Mulheres negras predominam em negócios próprios no País

Desigual e preconceituoso, o Brasil penaliza com a falta de oportunidades, de forma mais cruel, as mulheres pretas. Na base da pirâmide social, essas mulheres quando estão na periferia – lugar que abriga a maioria delas – enfrentam ainda mais uma barreira para ascenderem socialmente e em qualidade de vida e, justamente por isso, são empurradas para o empreendedorismo por necessidade.
Publicada no final de 2022, a sétima edição da pesquisa “Mulheres empreendedoras e seus negócios”, realizada pelo Instituto Rede Mulheres Empreendedoras (Irme), mostra que 60% das empreendedoras brasileiras são mulheres negras, contra 37% de brancas, 2% de descendência asiática e 1% de origem indígena.
Na análise das classes sociais, metade (50%) das empreendedoras pertence à classe C, 34% às classes A e B e 17% às classes D e E. No quesito escolaridade, 28% possuem ao menos ensino superior e, 24%, ensino médio.
Diante desse painel é fácil entender a força produtiva das mulheres pretas e o quanto elas contribuem para a geração de emprego, renda e inovação para o mercado brasileiro. A realidade enfrentada por elas no dia a dia, entretanto, impõe uma rotina de desrespeito e desconfiança.
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Com muitas dificuldades para conseguir financiamento e frequentemente apontadas como incapazes de lidar com o mundo empresarial, elas contam umas com as outras formando redes de apoio. A boa notícia é que essas redes estão cada vez mais estruturadas e capazes de compartilhar conhecimentos e oportunidades.
Entre os 46% de mulheres que abriram seus negócios por necessidade, 71% estão nas classes D e E, e a maioria delas é negra (52%). Também predominam as que têm ensino fundamental (56%) e as mulheres cujos negócios têm até dois anos (51%), indicando que eles foram abertos no período de pandemia da Covid-19.
Entre as razões para empreender, elas mencionam a busca por independência financeira, o desejo de juntar dinheiro e a necessidade de mais equilíbrio entre a dedicação ao trabalho e a destinada à família.
Do total de negócios empreendidos por mulheres em até dois anos, 42% surgiram por necessidade, e 45% foram criados por empreendedoras que vivem em favelas ou comunidades.
Para a fundadora da Rede Marianas Mulheres Que Inspiram e presidente do Favela Holding BH, Marciele Delduque, lentamente a sociedade vem abrindo os olhos para a desigualdade de oportunidades e para a potência econômica desse grupo, mas ainda falta muito para podermos falar em equidade.
“Devemos entender que são conquistas dentro de uma cultura estabelecida há séculos. O que percebemos e vivemos agora é a força da mulher dentro de um grupo, de uma rede. Essa união leva o grupo a se tornar potente o suficiente para compartilhar oportunidades dentro e fora das empresas”, avalia Marciele Delduque.
A empreendedora social se tornou ativista a partir do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana – que arrasou os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo –, em 2015. Ela já conquistou, entre outros reconhecimentos, o Brics Women’s Innovation Competiton Award, organizado pelo Conselho da China para a Promoção do Comércio Internacional (CCPIT) e a Câmara de Comércio Internacional da China (CCOIC), no ano passado.
“Nas favelas, as mulheres – na maioria das vezes – empreendem por necessidade, mas ainda assim submissas a relações em que elas têm que responder a um homem, mesmo quando ela é a principal responsável pela renda. Do lugar que ocupo como líder de uma rede como a Marianas, tenho como missão trazer as ‘minhas’, entregar oportunidades para elas. Meu papel é encorajá-las”.
De acordo com dados divulgados pelo Serviço Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae Nacional), 92% das mulheres pretas empreendedoras fazem isso solitariamente, elas não contratam funcionários para essa jornada. Por outro lado, o estudo aponta que 20% dos homens brancos trabalham com pelo menos um empregado em sua empresa.
A pesquisa, que cruza informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE (PNADC) do segundo trimestre de 2022, mostra também que as mulheres negras estão à frente dos menores negócios. Cerca de 82% delas empregam entre um e cinco pessoas. Entre os homens brancos, o valor é de 69% nesse tamanho de empresa.
Criado em 2017, o Movimento Black Money (MBM) é um hub de inovação para a inserção e autonomia da comunidade negra na era digital junto à transformação do ecossistema empreendedor negro, com foco em comunicação, educação e geração de negócios.
Segundo a gestora de projetos do MBM, Carla Jemima, conseguir financiamento para começar ou expandir um negócio é especialmente difícil para a mulher preta e a situação piora se ela for periférica e jovem. Mais uma vez a solução imediata é contar com o apoio da própria comunidade estruturada em redes.
Ela relembra com tristeza e com a certeza de que pouca coisa mudou, de quando aprovada como franqueada de uma famosa marca, foi a um banco tradicional, parceiro da franqueadora, pedir um empréstimo pré-aprovado. Ouviu do gerente que não teria sequer seu pedido analisado porque ele “sabia que o negócio não daria certo”.
Entender o próprio negócio e o público ao qual ele se dedica é fundamental, segundo a gestora, que aconselha que as empreendedoras busquem formação e ferramentas que facilitem a administração diária.
“Precisamos fazer com que o dinheiro gire e fique mais tempo em nossas mãos, gerando desenvolvimento local. Para isso, precisamos entender de quem compramos, quem pode ser nossos parceiros. As comunidades judaicas e asiáticas fazem isso o tempo todo. No Black Money trabalhamos o fomento ao empresário e ao profissional para criar esse ciclo virtuoso. Grandes empresas estão percebendo essa preocupação da sociedade e estão se apropriando de uma causa alheia a elas. É importante que identifiquemos quem tem ações verdadeiras e quem tem apenas um discurso em datas comemorativas”, explica Carla Jemima.

Limitações precisam ser ignoradas
“Empoderada”, antes dessa palavra frequentar o vocabulário popular, Danielle Neves se tornou Dani Formigueiro – idealizadora do Projeto Empreendendo no Lar e organizadora do Confeitar Minas – fazendo questão de ignorar as limitações impostas pelos tantos preconceitos que uma mulher preta enfrenta todos os dias.
Apesar de não trabalhar especificamente com o recorte “mulheres pretas”, ela sabe que essas mulheres são parte significativa do seu público. O mais recente evento conduzido pela confeiteira aconteceu em Belo Horizonte, em fevereiro, oferecendo mais de 2 mil vagas para aulas e workshops gratuitos.
“Devo muito da minha postura à minha mãe, que sempre me disse que eu era linda e poderia alcançar o que quisesse a partir dos estudos. Ela nunca me alertou sobre as barreiras que poderiam me limitar. Então, eu não foco na minha cor porque eu não tenho problema com ela. Se os outros têm, isso não me diz respeito. Eu foco na minha qualificação porque mulheres pretas são intimidadas o tempo todo. Estão sempre procurando alguém acima de mim, um chefe, de preferência, um homem branco”, descreve Dani Formigueiro.
E foi em rede que a confeiteira se descobriu empresária e líder. Em 2016, ela foi para as redes sociais, onde ensinava a vender, a fazer receitas previamente testadas, até criar o Empreendendo no Lar, grupo de fomento ao empreendedorismo feminino. A proposta era despertar, encorajar e capacitar mulheres. Criado em agosto, em dezembro o grupo já tinha 60 mil pessoas.
Foi aí que resolveu fazer um encontro presencial de confeiteiras.“Tinha que ser em Belo Horizonte porque tudo acontece no Rio de Janeiro e São Paulo”, explica. Foram 200 mulheres. Precisava continuar, criou o Confeitar Minas, que ocorre duas vezes ao ano – na Páscoa e no Natal – para apresentar novidades e tendências do mercado nestas épocas. O projeto, agora, caminha para versões em outras cidades e para públicos específicos, como as crianças, ainda este ano.
“Gosto de inspirar pelo meu exemplo. A minha conduta fala por mim. Antes eu não sabia o quanto era importante ter a minha imagem estampada no material do evento para gerar identificação. Quando a gente fala de representatividade é isso. Não me coloco como produto de 20 de novembro (Dia Nacional da Consciência Negra). Cada uma de nós é muito mais do que isso. Sempre vão tentar colocar a mulher preta dentro de uma caixa que eu não aceito. O tempo todo o esforço tem que ser dobrado. O que vale é trabalhar a autoestima. Quando sei quem eu sou, a opinião do outro me freia”, completa a idealizadora do Confeitar Minas.
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