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Nova legislação mira a saúde mental no ambiente corporativo

Brasil figura em lista de países onde o adoecimento psicológico tem maior impacto sobre a população economicamente ativa
Nova legislação mira a saúde mental no ambiente corporativo
Transtornos mentais são a terceira maior causa de afastamentos entre os trabalhadores segurados no País, representando 38% de todas as licenças concedidas pelo INSS em 2023 | Crédito: Reprodução Adobe Stock

O janeiro branco já passou, mas, ainda assim, a abordagem e a discussão sobre a saúde mental dentro do ambiente de trabalho seguem urgentes. A campanha nacional dedicada à promoção tema buscou dar visibilidade a números assustadores.

Dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt) revelam que cerca de 30% dos profissionais brasileiros sofrem de burnout, impactando diretamente o bem-estar dos colaboradores e o desempenho financeiro das empresas.

Além disso, um estudo da Vittude – referência no desenvolvimento e gestão estratégica de programas de saúde mental corporativos, em parceria com o Opinion Box, – aponta que 40% das pessoas percebem o trabalho como uma fonte significativa de estresse e desgaste mental.

E, sem nenhum espanto, os transtornos mentais são a terceira maior causa de afastamentos entre os trabalhadores segurados no Brasil, representando 38% de todas as licenças concedidas pelo INSS em 2023. Entre 2020 e 2022 – anos da pandemia de Covid-19 – houve um aumento significativo nesses casos, com crescimento de 30% nos afastamentos por motivos como estresse, ansiedade e burnout.

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Isso coloca o Brasil na lista de países onde o adoecimento mental tem maior impacto sobre a população economicamente produtiva. Segundo o relatório anual do Estado Mental do Mundo, divulgado em 2023, o Brasil tem o terceiro pior índice de saúde mental em um ranking com 64 países, ficando à frente apenas do Reino Unido e da África do Sul e 11 pontos abaixo da média geral.

Diante desse quadro, a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que entra em vigor em maio deste ano, significa uma esperança para os especialistas. A regulamentação exige que empresas incluam a avaliação de riscos psicossociais nos processos de Gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST).

As empresas deverão identificar e gerenciar riscos psicossociais e implementar planos de ação. Isso inclui a reorganização do trabalho para reduzir sobrecarga e melhorar a qualidade de vida dos colaboradores; a promoção de um ambiente saudável, com foco em relações interpessoais e bem-estar; e o monitoramento contínuo para avaliar a eficácia das medidas.

De acordo com a diretora de Produto e Operações da Mapa HDS, especialista na avaliação, diagnóstico e monitoramento de aspectos psicológicos e psicossociais no ambiente de trabalho, Nayara Teixeira, as discussões no Brasil estão atrasadas e as empresas precisam se empenhar ainda mais em oferecer ambientes seguros psicologicamente.

Nayara Teixeira
Para Nayara Teixeira, discussões no Brasil estão atrasadas e as empresas precisam se empenhar mais | Crédito: Divulgação Mapa HDS

“Vivemos em um País com várias questões e não adianta falar de saúde mental pensando apenas em uma camada de estrutura psicossocial. Temos um alto índice de adoecimento e precisamos desmistificar esse tema. No passado, havia um apagamento dessas doenças que excluía as pessoas. São os fatores psicossociais que vão dizer que um ambiente é saudável ou não. Esse termo é da década de 1970 e foram muitos anos para que virasse um NR, que inclui fatores psicossociais dentro dos riscos laborais”, explica Nayara Teixeira.

Segundo o diretor do Grupo Delphi, David Gurevitz, a nova redação da NR-1 é muito bem-vinda, porém, para o seu perfeito cumprimento, alguns cuidados devem ser observados, especialmente, no que diz respeito à coleta e armazenamento de dados, no âmbito da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Para ele, as pequenas empresas, mesmo sem departamentos de RH bem estruturados, podem se beneficiar muito com as novas regras, porque elas levam a um aumento de produtividade, com queda significativa nos índices de absenteísmo e turnover.

“Trinta e oito por cento das licenças concedidas pelo INSS ter como causa o adoecimento mental gera um custo muito grande para a sociedade. Sabemos que o risco está, inclusive, nas grandes empresas, que têm RHs estruturados, mas, mesmo assim, não implantam programas nesse sentido. Existem várias metodologias, nós usamos uma da Dinamarca que foi ‘tropicalizada’. A aplicação do questionário deve ser feita setor por setor e a indicação é que sejam feitos programas de longo prazo. Mas é preciso observar o limite da LGPD com as informações sensíveis. Por isso, a equipe tem que ser muito bem treinada para desenvolver esse trabalho”, sugere Gurevitz.

Liderança tem papel fundamental para garantir saúde mental dentro das empresas

O papel das lideranças na jornada de tornar as empresas espaços emocionalmente seguros é fundamental, destaca a especialista na criação de ambientes corporativos humanizados e CEO da Newa, Carine Roos.

Carine Roos
Segundo Carine Roos, a legislação brasileira tem pontos importantes como cotas, igualdade salarial entre gêneros e proteção aos deficientes físicos | Crédito: Divulgação Paulo Liebert

O primeiro passo deve ser tirar o peso do adoecimento mental das costas do trabalhador e entender a questão com aspectos coletivos e laborais em boa parte dos casos. A inclusão do burnout ou síndrome do esgotamento profissional na lista de doenças ocupacionais, em 2022, foi um passo fundamental nesse sentido.

Para que o programa de promoção da saúde mental tenha sucesso dentro das empresas, a especialista assinala dois pilares:

  • 1-     Fazer o diagnóstico dos riscos psicossociais por meio de indicadores e coleta contínua de dados. Para isso, as lideranças devem desenvolver maior capacidade de escuta e de repactuação do trabalho;
  • 2-     Acompanhar os indicadores e realizar ajustes contínuos.

“Precisamos não só ter a liderança mais empática, mas também com uma maior consciência emocional. Isso tem a ver com o compartilhamento e transparência das informações, promovendo a autonomia e o alinhamento de expectativas efetivos para um ambiente seguro emocionalmente, propondo, até, rotinas mais flexíveis e novos formatos. Isso quer dizer abrir mão de uma falsa sensação de controle. A mudança só acontece quando se dá no nível institucional”, pondera Carine Roos.

As ações e programas de saúde mental no trabalho estão ligados à política ESG dentro das empresas e de forma direta a pelo menos dois Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), publicados pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2015:

  • ODS 3: Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades;
  • ODS 8: Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos.

O recrudescimento da onda anti-ESG no mundo, com a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, em janeiro, porém, pode impactar o desenvolvimento de políticas pró-saúde mental em todo o mundo.

“Trump causa risco psicossocial aos funcionários norte-americanos ao ameaçar dois milhões de pessoas de demissão. Imagine o que isso está causando naquela sociedade. E já estamos tendo um retrocesso nas empresas norte-americanas com atuação no mundo”, diz o diretor do Grupo Delphi.

A análise da executiva da Newa caminha no mesmo sentido. Porém, ela acredita em uma solução “à brasileira”.

“Globalmente, é muito ruim, porque os EUA influenciam práticas no mundo. Para o nosso bem, o Brasil é muito diferente em muitos aspectos. Nossa legislação tem pontos importantes como as cotas, a igualdade salarial entre os gêneros e a proteção aos deficientes físicos, por exemplo, e agora a NR1. E também temos legislação forte em relação à discriminação.  Esse momento é uma oportunidade para quem olha para a diversidade como convicção. Temos que criar um movimento de lideranças dentro das empresas que têm essa visão. Mais do que nunca, a gente precisa fortalecer os programas e iniciativas em ESG, mostrando que isso tem a ver com bons negócios. Temos condições de liderar essa pauta globalmente pela nossa diversidade única”, conclui Carine Roos.

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