais investindo na diversidade em seu quadro de colaboradores, buscando adotar mecanismos e boas práticas que estimulem um ambiente diverso, com oportunidades iguais para todos.
Prova disso é que a recente pesquisa do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae Minas) “Diversidade, Equidade e Inclusão”, realizada em abril com pequenos negócios de todo o Estado, mostrou que para mais da metade dos entrevistados (53%), o tema diversidade, equidade e inclusão é muito importante. Além disso, 62% dos empreendedores afirmaram que estimulam ações de promoção à diversidade em suas empresas.
Veja, a seguir, a lista das ações mais citadas pelos empresários:
- Igualdade racial (63%);
- Igualdade de gênero (52%);
- Inclusão de pessoas mais velhas (43%);
- Inclusão de pessoas com deficiência (40%);
- Inclusão de pessoas LGBTQIAPN+ (36%).
“Os resultados nos mostram que o debate sobre o tema diversidade, equidade e inclusão vem crescendo no meio corporativo. Os pequenos negócios estão atentos à importância de implantar ações de diversidade, o que amplia as oportunidades de trabalho, reduz desigualdades e favorece a inclusão de grupos desfavorecidos ou minorizados”, avalia o presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae Minas, Marcelo de Souza e Silva.
Mas para o dirigente, independentemente do porte da empresa, a iniciativa de promover a inclusão produtiva tem impacto não só na diversidade de pensamento, inovação e criatividade no ambiente de trabalho, mas também gera representatividade no mercado.
“Ao investir em um ambiente de trabalho diverso, a empresa demonstra seu compromisso com a responsabilidade social, retém talentos, além de estar atuando em conformidade com a legislação que regula a igualdade de oportunidades. Tudo isso fortalece a imagem organizacional e promove o crescimento econômico e sustentável, contribuindo para a redução das desigualdades sociais”.
Silva pondera, no entanto, que desenhar uma estratégia em que a diversidade e a inclusão sejam catalisadores para mais inovação e melhores resultados ainda não é transversal a todas as empresas. Para ele, promover a diversidade significa inserir no ambiente de trabalho uma quantidade maior de diferentes tipos de profissionais, ou seja: pessoas de raças, etnias, gêneros, idades, formações, entre outras características, distintas.
“E após promover a diversidade dentro do espaço organizacional, a empresa pode e deve ir além, promovendo a verdadeira inclusão dessas pessoas. Isso significa garantir que todos terão as mesmas oportunidades e condições de desenvolvimento”, defende.
Apesar da evolução, a sociedade ainda enfrenta obstáculos quanto ao tema diversidade no mercado de trabalho.
“Ainda há um longo caminho e mudança de mindset até que o mercado de trabalho ofereça oportunidades iguais para todos e as empresas se tornem mais inclusivas e diversas”, alerta Silva.
Faltam políticas públicas para a inclusão produtiva nas MPEs
O desenvolvimento de políticas públicas também é fundamental para esse processo, dizem especialistas. Neste sentido, o governo estadual lançou no último dia 20 de maio, o Programa Minas Forma. Trata-se de uma iniciativa para oferecer cursos gratuitos de formação profissional a pessoas em situação de vulnerabilidade social.
“Já vi as vidas de muitas pessoas mudarem quando se dá a primeira oportunidade. Pessoas simples, humildes, que estavam sem esperança e autoestima. A partir do momento em que se faz a ignição, muitas coisas podem ocorrer depois”, disse o governador Romeu Zema (Novo), na ocasião do lançamento.
A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (Sedese-MG) é responsável pela ação, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac em Minas). O programa terá início com a disponibilidade 8,1 mil vagas, divididas em 356 turmas, distribuídas em 101 municípios mineiros. Nesta fase, as vagas oferecidas serão para os setores de Turismo e Cultura, com foco no comércio e serviços.
Com formações de curta duração voltadas para conteúdos práticos de ofício, e desenvolvimento de competências e habilidades socioemocionais, o programa visa permitir a preparação dos beneficiários para o mercado de trabalho e exercício da autonomia, por meio da ampliação de oportunidades e geração de renda. Os cursos serão práticos, com carga horária de 35 horas/aula a 100 horas/aula, e os estudantes regularmente matriculados serão beneficiados com o pagamento de bolsa-auxílio.
“Esse modelo é inovador porque desenvolve questões sócio-emocionais para a pessoa saber que ela é capaz e pode ter a autonomia da sua vida, com o diferencial na mobilização e no acolhimento, assim como o acompanhamento sócio-assistencial individualizado para o desenvolvimento e a inserção no mercado de trabalho”, explicou a secretária Elizabeth Jucá.
Para a professora Elisângela Furtado, existem boas políticas públicas, mas infelizmente ainda muito focadas nas grandes e médias empresas pelo impacto que podem representar na economia. Ela lembra que a inclusão produtiva não se trata apenas de aumentar números, mas da capacidade de compreensão do que permeia a presença de pessoas sub-representadas no mercado de trabalho. O grande desafio, segundo ela, é zerar o gap existente entre os movimentos feitos na sociedade e nas organizações.
“Estamos falando de racismo, capacitismo, machismo, etarismo e tantos outros preconceitos, que geram fenômenos como o ‘teto de vidro’, que ocorre quando pessoas sub-representadas enfrentam limitações em suas ascensões profissionais. Ou o ‘penhasco de cristal’, que é aquele em que pessoas sub-representadas recebem tarefas e oportunidades em momentos inapropriados de forma inconsciente ou até mesmo consciente por parte das empresas, o que promove a desqualificação dessas pessoas. Por fim, temos a assimilação e o tokenismo, que são fenômenos mais recentes. Esse último funciona como um artifício para conferir uma imagem progressista, ou seja, uma organização ou projeto incorpora um número mínimo de membros de grupos minoritários somente para gerar uma sensação de diversidade ou igualdade”, esclarece.
Pequenos negócios podem ser alavanca para a inclusão social
Karina Capelli, socióloga e especialista em Inclusão Produtiva na Fundação Feac, em Campinas (SP), explica que a falta de oportunidades para pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social ocorre também em função da baixa escolaridade desses grupos. “Falta acesso às formações, seja de qual nível elas forem; falta acesso à internet, o que também dificulta o alcance às vagas de trabalho; falta dinheiro para a passagem do ônibus e até vestimenta adequada para participar de uma entrevista de emprego”, cita.

| Crédito Arquivo Pessoal
Para a especialista, muitas vezes, nem o próprio ecossistema está preparado para atender essas pessoas. Porém, na contramão desse cenário, podem estar justamente os pequenos negócios, já que funcionam de forma menos burocrática e costumam ofertar oportunidades de trabalho e renda a pessoas que, muitas vezes, teriam mais dificuldades de ingresso no mercado tradicional por baixa escolaridade ou por não terem comprovações materiais de expertise.
Além disso, as MPEs costumam privilegiar a contratação de pessoas da comunidade do entorno e oferecer subsídios que vão além do salário, como pequenos créditos. “Contratando pessoas da comunidade do entorno, os pequenos negócios promovem a inclusão produtiva e o dinamismo econômico local”, explica.

| Crédito Fernando Frazão Agencia Brasil
No campo da capacitação, Karina Capelli alerta que os desafios estão na oferta de todas as condições para que essas pessoas possam acessar e se manter no mercado de trabalho, por meio de trilhas de apoio completas. Segundo ela, não basta oferecer capacitação, vaga ou algum procedimento, sem acompanhar de perto e devidamente o profissional.
“É preciso fazer adequações, seja abrindo mão de alguns critérios tradicionais, flexibilizando requisitos, ou mesmo incluindo apoios adicionais de equipes multidisciplinares. Pessoas que possam formar um vínculo com o funcionário de forma que a inclusão ocorra de fato e viabilize um crescimento profissional, bem como colabore para os resultados da empresa. Quando isso acontece, as experiências são muito bem-sucedidas e promovem grandes transformações”.
Sobre os setores mais ativos no que se refere à inclusão produtiva, tradicionalmente, a atuação mais expressiva ocorre por entidades do terceiro setor que atuam em prol da desigualdade e justiça social. Mas para além das chamadas ONGs, já se percebe um movimento crescente de empresas de diferentes áreas e portes, que entendem a importância do tema, buscam se atualizar e implantar medidas que promovam ambientes de trabalho cada vez mais inclusivos e diversos.
Karina Capelli ressalta as novas economias, entre elas a economia prateada – que são os serviços voltados para pessoas da terceira idade -; a economia criativa ou economia laranja – setor que emprega muita gente e também gera oportunidades via empreendedorismo -; e os serviços voltados para a questão ambiental, que costumam envolver pessoas inseridas no contexto de vulnerabilidade social, uma vez que são elas que sofrem as piores consequências dos problemas envolvendo a emergência climática, por exemplo.
As reflexões sobre inclusão produtiva são diversas, mas convergem todas para a necessidade do combate ao preconceito e da promoção do engajamento de todos no alinhamento da cultura organizacional com a cultura da diversidade. E sob esta ótica, o que essa reportagem traduz é que o Cidão, a Jully, o Lucélio, o Hercyl, o Fabiano, o Marcelo, a Elisângela, a Karina, a Natália e tantos outros almejam algo em comum: um mundo melhor e igual para todos.
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