Entrevista: ‘No mundo dos vinhos, o comercial é muito suor e pouco glamour’

Formado em gastronomia em 2007, pela Estácio de Sá, o capixaba Luciano Contarini está radicado em Belo Horizonte há 27 anos. Viajando o mundo em constantes formações e conhecendo algumas das paisagens mais bonitas do planeta, engana-se quem conhece sua vida pelas redes sociais e acha que é puro glamour. Na área comercial on trade desde 2010 e nessa função na Casa Flora, desde 2017 – uma das principais importadoras de alimentos e bebidas premium do Brasil -, ele mostra que comprar e vender vinhos é arte e ralação.
Vamos começar pela gastronomia. Talvez o seu sobrenome dê algumas dicas, mas como a gastronomia surgiu na sua vida como uma opção de estudo e trabalho?
Eu sou de ascendência italiana, mas por incrível que pareça, tenho poucas referências gastronômicas na família. Não quero ser injusto com minhas avós, com a minha mãe, mas eu acho que a culinária na minha família nunca foi o motivo das nossas reuniões. Então, eu acho que essa, entre aspas, essa falta de referência, me levou a me aventurar desde muito jovem. Eu queria fazer uma coisa diferente, que as coisas que eu fizesse fossem saboreadas, festejadas. Em 2007, já há alguns anos em BH, eu resolvi fazer faculdade de gastronomia. A minha formação foi mais focada na gastronomia italiana. Mas uma coisa que eu queria dizer é o seguinte: eu não optei pela gastronomia italiana pela minha ascendência italiana. Optei porque, entre as matérias da faculdade, a gastronomia que mais eu me identifiquei, que para mim, de maior sabor, de maior fartura, foi a italiana.
A gastronomia mineira também é muito farta e tem essa questão de juntar as pessoas para brindar, conversar, rir. A mesa, para os mineiros, é um lugar de celebração, não é um lugar de formalidade. Posso dizer, então, que você juntou a fome com a vontade de comer?
O conteúdo continua após o "Você pode gostar".
Sim, Minas me ensinou muito isso. As amizades, principalmente aqui, são forjadas na cozinha, são consolidadas à mesa. É isso que me encanta. E eu não posso nem dizer que eu me transformei, porque eu me sinto mineiro, as maiores referências que eu tenho realmente são mineiras.
A cozinha e a gastronomia passaram, durante muito tempo, sendo entendidas como algo menor. No Brasil, me parece, uma revalorização e até uma certa glamourização vem a partir dos realities shows, certo? Como você analisa esse momento?
Acho que é difícil mensurar se essa glamourização da gastronomia veio antes ou depois dos realities. Eu acho que, principalmente em BH, o advento da vinda das universidades fomentou muito isso. Existia o Senac, que com muito louvor dava as aulas, mas eram cursos técnicos, não eram cursos superiores, e os grandes chefes que davam aulas de gastronomia, como o Humberto Passeado e o Ivo Faria, por exemplo. Hoje temos cinco ou sete escolas de gastronomia em BH. Isso fomentou o mercado. Agora, a história do glamour, eu acho que é uma coisa que veio com os grandes chefs, com os grandes nomes, porque a realidade da cozinha não é o glamour. Cozinha é uma coisa muito dura, muito tensa. Eu lembro muito bem, que no primeiro período de faculdade, eu já tinha colega com cartão de personal chef. Imagine isso… O dólmã é um veículo de poder. Agora, falando com muita sinceridade, nem todo mundo tem talento. Nem todo o mundo que se forma vai seguir na profissão. Ser chef vai muito além do diploma. O principal da gastronomia é você ser criativo, inovador. A minha trajetória na gastronomia não foi tão extensa e eu me considero cozinheiro, com muita honra!
E como você entrou no mundo dos vinhos e do comercial?
São as felizes coincidências da vida. Eu trabalho com vendas há mais de 30 anos. Eu vim para BH para trabalhar com vendas de um produto que não tem nada a ver com vinho. Na época da faculdade houve um concurso de drinques promovido por um produtor de conhaque em parceria com a Casa do Porto. Eu ganhei esse concurso e, entre os prêmios, estava uma viagem para visitar alguns restaurantes em São Paulo. Fui aprofundando o relacionamento com o pessoal da Casa do Porto e em 2010 eles me convidaram para trabalhar lá. Antes disso eu nem bebia vinho! Foram quatro anos, e depois eu tive um tempo parado, fiz um projeto meu, um restaurante temático durante os três anos. E, em 2017, recebi um convite para entrar na Casa Flora.
E o que faz o comercial on trade?
O comercial on trade é o profissional que atende apenas o setor de restaurantes, no meu caso, principalmente com vinhos. Eu trabalho por observação. Vejo o conceito do restaurante para saber o que eu posso sugerir. Qual a gastronomia do restaurante, para qual o público é voltado, qual a região. E tem outras ocasiões em que o restaurante já está consolidado e o cliente me chama para compor a carta. Ele diz: “Estou precisando de dois vinhos da Argentina” ou “preciso de um vinho orgânico, de um vinho vegano”. Algumas demandas já vêm prontas. Outros clientes querem que eu faça uma carta de vinhos completa.
E aí você treina aquela equipe para saber como apresentar, como harmonizar?
Essa é a parte de treinamento de brigada que, no meu caso, é um treinamento mais voltado para a parte comercial. Eu faço questão que o profissional prove, mas ele quer mais saber como ele vai abordar o consumidor. É claro que ele tem que saber se o vinho tem passagem pela madeira, que é de tal região, tal país. Mais do que isso, o meu trabalho é ajudar o meu cliente a vender, mas não é só o vinho, vender tudo o que o restaurante oferece.
Para preparar os seus clientes, claro, você também precisa se preparar. Você precisa conhecer, estudar, ir às vinícolas. Quem só acompanha pelas redes sociais parece o melhor emprego do mundo.
O que a gente posta, é 1% do trabalho. Quando o comercial on trade senta num restaurante, por exemplo, com um produtor de vinhos ou com um proprietário de restaurante, aquilo ali, ainda que seja descontraído, não é totalmente uma diversão. Tem o atendimento, as visitas, os cadastros, os perrengues da profissão que ninguém vê. É um produto que demorou na importação para chegar, é o cliente que quer uma coisa mais urgente, e a gente tem que se virar para atender.
Você não tem ideia de quantas vinícolas ou quantos países você já conheceu fazendo esse trabalho?
Não. Na verdade, acho que mais Chile, Argentina, Itália e Estados Unidos. Na Casa Flora não trabalho só com vinho. Há uns três anos, por exemplo, estive no Chile visitando um parceiro que produz azeite. Faz parte da profissão, do investimento que a empresa faz na capacitação do profissional.
Nessas viagens você já passou por alguma grande dificuldade?
Uma vez no Chile, visitando essa empresa de azeite, eu estava mais ou menos com quatro meses de cirurgia bariátrica. Foi um dos maiores perrengues que passei. O pessoal achando que eu não tava comendo porque eu não gostei da comida. E eu suava bicas.
A produção de vinhos em Minas Gerais tem crescido e começado a chamar a atenção com premiações internacionais. Você vê Minas como um destino viticultor e de enoturismo no futuro?
Como só trabalhamos com importados, tenho poucas oportunidades de experimentar os nacionais. Mas eu acho que o Brasil está num caminho bacana. A uva que mais se destaca aqui em Minas, por exemplo, é a Syrah. Ela adaptou-se ao processo de poda dupla que a gente precisa fazer para ter sucesso na produção de vinho. E já temos o enoturismo funcionando muito bem. Minas é a terra dos bons produtos. Temos o nosso turismo com o queijo cada vez mais forte. Temos doce de leite, café e agora azeite mineiro, que está muito bem posicionado. Então, tenho certeza de que Minas vai saber explorar essas riquezas.
O vinho é uma cultura milenar, mas hoje em dia a gente vê muitas inovações como vinho em lata, drinques prontos com base de vinho e uma infinidade de preparos feitos a base de vinho – de molhos a brigadeiro. O que você acha disso e você consome esses produtos?
O mundo do vinho tem muitas inovações apesar de ser muito tradicional. Há anos atrás, por exemplo, o consumidor não aceitava o vinho com tampa de rosca. Teve todo um trabalho de mostrar que o estilo não vai denegrir o vinho, muito pelo contrário, ele vai melhorar alguns, conservando melhor. As tendências vão surgindo, e aí vai ficar o que realmente é bom. O vinho em lata, que você citou, eu, particularmente, não tenho o hábito de consumir. Eu sou um pouco resistente. Mas o tradicional vai se modernizando e a gente precisa acompanhar. A própria adequação que o vinho fez para atingir os novos consumidores é um exemplo. São rótulos mais modernos, são vinhos mais prontos, mais simples para atingir um certo consumidor. Essa inovação é muito bem vinda.
Agora, saindo do vinho, quais outras bebidas você gosta? Com o que com que você surpreende as pessoas?
As minhas fases de bebidas vão passando. Eu já fui do gin, do Campari, do uísque. Eu acho que a gente surpreende com hospitalidade, boa gastronomia, e aí a bebida vem nesse pacote. Então, por exemplo, você está recebendo uma pessoa que ama cerveja, você vai surpreendê-la com o ambiente, com a gastronomia e com cerveja.
É óbvio que as pessoas estão esperando uma dica sobre harmonização ou como escolher um bom vinho, que não seja pelo preço.
Na minha concepção, não tem fórmula mágica. O primeiro a se pensar é o quanto você está disposto a pagar. Então, por exemplo, se estou disposto a pagar R$100 num rótulo, dentro desse valor vou me adequar ao que mais gosto, ao que me dá prazer. Agora, você pode decidir que quanto mais caro, melhor, mas é uma experiência muito pessoal.
E pra quem quer aprender um pouco mais, como começar?
Existem bons livros, bons sites, bons veículos de comunicação que ajudam nisso. Eu falo sempre: “vinho é litragem”. Quanto mais você toma, mais você aprende, quer estudar, desenvolve o olfato e o paladar. E quanto mais conhecimento, melhor sua avaliação.
Ouça a rádio de Minas