Negócios

Entrevista: Mulheres conectam humanização e conhecimento sobre o negócio

Nova presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil), Eliane Ramos abre a nova série “Mulheres de Impacto”
Entrevista: Mulheres conectam humanização e conhecimento sobre o negócio
Crédito: Diário do Comércio / Isa Cunha

“Mulheres de Impacto” é a nova série de reportagens especiais do Diário do Comércio, que vai ouvir mulheres mineiras que fazem a gestão de negócios, instituições e órgãos públicos com grande representatividade na economia mineira, seja pelo porte, setor ou inovação.

No mês em que é comemorado o Dia Internacional da Mulher, convidamos empresárias e gestoras de diferentes setores para falar sobre como elas lideram negócios e equipes em um mundo ainda feito por e para os homens.

E, de maneira muito apropriada, a primeira convidada é Eliane Ramos, nova presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil). Com mais de 35 anos de experiência na gestão de talentos e desenvolvimento organizacional, ela construiu uma carreira de destaque e sua trajetória reflete um compromisso contínuo com a inovação e o impacto positivo em companhias de diferentes culturas e portes.

Graduada em Psicologia, pela PUC Minas, e mestre em Administração Estratégica de Negócios, a executiva é diretora regional da Predictive Index – PI Grupo, empresa multinacional pioneira em Arquitetura Humana -, atua ainda como vice-presidente da Associação Comercial e Empresarial de Minas Gerais (ACMinas) e integra o Conselho das Mulheres do Brasil.

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Você tem uma carreira longa dedicada aos recursos humanos. Depois de passar pela ABRH Minas e pelo Conselho Deliberativo da ABRH Brasil, você chega à presidência da Associação Nacional. Qual o significado de uma mulher nessa posição?

É uma construção. A mulher tem várias jornadas, o equilíbrio é complicado. Quando a gente tem uma boa base familiar, um companheiro que estimula e brinda o nosso sucesso e tem uma construção juntos, isso é muito importante. O tempo é o que a gente tem de mais valioso. Quando a gente faz com amor, com propósito, fica mais fácil alcançar esse equilíbrio. E quando a gente tem amigas, isso faz toda a diferença. Sororidade é uma ajudando a outra, querendo que a outra cresça. Muitas vezes a gente pensa que não pode haver cooperação, mas não dá pra viver sozinho. Uma pesquisa sobre felicidade feita pela Universidade de Harvard mostrou que, com o tempo, as pessoas, especialmente as mulheres, se preocupam menos com a opinião das outras pessoas. Maturidade combina muito com felicidade. Ficamos mais donas de nós mesmas e nossa melhor versão se apresenta.

Quais são os principais desafios da sua gestão à frente da ABRH Nacional?

Hoje temos que pensar que em um mundo cada vez mais tecnológico e volátil, onde as mudanças são cada vez mais rápidas e a gente tem que se adaptar aos novos cenários. O desafio é sermos resilientes no sentido da adaptabilidade, fazendo leituras de cenários para entender esse mercado inseguro. É muito importante entender que a tecnologia, a inteligência artificial estão aí, mas precisamos nos preocupar mais com o lado humano. Um olhar para si. O autoconhecimento é uma jornada. Um olhar para entender o que você dá conta e para o autocuidado porque o adoecimento acontece. O trabalho é também fator de adoecimento porque assédios, burnout e estresse existem. E como a gente vai lidar com isso? Temos agora a NR-1, que trata dos riscos psicossociais dentro das empresas como um grande passo.

A NR1 é uma norma que vai sendo alterada, ganhando novos itens ao longo do tempo. Então quando os riscos psicossociais são objeto de uma legislação é porque já teve muita história, certo?

O índice de adoecimento está aumentando e, após a pandemia, foi acelerado. E a liderança tem um impacto muito grande sobre isso. Quando a gente fala em liderança, não são só os profissionais de RH, mas todos os humanos fazem gestão de pessoas. A pandemia mostrou que não dá pra ser feliz sozinho. Somos seres sociais e precisamos desse relacionamento e de nos sentirmos acolhidos em um ambiente seguro. Quando a gente fala dos riscos psicossociais, é a liderança que está na linha de frente, não o RH. Ela que está conduzindo, motivando, inspirando, e o grande desafio é a capacitação para a liderança. Se essa liderança não pratica autocuidado, como vai cuidar do outro?

A geração que hoje está nos cargos de comando não foi treinada para esse cenário que se preocupa com o autocuidado e a saúde mental. Então, como formar essa liderança se ela é agente da mudança e também alvo dela? E tudo isso sem esquecer que a empresa tem que continuar dando lucro.

Liderar é sobre inspirar outras pessoas, cuidar delas. Mas as pesquisas mostram que os jovens não querem ser líderes porque existe uma responsabilidade de si e sobre o outro. Ele está buscando muito mais qualidade de vida.

Nos últimos anos os departamentos de recursos humanos passaram por uma grande transformação que pode ser acompanhada pela própria mudança de nomenclatura: de recursos humanos, para pessoas, gente, e até felicidade, mais recentemente. Também saímos de uma era totalmente analógica para o RH 4.0. Disso tudo, o que realmente ficou e como capacitar o profissional para ser o RH que o mundo precisa?

O RH tem que sentar à mesa de decisão. Ele vai trazer o lado humano, mas também tem que entender do negócio, do financeiro, da logística. Ele tem que ter um perfil mais generalista, com um cuidado com as pessoas. Tem que falar a linguagem do negócio para discutir com a alta gestão. 

E porque é tão difícil para as empresas abrirem mão do modelo de comando e controle, mesmo depois da pandemia, quando modelos mais flexíveis se mostraram exitosos?

Isso depende muito do perfil das pessoas. Tem quem seja mais centralizador, com mais dificuldade para delegar. Esse tipo de perfil pode criar mais atritos. Pode ser mais produtivo, mas a qual custo? Hoje falamos de uma liderança mais consciente, que traz o outro para o processo de tomada de decisão. Capaz de entender que todas as pessoas fazem parte do time e de tirar o melhor de cada um. Antigamente a gente dizia que era pra tratar as pessoas como gostaríamos de sermos tratados. Hoje não é mais isso, temos que tratar como elas gostariam de ser tratadas. Cada uma tem suas particularidades que precisam ser levadas em conta. Por isso que liderar dá trabalho. A comunicação não é só que a gente fala, mas o que o outro entende. Tem esse duplo sentido porque tem o entendimento de cada um. Tem que ser uma comunicação fluida, honesta, transparente, em um ambiente onde a gente possa falar das nossas dificuldades e vulnerabilidades porque ninguém é perfeito.

E, tudo isso, levando em consideração a escassez de mão de obra e isso que você falou sobre os jovens não quererem mais ser líderes. O desafio de ser uma marca empregadora, capaz de atrair e reter talentos, só cresce, então?

As pessoas ficam porque se sentem acolhidas. Normalmente as demissões voluntárias não são por uma questão de salário. Elas pedem demissão daquela liderança, do ambiente que não é saudável. As empresas têm que ter cuidado com essa marca empregadora, para as pessoas quererem, falarem da marca com entusiasmo.

Ao mesmo tempo em que temos essa nova geração que vê o mundo do trabalho de uma forma muito diferente do que acontecia até aqui, pela primeira vez, temos até cinco gerações convivendo dentro das organizações. É um clássico reclamar das outras gerações. Qual o segredo para tornar essa convivência harmoniosa e produtiva?

Isso é trabalhar pela diversidade. Eu acho isso uma riqueza. Diversidade tem a ver com raça, gênero, ideias, idades. Separar as pessoas por categorias não dá certo. Tem muita gente mais velha indisciplinada, não é uma coisa só da juventude, por exemplo. Eu falo que sou uma geração Z da minha época. Com vinte e poucos anos fui trabalhar na área de tecnologia ligada aos recursos humanos. As pessoas achavam que não daria certo. E deu, a minha empresa tem mais de 30 anos. É preciso ter coragem para ir em frente sabendo que precisamos de pessoas do bem, de confiança conectadas com a gente.

O que os brasileiros têm a oferecer à gestão no mundo?

Isso varia muito, mas pensando no Brasil e, especialmente nas mulheres que estão em cargos de gestão, temos a oferecer essa vontade de estar junto, de cuidar e compartilhar. Também o lado da resiliência – quantos momentos complexos já vivemos e seguimos? É uma mistura desses comportamentos e de lidar com o incerto, com ambientes caóticos como na época da pandemia. Uma resiliência focada no negócio.

Estamos o tempo todo falando sobre lideranças. Já vivemos um quarto do século 21. Qual o papel dos líderes de hoje e se você pudesse dar um só conselho para eles, qual seria?

Resiliência. Coragem para seguir em frente cuidando de si e do outro e que ele esteja sempre presente. Todo mundo tem as suas dificuldades, então olhe pra si e se mantenha cercado de pessoas que te queiram bem. Valorize a qualidade de vida.

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