Conheça a mineira Nathalia Gomide, uma das mulheres mais influentes da mineração

Mineira de Arcos (região Centro-Oeste) e radicada em Belo Horizonte, Nathalia Gomide, gerente de Mining & Metals da EY Brasil, está na WIM100. Feita pela Women in Mining Reino Unido, a lista destaca as 100 mulheres mais inspiradoras da mineração do ano.
Formada em Relações Internacionais, ela está na mineração há oito anos e sempre teve a agenda de equidade e diversidade como uma das prioridades na carreira. A executiva é uma das poucas brasileiras selecionadas dentre as mais de 570 indicações de mais de 40 países. A lista é publicada a cada dois anos e está na sua sexta edição.
E foi para falar de equidade de gênero, sustentabilidade, transição energética e representatividade, entre outros assuntos que Nathalia Gomide recebeu o Diário do Comércio com exclusividade.
Qual o significado de estar nessa lista?
Estou muito honrada em fazer parte de uma lista tão seleta quanto essa e que reconhece o trabalho de mulheres no setor de mineração, que é historicamente predominantemente masculino. Esse tipo de iniciativa traz visibilidade para as questões de diversidade e inclusão dentro do setor, além de protagonizar o nosso trabalho numa indústria que é economicamente tão importante para o País.
Então é importante também trazer mais mulheres para o setor que, atualmente, de acordo com o WIM Brasil, é composto por 23% de mulheres, mas no operacional apenas 10%. Precisamos ser exemplos e trazer novos talentos para a mineração. O setor tem uma carência de talentos porque as novas gerações não têm interesse na mineração por causa da reputação.
Esse reconhecimento traz a responsabilidade de apresentar a mineração, com seus desafios, mas também a oportunidade de transformação do setor por dentro, tornando-o mais seguro física e psicologicamente não só para as mulheres, mas para todas as pessoas; como trazer uma maior conciliação entre vida profissional e carreira. Então, pra mim é isso, ser inspiração e criar um legado positivo para esse setor que é tão importante para a sociedade moderna.
E esse é um círculo virtuoso, certo? Pesquisas mostram que empresas que se esforçam para aumentar o percentual de mulheres passam a avançar em outras pautas ESG mais rapidamente e isso faz com que mais mulheres se interessem em trabalhar naquelas operações porque elas se tornam mais seguras e confortáveis para as mulheres.
Exatamente. É de suma importância para que haja uma mudança de cultura dentro das empresas. Esse olhar através das mulheres e trazendo toda essa interseccionalidade de pessoas minorizadas que a gente tem, trazendo esse novo olhar para que a gente tenha mais diversidade dentro das empresas, construindo melhores práticas,uma cultura organizacional que acolha a todos e que gere resultados. As pesquisas mostram que mais diversidade para dentro das empresas geram novos pensamentos que trazem resultados positivos para as empresas.
Você é mineira e nós que somos daqui carregamos a mineração na própria carteira de identidade. Você já tinha relação com a atividade antes de trabalhar nela?
Apesar da mineração estar na minha carteira de identidade e eu ser de uma cidade mineradora de calcário – Arcos – ela não estava tanto na minha vida. Quando eu entrei na faculdade, tinha aquela ambição de trabalhar no Itamaraty, na ONU (Organização das Nações Unidas), mas isso foi logo desmistificado dentro da própria universidade e a minha carreira foi muito pautada trabalhando para governos e câmara de comércio.
Em Belo Horizonte, iniciei trabalhando para a Câmara de Comércio Índia- Brasil, onde tive contato com a mineração por causa das empresas indianas que tinham interesse no setor aqui em Minas. Depois trabalhei no governo do Estado, na pasta de inovação. E nessa época tive mais contato com as universidades. E depois, com a inauguração do Consulado Britânico em Minas, em 2015, trabalhei como analista comercial e no primeiro ano era uma pauta multissetorial. Em 2016, o consulado assumiu o setor de mineração para o Brasil dentro da missão britânica, era algo de suma importância e passei a trabalhar mais forte com mineração, o meu papel como analista era entender o mercado brasileiro de mineração, quais as oportunidades para atrair fornecedores britânicos interessados em trabalhar no Brasil. Tive que estabelecer um relacionamento com o setor, que era algo que eu não tinha.
Sempre me senti muito isolada, porque nas reuniões os homens praticamente me ignoravam. Em 2018, ao organizar um evento para o governo britânico, vi o Women in Mining. Então consegui convencer o meu chefe a fazer um café com o tema das mulheres na mineração dentro do evento. Reunimos 90 pessoas para esse café dentro da Fapemig e a partir disso consegui engajar mais mulheres nessa pauta. E, em 2019, o WIM Brasil foi lançado e do qual sou diretora desde 2022.
Quem pode e como fazer parte do WIM Brasil?
O nosso site tem todos os caminhos. No início, focávamos muito nas empresas com o nosso plano de ação com oito estratégias sistêmicas. Hoje 65 empresas têm compromisso conosco e estamos medindo como essa pauta avança dentro das empresas com uma pesquisa feita em parceria com a EY. No último relatório, lançado em novembro passado, das 65 empresas participantes, 50 responderam e elas representam cerca de 85% do PIB da mineração brasileira.
Os esforços para a equidade de gênero do setor são verdadeiros ou ainda é conversa pra colocar no relatório de sustentabilidade?
Desde quando começamos a fazer o relatório de indicadores, a participação feminina no setor subiu de 15% para 23%. Temos visto um esforço, principalmente das grandes empresas em atrair talentos femininos. Tem até uma competição entre elas., mas nós precisamos dar passos maiores. De 2023 para 2024 subiu de 21% para 23%. Ainda é muito pouco. As grandes mineradoras que têm esse foco ESG têm feito programas de vagas afirmativas e outras ações, mas quando a gente vai para as médias e pequenas, o resultado não é tão significativo. A gente precisa de intencionalidade.
Um ponto que colocamos no relatório é atrelar as metas de diversidade ao resultado dos executivos. As que já fazem isso tem resultados melhores, mas a maioria não tem esse resultado atrelado. Em um momento em que as pautas ESG vêm sendo questionadas globalmente, é importante a gente trazer dados para mostrar porque a gente ainda atua, porque ainda existe movimento de mulheres na mineração e na indústria como todo. Se somos na população mais de 50%, porque somos só 23% na mineração.
Se existem mais entrantes mulheres na universidade, porque elas não estão sendo absorvidas pelo setor? Há pouco tempo eu via o anúncio de uma vaga afirmativa no LinkedIn e muitos comentários, inclusive de mulheres, falando que aquilo não era necessário. Mas os dados mostram o contrário. Existe um viés inconsciente na hora da contratação e os dados nos ajudam a argumentar. Não queremos o lugar dos homens, queremos ampliar os espaços. E que as mulheres possam se sentir confortáveis nesses espaços. Precisamos conversar com os homens, levando dados, para acelerar essa mudança.
Com isso fizemos, praticamente, a cronologia da sua carreira. Agora você é a gerente de Mining & Metals da EY Brasil e comanda o Centro de Excelência para Mineração e Metais.
Como funciona esse centro?
Na América Latina a EY tem se especializado em consultoria estratégica para a mineração. Pensando em consultoria estratégica para serviços técnicos, operações digitais, gestão operacional e segurança e sustentabilidade. O Centro funciona há quatro anos – começou com Brasil e Chile – e está sendo ampliado para Peru, Colômbia, México e Argentina. Agora também estamos ampliando para o setor de energia como um todo, agregando, inicialmente, Petróleo e Gás. São mais de 160 profissionais. Eu faço a gestão desse Centro, trabalhando com centros de operações integradas e gestão integrada da qualidade.
Você falou sobre o desinteresse dos jovens pelo setor e que isso está ligado à reputação da mineração no mundo todo. O que está sendo feito para reverter esse quadro?
O setor que tem adotado nossa tecnologia e tem muita preocupação em fazer os projetos com menos riscos. A EY tem apoiado essas empresas.
Você está acompanhada de outras sete brasileiras, entre 570 indicações. Há espaço pra mais?
São cinco atuando no Brasil e também brasileiras trabalhando fora. Isso mostra o poder das mulheres brasileiras na mineração.
Observando a lista, vi que, por exemplo, a França, que é um país minerador importante, não tem nenhuma representante. Isso mostra, então, que o problema da equidade de gênero no setor não é um problema de países pobres ou em desenvolvimento, mas um problema global, certo?
Sim, temos globalmente um trabalho de gerações a ser feito. Nem mesmo a Islândia, considerada um dos países mais equitativos do mundo, isso acontece. Teve um movimento interessante lá, há alguns anos, em que as mulheres fizeram greve por causa da desigualdade na remuneração. Mesmo as mulheres em cargos como CFO nos países desenvolvidos enfrentam questões de gênero no seu dia a dia.
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